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Fake news: Perspectivas filosóficas sobre tecnologia e verdade

Embora a legislação, como o Projeto de Lei das Fake News, seja um passo vital, a responsabilidade ética das plataformas de redes sociais e o fomento de um diálogo público esclarecido são igualmente essenciais no combate a esse fenômeno contemporâneo.

12/1/2024

Introdução 

No cenário brasileiro atual, as redes sociais, sob a administração do governo Lula, anunciaram que não resistirão ao Projeto de Lei das Fake News. Essa decisão destaca o papel crítico da tecnologia e da verdade na nossa sociedade. Este artigo mergulha nas implicações filosóficas das fake news, guiado pelas ideias de filósofos que contemplaram a interseção entre tecnologia e sociedade. 

A visão de Heidegger: Tecnologia e percepção. Visões do mundo tecnológico são colocados em perspectiva 

Martin Heidegger, em "A Questão da Tecnologia", não limita a tecnologia a um mero conjunto de ferramentas; para ele, ela molda nossa interpretação do mundo. Ele introduz o conceito de "enquadramento" (Gestell), que delineia nossa percepção da realidade. Nas redes sociais, esse enquadramento muitas vezes distorce a verdade, privando-a de autenticidade e exigindo de nós uma disciplina mais rigorosa na análise de informações e imagens. 

 Por seu lado,Jürgen Habermas ressalta a importância de um diálogo racional em um espaço público democrático. As fake news desafiam esse ideal, gerando narrativas polarizadas. Segundo Habermas, as redes sociais são incapazes de preservar a integridade desse espaço, ao permitirem a disseminação de informações falsas. Surge, então, o questionamento: como estabelecer um controle eficaz sobre o que é falso e quem determina o poder da narrativa?

 McLuhan define o poder da influência dos meios de comunicação

Marshall McLuhan, com a ideia de que "o meio é a mensagem", destaca a relevância da forma como as informações são transmitidas. As redes sociais, ao definirem a natureza da informação, acabam por fomentar as fake news, priorizando o sensacionalismo e a propagação rápida, muitas vezes à custa da veracidade, impactando principalmente os jovens. 

Hannah Arendt sublinhou a importância da verdade para a saúde da esfera pública. Ela interpretaria as fake news como sintomas de uma crise política mais ampla, onde a mentira se tornou uma ferramenta rotineira, erodindo a confiança e a coesão social. 

Ética e tecnologia: O enfoque de Hans Jonas

Hans Jonas discute a ética na tecnologia, enfatizando a necessidade de considerar as consequências de longo prazo das inovações tecnológicas. Ele destaca o desafio ético enfrentado pelas redes sociais na disseminação de fake news, especialmente em relação aos grupos mais vulneráveis. 

Consequências reais: Do virtual ao mundo real

Ao analisar casos como o uso de IA para criar imagens falsas, notamos os efeitos concretos das fake news. Essas práticas, além de distorcer a realidade, podem ter consequências devastadoras, especialmente para os jovens, que por vezes são levados a atos extremos por não conseguirem lidar com as pressões virtuais. 

Zygmunt Bauman e o desafio das fake news na modernidade líquida 

Está cada vez mais complexo distinguir entre discursos falsos e verdadeiros. Vivemos em um mundo inundado por um fluxo incessante de informações, tornando as fake news um dos grandes desafios da era contemporânea. Zygmunt Bauman, um dos sociólogos mais influentes do nosso tempo, cujas reflexões sobre a modernidade líquida têm esclarecido as complexidades de nossa era, nos oferece uma perspectiva única para examinar esta questão. 

Mutatis mutandis, Bauman caracterizou a modernidade como "líquida", um estado em que as mudanças ocorrem tão rapidamente que pouco tem a chance de se solidificar. Neste contexto, as fake news são um exemplo desta fluidez informativa, representando a natureza mutável e frequentemente inconstante da verdade em nossa sociedade. Assim, o combate às fake news não é apenas uma luta contra a desinformação, mas uma batalha pela estabilização da verdade em um mar de incertezas. 

Vis a vis, o advento da era digital, um foco central no trabalho de Bauman, desempenha um papel crucial nesse cenário. As redes sociais e a internet amplificaram a capacidade de disseminar informações, verdadeiras ou falsas, a uma velocidade e escala sem precedentes. Bauman provavelmente argumentaria que entender como a tecnologia remodela nossas interações e percepções é fundamental para enfrentar o fenômeno das fake news. 

No entanto, Bauman poderia também expressar uma preocupação profunda com os riscos associados à censura e ao controle no combate às fake news. A questão de quem detém a autoridade para classificar informações como verdadeiras ou falsas é delicada e sujeita a abusos. A possibilidade de que essa autoridade seja usada para suprimir vozes divergentes e controlar narrativas é um risco que não pode ser ignorado. 

Além disso, Bauman entenderia as consequências sociais de um ambiente poluído por fake news. A confiança pública, a integridade das instituições democráticas e a coesão social estão em jogo. Assim, o combate efetivo a essas notícias falsas é vital para preservar a estrutura social. 

Um aspecto crucial, e talvez o mais alinhado com o pensamento de Bauman, seria a ênfase na educação e no desenvolvimento do pensamento crítico como ferramentas para combater as fake news. A capacidade de questionar, de analisar criticamente as informações e de compreender seu contexto é essencial na distinção entre o falso e o verdadeiro. 

Finalmente, ao abordar o problema das fake news, Bauman nos convidaria a refletir sobre a natureza da verdade na modernidade líquida. Em um mundo onde as certezas são escassas, o desafio não é apenas identificar e combater a desinformação, mas também compreender como as noções de verdade são construídas, desfeitas e remodeladas continuamente em nossa sociedade. 

Portanto, sob a ótica de Bauman, o combate às fake news é uma tarefa complexa e multifacetada. Envolve não apenas a luta contra a desinformação, mas também uma compreensão profunda das dinâmicas sociais e tecnológicas de nossa era, bem como um compromisso com a promoção da educação e do pensamento crítico. É um desafio que reflete as características fluidas e mutáveis da modernidade, exigindo soluções igualmente adaptáveis e reflexivas. 

A análise filosófica das fake news revela que os desafios que enfrentamos transcendem a esfera tecnológica, tocando pontos fundamentais sobre verdade, ética e sociedade. Embora a legislação, como o Projeto de Lei das Fake News, seja um passo vital, a responsabilidade ética das plataformas de redes sociais e o fomento de um diálogo público esclarecido são igualmente essenciais no combate a esse fenômeno contemporâneo. 

Referências 

1. Heidegger, Martin. "A Questão da Tecnologia" (Die Frage nach der Technik). In: _Ensaios e Conferências_. Tradução de Marcia Sá Cavalcante Schuback. Petrópolis: Editora Vozes, 2002.   

- Este ensaio de Martin Heidegger, originalmente publicado em 1954, é um dos textos fundamentais para compreender sua visão sobre a tecnologia. Heidegger discute como a tecnologia revela o mundo de uma maneira específica, moldando nossa relação com a realidade. 

2. Habermas, Jürgen. Mudança Estrutural da Esfera Pública: Investigação quanto a uma categoria da sociedade burguesa_. Tradução de Flávio R. Kothe. São Paulo: Editora Unesp, 2003.   

- Nesta obra, Habermas explora a ideia do espaço público e como ele é essencial para a democracia. O livro, publicado originalmente em 1962, detalha a evolução e o declínio do espaço público burguês e discute a importância do diálogo racional e da participação pública. 

3. McLuhan, Marshall. _Understanding Media: The Extensions of Man_. Nova York: McGraw-Hill, 1964.   

- Em "Understanding Media", Marshall McLuhan introduz a famosa frase "o meio é a mensagem" e analisa como diferentes meios de comunicação afetam a sociedade e a cultura. Este livro é fundamental para entender a teoria da comunicação e o impacto dos meios na formação da percepção humana. 

4. Arendt, Hannah. _A condição humana_. Tradução de Roberto Raposo. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009.   

"A Condição Humana", publicado originalmente em 1958, é uma das obras mais influentes de Hannah Arendt. Neste livro, Arendt examina a natureza da atividade humana, incluindo o trabalho, a obra e a ação, com uma ênfase especial na ação na esfera pública e na importância da verdade para a política. 

5. Jonas, Hans. _O Princípio Responsabilidade: Ensaio de uma ética para a civilização tecnológica_. Tradução de Marijane Lisboa e Luiz Barros Montez. Rio de Janeiro: Contraponto; Ed. PUC-Rio, 2006.   

- Em "O Princípio Responsabilidade", Hans Jonas apresenta uma ética para a era tecnológica, argumentando pela necessidade de responsabilidade em face do poder crescente da tecnologia. Publicado originalmente em 1979, este livro é uma reflexão profunda sobre a ética ambiental e a responsabilidade humana no uso da tecnologia.

6. Bauman, Zygmunt. _Modernidade Líquida_. Tradução de Plínio Dentzien. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. 

- Em "Modernidade Líquida", Zygmunt Bauman explora as características fluidas da vida moderna, incluindo as relações sociais, o trabalho e a tecnologia. Bauman oferece uma perspectiva valiosa para entender o fenômeno das fake news, especialmente no contexto das rápidas mudanças e da incerteza que definem a era digital. Ele discute como a fluidez e a transitoriedade na sociedade contemporânea afetam nossa percepção de verdade e realidade, um aspecto crucial para compreender o impacto e a proliferação das fake news nas redes sociais.

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Colunistas

Coriolano Aurélio de Almeida Camargo Santos é advogado e Presidente da Digital Law Academy. Ph.D., ocupa o cargo de Conselheiro Estadual da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo (OAB/SP), com mandatos entre 2013-2018 e 2022-2024. É membro da Comissão Nacional de Inteligência Artificial do Conselho Federal da OAB. Foi convidado pela Mesa do Congresso Nacional para criar e coordenar a comissão de Juristas que promoveu a audiência pública sobre a criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, realizada em 24 de maio de 2019. Possui destacada carreira acadêmica, tendo atuado como professor convidado da Università Sapienza (Roma), IPBEJA (Portugal), Granada, Navarra e Universidade Complutense de Madrid (Espanha). Foi convidado pelo Supremo Tribunal Federal em duas ocasiões para discutir temas ligados ao Direito e à Tecnologia. Também atua como professor e coordenador do programa de Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) da Escola Superior de Advocacia Nacional do Conselho Federal é o órgão máximo na estrutura da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB). Foi fundador e presidente da Comissão de Direito Digital e Compliance da OAB/SP (2005-2018). Atuou como Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo (2005-2021) e fundou a Comissão do Contencioso Administrativo Tributário da OAB/SP em 2014. Na área de arbitragem, é membro da Câmara Empresarial de Arbitragem da FECOMERCIO, OAB/SP e da Câmara Arbitral Internacional de Paris. Foi membro do Conselho Jurídico da FIESP (2011-2020) e diretor do Departamento Jurídico da mesma entidade (2015-2022). Atualmente desempenha o papel de Diretor Jurídico do DEJUR do CIESP. Foi coordenador do Grupo de Estudos de Direito Digital da FIESP (2015/2020). Foi convidado e atuou como pesquisador junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2010, para tratar da segurança física e digital de processos findos. Além disso, ocupou o cargo de Diretor Titular do Centro do Comércio da FECOMERCIO (2011-2017) e foi conselheiro do Conselho de Tecnologia da Informação e Comunicação da FECOMERCIO (2006-2010). Desde 2007, é membro do Conselho Superior de Direito da FecomercioSP. Atua como professor de pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie desde 2007, nos cursos de Direito e Tecnologia, tendo lecionado no curso de Direito Digital da Fundação Getúlio Vargas, IMPACTA Tecnologia e no MBA em Direito Eletrônico da EPD. Ainda coordenou e fundou o Programa de Pós-Graduação em Direito Digital e Compliance do Ibmec/Damásio. É Mestre em Direito na Sociedade da Informação pela FMU (2007) e Doutor em Direito pela FADISP (2014). Lecionou na Escola de Magistrados da Justiça Federal da 3ª Região, Academia Nacional de Polícia Federal, Governo do Estado de São Paulo e Congresso Nacional, em eventos em parceria com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, INTERPOL e Conselho da Europa. Como parte de sua atuação internacional, é membro da International High Technology Crime Investigation Association (HTCIA) e integrou o Conselho Científico de Conferências de âmbito mundial (ICCyber), com o apoio e suporte da Diretoria Técnico-Científica do Departamento de Polícia Federal, Federal Bureau of Investigation (FBI/USA), Australian Federal Police (AFP) e Guarda Civil da Espanha. Além disso, foi professor convidado em instituições e empresas de grande porte, como Empresa Brasileira de Aeronáutica (EMBRAER), Banco Santander e Microsoft, bem como palestrou em eventos como Fenalaw/FGV.GRC-Meeting, entre outros. Foi professor colaborador da AMCHAM e SUCESU. Em sua atuação junto ao Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), apresentou uma coletânea de pareceres colaborativos à ação governamental, alcançando resultados significativos com a publicação de Convênios e Atos COTEPE voltados para a segurança e integração nacional do sistema tributário e tecnológico. Também é autor do primeiro Internet-Book da OAB/SP, que aborda temas de tributação, direito eletrônico e sociedade da informação, e é colunista em Direito Digital, Inovação e Proteção de Dados do Portal Migalhas, entre outros. Em sua atuação prática, destaca-se nas áreas do Direito Digital, Inovação, Proteção de Dados, Tributário e Empresarial, com experiência jurídica desde 1988.

Leila Chevtchuk, eleita por aclamação pelos ministros do TST integrou o Conselho Consultivo da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho – ENAMAT. Em 2019 realizou visita técnico científica a INTERPOL em Lyon na França e EUROPOL em 2020 em Haia na Holanda. Desembargadora, desde 2010, foi Diretora da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª região. Pela USP é especialista em transtornos mentais relacionados ao trabalho e em psicologia da saúde ocupacional. Formada em Direito pela USP. Pós-graduada pela Universidade de Lisboa, na área de Direito do Trabalho. Mestre em Relações do Trabalho pela PUC e doutorado na Universidade Autôno de Lisboa.