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STF e a responsabilidade da imprensa: Novas diretrizes no jornalismo brasileiro

O STF estabeleceu um marco no jornalismo brasileiro ao aprovar uma tese jurídica que define critérios para a responsabilização de veículos de imprensa por declarações de entrevistados que atribuam falsamente crimes a terceiros. Esta decisão é um desenvolvimento significativo nas normas que regem a liberdade de imprensa e a responsabilidade civil no Brasil.

1/12/2023

O Supremo Tribunal Federal (STF) estabeleceu um marco no jornalismo brasileiro ao aprovar uma tese jurídica que define critérios para a responsabilização de veículos de imprensa por declarações de entrevistados que atribuam falsamente crimes a terceiros. Esta decisão, tomada em 29 de novembro de 2023, é um desenvolvimento significativo nas normas que regem a liberdade de imprensa e a responsabilidade civil no Brasil. 

A decisão surgiu de um caso específico envolvendo o jornal Diário de Pernambuco. Em 1995, o jornal publicou uma entrevista onde Ricardo Zarattini Filho, ex-deputado Federal, foi acusado de ter sido o mentor de um atentado a bomba no Aeroporto de Guararapes, em 1966. Zarattini, que foi inocentado na investigação sobre o atentado, processou o jornal por danos morais. 

O STF decidiu por unanimidade que veículos de comunicação podem ser obrigados a pagar indenização se houver indícios concretos de falsidade na acusação e se não observarem o dever de cuidado na verificação dos fatos. O presidente do STF, ministro Luis Roberto Barroso, explicou que, no caso concreto, o entrevistado reavivou uma mentira sem preocupação em esclarecer a inverdade da acusação. 

Os ministros enfatizaram que a liberdade de expressão deve ser exercida com responsabilidade, permitindo análise e responsabilização por informações injuriosas, difamantes, caluniosas ou mentirosas. No entanto, a regra geral é a isenção de responsabilidade do veículo pelas declarações do entrevistado, exceto em caso de "grosseira negligência" na apuração dos fatos. 

Apesar da decisão, o ministro Marco Aurélio, relator do caso, defendeu que as empresas jornalísticas não podem ser responsabilizadas civilmente por declarações de entrevistados, desde que o jornal não emita opinião sobre o caso. Essa visão destaca a complexidade da questão e a necessidade de equilibrar a liberdade de imprensa com a responsabilidade civil. 

Organizações jornalísticas, como a Associação Nacional de Jornais (ANJ) e a Federação Nacional dos Jornalistas, expressaram preocupações com a decisão e suas possíveis interpretações, especialmente no que diz respeito aos 'indícios concretos de falsidade' e ao 'dever de cuidado'. A decisão final do STF manteve a condenação do Diário de Pernambuco ao pagamento de indenização de R$ 700 mil. 

Decisões internacionais sobre a responsabilidade dos meios de comunicação e a liberdade de expressão: 

1. Relatoria Especial da ONU sobre Liberdade de Expressão e Opinião: Esta entidade da ONU defendeu que a mídia não deve ser legalmente responsável por declarações ilegais reportadas durante campanhas eleitorais. Essa visão, no entanto, é controversa e difere de outras autoridades internacionais. O Tribunal Constitucional da Espanha apoia a ideia de que o público tem o direito de ser informado sobre declarações de políticos, mesmo que sejam ilegais. 

2. Decisões dos Tribunais dos EUA - Seção 230: Nos Estados Unidos, a Seção 230 protege serviços online de serem responsabilizados por conteúdo ilegal de terceiros. Um caso notável é o Zeran v. America Online (1997), onde foi decidido que esta proteção se estende mesmo se o serviço online distribuir conscientemente conteúdo ilegal de terceiros. No entanto, há limitações a essa proteção, como evidenciado pelo caso Roommates.com (2008).

3. Casos Judiciais na União Europeia: Um estudo analisou a jurisprudência sobre mídias sociais em vários tribunais nacionais da UE, incluindo Bulgária, Croácia, Grécia, Itália, Letônia, Eslováquia e Eslovênia. A pesquisa mostrou que o diálogo judicial entre esses tribunais é limitado, mas ilustrou diferentes formas de interação com decisões de tribunais de outros países ou instâncias superiores. 

4. Texas Supreme Court (EUA) - Landry's, Inc. et al. v. Animal Legal Defense Fund et al.: Neste caso, o tribunal decidiu que os advogados não são protegidos pelo privilégio de procedimentos judiciais ou imunidade de advogado contra reivindicações de difamação devido a esforços de publicidade pré-processo. Foi destacado que os advogados não agem em sua "capacidade única de advogado" ao buscar publicidade para clientes. 

Essas decisões refletem diferentes abordagens e interpretações legais em relação à responsabilidade dos meios de comunicação e liberdade de expressão em várias jurisdições. 

Este julgamento do STF representa um momento decisivo no equilíbrio entre a liberdade de expressão e a responsabilidade jornalística no Brasil. A decisão ressalta a importância da verificação rigorosa dos fatos e a necessidade de uma abordagem equilibrada para garantir que a imprensa possa continuar a desempenhar seu papel essencial em uma democracia, sem estar sujeita a restrições indevidas ou a riscos legais desproporcionais. 

A tese de repercussão geral fixada foi a seguinte:
 
1. A plena proteção constitucional à liberdade de imprensa é consagrada pelo binômio liberdade com responsabilidade, vedada qualquer espécie de censura prévia. Admite-se a possibilidade posterior de análise e responsabilização, inclusive com remoção de conteúdo, por informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas, e em relação a eventuais danos materiais e morais. Isso porque os direitos à honra, intimidade, vida privada e à própria imagem formam a proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, salvaguardando um espaço íntimo intransponível por intromissões ilícitas externas.

2. Na hipótese de publicação de entrevista em que o entrevistado imputa falsamente prática de crime a terceiro, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada civilmente se: (i) à época da divulgação, havia indícios concretos da falsidade da imputação; e (ii) o veículo deixou de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios. 

Referências 

1. STF define tese sobre responsabilização de veículos em declarações de entrevistados

2. STF fixa tese sobre responsabilidade de jornal por fala de entrevistado. 

3. STF aprova responsabilização da imprensa por fala de entrevistados.

4. "Imprensa pode ser punida por indícios de falsidade em entrevistas". (30 nov. 2023)

5. Media Liability for Reports of Unlawful Statements - ACE Project.

6. Seção 230 e Decisões Judiciais nos EUA - ITIF (Information Technology and Innovation Foundation).

7. Judicial Dialogue in Social Media Cases in Europe - German Law Journal, Cambridge Core.

8. Attorney Press Statements About Cases May Not Be Protected - American Bar Association.

9.  - Supremo Tribunal Federal (STF). STF fixa critérios para responsabilizar empresas jornalísticas por divulgação de acusações falsas. Disponível em: 29/11/2023 19h53. Acesso em: [29.11.23].

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Colunistas

Coriolano Aurélio de Almeida Camargo Santos é advogado e Presidente da Digital Law Academy. Ph.D., ocupa o cargo de Conselheiro Estadual da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo (OAB/SP), com mandatos entre 2013-2018 e 2022-2024. É membro da Comissão Nacional de Inteligência Artificial do Conselho Federal da OAB. Foi convidado pela Mesa do Congresso Nacional para criar e coordenar a comissão de Juristas que promoveu a audiência pública sobre a criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, realizada em 24 de maio de 2019. Possui destacada carreira acadêmica, tendo atuado como professor convidado da Università Sapienza (Roma), IPBEJA (Portugal), Granada, Navarra e Universidade Complutense de Madrid (Espanha). Foi convidado pelo Supremo Tribunal Federal em duas ocasiões para discutir temas ligados ao Direito e à Tecnologia. Também atua como professor e coordenador do programa de Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) da Escola Superior de Advocacia Nacional do Conselho Federal é o órgão máximo na estrutura da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB). Foi fundador e presidente da Comissão de Direito Digital e Compliance da OAB/SP (2005-2018). Atuou como Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo (2005-2021) e fundou a Comissão do Contencioso Administrativo Tributário da OAB/SP em 2014. Na área de arbitragem, é membro da Câmara Empresarial de Arbitragem da FECOMERCIO, OAB/SP e da Câmara Arbitral Internacional de Paris. Foi membro do Conselho Jurídico da FIESP (2011-2020) e diretor do Departamento Jurídico da mesma entidade (2015-2022). Atualmente desempenha o papel de Diretor Jurídico do DEJUR do CIESP. Foi coordenador do Grupo de Estudos de Direito Digital da FIESP (2015/2020). Foi convidado e atuou como pesquisador junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2010, para tratar da segurança física e digital de processos findos. Além disso, ocupou o cargo de Diretor Titular do Centro do Comércio da FECOMERCIO (2011-2017) e foi conselheiro do Conselho de Tecnologia da Informação e Comunicação da FECOMERCIO (2006-2010). Desde 2007, é membro do Conselho Superior de Direito da FecomercioSP. Atua como professor de pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie desde 2007, nos cursos de Direito e Tecnologia, tendo lecionado no curso de Direito Digital da Fundação Getúlio Vargas, IMPACTA Tecnologia e no MBA em Direito Eletrônico da EPD. Ainda coordenou e fundou o Programa de Pós-Graduação em Direito Digital e Compliance do Ibmec/Damásio. É Mestre em Direito na Sociedade da Informação pela FMU (2007) e Doutor em Direito pela FADISP (2014). Lecionou na Escola de Magistrados da Justiça Federal da 3ª Região, Academia Nacional de Polícia Federal, Governo do Estado de São Paulo e Congresso Nacional, em eventos em parceria com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, INTERPOL e Conselho da Europa. Como parte de sua atuação internacional, é membro da International High Technology Crime Investigation Association (HTCIA) e integrou o Conselho Científico de Conferências de âmbito mundial (ICCyber), com o apoio e suporte da Diretoria Técnico-Científica do Departamento de Polícia Federal, Federal Bureau of Investigation (FBI/USA), Australian Federal Police (AFP) e Guarda Civil da Espanha. Além disso, foi professor convidado em instituições e empresas de grande porte, como Empresa Brasileira de Aeronáutica (EMBRAER), Banco Santander e Microsoft, bem como palestrou em eventos como Fenalaw/FGV.GRC-Meeting, entre outros. Foi professor colaborador da AMCHAM e SUCESU. Em sua atuação junto ao Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), apresentou uma coletânea de pareceres colaborativos à ação governamental, alcançando resultados significativos com a publicação de Convênios e Atos COTEPE voltados para a segurança e integração nacional do sistema tributário e tecnológico. Também é autor do primeiro Internet-Book da OAB/SP, que aborda temas de tributação, direito eletrônico e sociedade da informação, e é colunista em Direito Digital, Inovação e Proteção de Dados do Portal Migalhas, entre outros. Em sua atuação prática, destaca-se nas áreas do Direito Digital, Inovação, Proteção de Dados, Tributário e Empresarial, com experiência jurídica desde 1988.

Leila Chevtchuk, eleita por aclamação pelos ministros do TST integrou o Conselho Consultivo da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho – ENAMAT. Em 2019 realizou visita técnico científica a INTERPOL em Lyon na França e EUROPOL em 2020 em Haia na Holanda. Desembargadora, desde 2010, foi Diretora da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª região. Pela USP é especialista em transtornos mentais relacionados ao trabalho e em psicologia da saúde ocupacional. Formada em Direito pela USP. Pós-graduada pela Universidade de Lisboa, na área de Direito do Trabalho. Mestre em Relações do Trabalho pela PUC e doutorado na Universidade Autôno de Lisboa.