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Marco Civil da Internet: Uma análise jurisprudencial sobre responsabilidades dos provedores

O texto analisa os fundamentos da lei 12.965/14, conhecida como Marco Civil da Internet, destacando decisões judiciais relevantes que interpretam a legislação.

17/11/2023

Este texto analisa os pilares fundamentais da lei 12.965/14, conhecida como Marco Civil da Internet, que estabelece as diretrizes para o uso da internet no Brasil. O foco é examinar decisões judiciais relevantes que interpretam essa legislação, enfatizando especialmente os deveres e responsabilidades dos provedores de serviços de internet. Avalia-se a atualidade do Marco Civil em relação à liberdade de expressão, ponderando seu papel na disseminação de informações falsas e sua conformidade com a dignidade da pessoa humana, um princípio central da Constituição Federal.1

Recentemente, a Secretaria de Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça lançou a edição mais recente da "Jurisprudência em Teses", que traz insights valiosos sobre o Marco Civil da Internet. Dois conceitos chave, em particular, se destacam neste contexto.

Teses Jurídicas Centrais 

A primeira tese discute a responsabilidade civil dos provedores de aplicativos. Ela determina que os provedores são obrigados a remover conteúdos ofensivos que envolvam menores de idade assim que notificados, mesmo na ausência de uma ordem judicial. Essa obrigação decorre do princípio da proteção integral a crianças e adolescentes, prevalecendo sobre as disposições do Marco Civil da Internet. 

A segunda tese aborda o procedimento de remoção de conteúdo ofensivo, baseado numa notificação direta da vítima ao provedor, um processo conhecido como "notice and take down". Esta tese estabelece três critérios essenciais para a remoção: a imagem íntima deve ter sido compartilhada sem consentimento; as cenas, seja de nudez ou atos sexuais, devem ser de natureza privada; e deve haver uma violação clara da intimidade do indivíduo retratado. 

Essas duas teses refletem a evolução do entendimento jurídico no Brasil sobre a responsabilidade dos provedores de serviços de Internet e reforçam a importância do Marco Civil da Internet como uma ferramenta fundamental na governança digital, proteção de direitos e na responsabilização de entidades digitais.

Provedores de Pesquisa e Eliminação de Conteúdo

1. Limites à Atuação dos Provedores de Pesquisa: Conforme julgados como REsp 1848036/SP e outros, não se pode obrigar provedores de pesquisa a eliminar resultados de buscas específicas, mesmo que apontem para conteúdo ilícito ou ofensivo. Isso inclui fotos ou textos específicos, independentemente do URL da página.

2. Exceções à Regra: Em casos como o citado no REsp 1582981/RJ, provedores podem ser obrigados a remover resultados incorretos ou inadequados, especialmente se não houver pertinência entre o conteúdo do resultado e o critério pesquisado.

Proteção de Menores e Conteúdo Ofensivo

3. Proteção Integral à Criança e ao Adolescente: Segundo o REsp 1783269/MG, provedores são civilmente responsáveis se, após notificação, não retirarem conteúdo ofensivo envolvendo menores, mesmo sem ordem judicial.

Direito ao Esquecimento

4. Inaplicabilidade do Direito ao Esquecimento: De acordo com decisões como AgInt no REsp 1774425/RJ, o direito ao esquecimento, que seria a restrição à divulgação de fatos ou dados com o passar do tempo, não é aplicável no Brasil.

5. Desindexação e Direito ao Esquecimento: A desindexação de conteúdos, conforme o REsp 1660168/RJ, não se confunde com o direito ao esquecimento. Ela não implica a exclusão dos resultados, mas sim a desvinculação de certos conteúdos dos provedores de busca.

Remoção de Conteúdo Ofensivo

6. Remoção de Conteúdo Íntimo: Conforme julgados como REsp 2025712/SP, a remoção de conteúdo íntimo não consensual exige que a imagem seja privada e viole a intimidade, iniciando-se a responsabilidade do provedor com a notificação da vítima.

7. Exposição Pornográfica Não Consentida: A exposição pornográfica sem consentimento, segundo o REsp 1735712/SP, não se limita apenas à nudez total ou a atos sexuais específicos, mas inclui qualquer conduta que possa danificar a personalidade da vítima.

8. Danos Morais em Casos de Exposição Não Consentida: Mesmo que o rosto da vítima não esteja claramente visível, isso não altera a configuração de danos morais, como indicado no mesmo REsp 1735712/SP.

9. Imagens Íntimas com Fins Comerciais: A responsabilidade do provedor pela retirada de conteúdo de imagem íntima com fim comercial inicia-se com uma ordem judicial, conforme os casos REsp 2025712/SP e REsp 1840848/SP.

Epílogo 

"Vis a vis", o  Marco Civil da Internet no Brasil impõe limites e responsabilidades significativos aos provedores de serviços de Internet, especialmente em relação à proteção de menores e ao tratamento de conteúdo ofensivo ou inadequado. 

"Mutatis mutandis", as decisões judiciais analisadas destacam a complexidade e a sensibilidade desses temas no contexto digital, ressaltando a necessidade de equilibrar direitos individuais com a liberdade de expressão e informação. 

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1 O Marco Civil da Internet e seus reflexos para a sociedade e a Indústria:
https://www.linkedin.com/pulse/o-marco-civil-da-internet-e-seus-reflexos-para-camargo?utm_source=share&utm_medium=member_android&utm_campaign=share_via

2. https://www.migalhas.com.br/coluna/direito-digital/257992/o-marco-civil-da-internet-apos-3-anos--desafios-e-oportunidades

ORDEM E MINISTÉRIO DA JUSTIÇA DEBATEM MARCO CIVIL DA INTERNET:  https://www.oabsp.org.br/noticias/2010/04/29/6074

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Colunistas

Coriolano Aurélio de Almeida Camargo Santos é advogado e Presidente da Digital Law Academy. Ph.D., ocupa o cargo de Conselheiro Estadual da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo (OAB/SP), com mandatos entre 2013-2018 e 2022-2024. É membro da Comissão Nacional de Inteligência Artificial do Conselho Federal da OAB. Foi convidado pela Mesa do Congresso Nacional para criar e coordenar a comissão de Juristas que promoveu a audiência pública sobre a criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, realizada em 24 de maio de 2019. Possui destacada carreira acadêmica, tendo atuado como professor convidado da Università Sapienza (Roma), IPBEJA (Portugal), Granada, Navarra e Universidade Complutense de Madrid (Espanha). Foi convidado pelo Supremo Tribunal Federal em duas ocasiões para discutir temas ligados ao Direito e à Tecnologia. Também atua como professor e coordenador do programa de Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) da Escola Superior de Advocacia Nacional do Conselho Federal é o órgão máximo na estrutura da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB). Foi fundador e presidente da Comissão de Direito Digital e Compliance da OAB/SP (2005-2018). Atuou como Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo (2005-2021) e fundou a Comissão do Contencioso Administrativo Tributário da OAB/SP em 2014. Na área de arbitragem, é membro da Câmara Empresarial de Arbitragem da FECOMERCIO, OAB/SP e da Câmara Arbitral Internacional de Paris. Foi membro do Conselho Jurídico da FIESP (2011-2020) e diretor do Departamento Jurídico da mesma entidade (2015-2022). Atualmente desempenha o papel de Diretor Jurídico do DEJUR do CIESP. Foi coordenador do Grupo de Estudos de Direito Digital da FIESP (2015/2020). Foi convidado e atuou como pesquisador junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2010, para tratar da segurança física e digital de processos findos. Além disso, ocupou o cargo de Diretor Titular do Centro do Comércio da FECOMERCIO (2011-2017) e foi conselheiro do Conselho de Tecnologia da Informação e Comunicação da FECOMERCIO (2006-2010). Desde 2007, é membro do Conselho Superior de Direito da FecomercioSP. Atua como professor de pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie desde 2007, nos cursos de Direito e Tecnologia, tendo lecionado no curso de Direito Digital da Fundação Getúlio Vargas, IMPACTA Tecnologia e no MBA em Direito Eletrônico da EPD. Ainda coordenou e fundou o Programa de Pós-Graduação em Direito Digital e Compliance do Ibmec/Damásio. É Mestre em Direito na Sociedade da Informação pela FMU (2007) e Doutor em Direito pela FADISP (2014). Lecionou na Escola de Magistrados da Justiça Federal da 3ª Região, Academia Nacional de Polícia Federal, Governo do Estado de São Paulo e Congresso Nacional, em eventos em parceria com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, INTERPOL e Conselho da Europa. Como parte de sua atuação internacional, é membro da International High Technology Crime Investigation Association (HTCIA) e integrou o Conselho Científico de Conferências de âmbito mundial (ICCyber), com o apoio e suporte da Diretoria Técnico-Científica do Departamento de Polícia Federal, Federal Bureau of Investigation (FBI/USA), Australian Federal Police (AFP) e Guarda Civil da Espanha. Além disso, foi professor convidado em instituições e empresas de grande porte, como Empresa Brasileira de Aeronáutica (EMBRAER), Banco Santander e Microsoft, bem como palestrou em eventos como Fenalaw/FGV.GRC-Meeting, entre outros. Foi professor colaborador da AMCHAM e SUCESU. Em sua atuação junto ao Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), apresentou uma coletânea de pareceres colaborativos à ação governamental, alcançando resultados significativos com a publicação de Convênios e Atos COTEPE voltados para a segurança e integração nacional do sistema tributário e tecnológico. Também é autor do primeiro Internet-Book da OAB/SP, que aborda temas de tributação, direito eletrônico e sociedade da informação, e é colunista em Direito Digital, Inovação e Proteção de Dados do Portal Migalhas, entre outros. Em sua atuação prática, destaca-se nas áreas do Direito Digital, Inovação, Proteção de Dados, Tributário e Empresarial, com experiência jurídica desde 1988.

Leila Chevtchuk, eleita por aclamação pelos ministros do TST integrou o Conselho Consultivo da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho – ENAMAT. Em 2019 realizou visita técnico científica a INTERPOL em Lyon na França e EUROPOL em 2020 em Haia na Holanda. Desembargadora, desde 2010, foi Diretora da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª região. Pela USP é especialista em transtornos mentais relacionados ao trabalho e em psicologia da saúde ocupacional. Formada em Direito pela USP. Pós-graduada pela Universidade de Lisboa, na área de Direito do Trabalho. Mestre em Relações do Trabalho pela PUC e doutorado na Universidade Autôno de Lisboa.