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A fronteira entre Inteligência Artificial, Direitos Autorais, Direitos da Personalidade e publicidade: Uma análise jurídica do caso Elis Regina e outros casos relacionados

A crescente intersecção entre avanço tecnológico e direitos da personalidade tem despertado uma série de questões éticas e jurídicas.

14/7/2023

Inovação, cultura e aprendizado

Ao escrever este texto me lembrei do clássico Mágico de Oz (1939), estrelado por Judy Garland, além de levar duas estatuetas, é uma grande parábola sobre liderança trazendo um exemplo perfeito e profundo sobre as três qualidades dos líderes do futuro: coragem, empatia e criatividade!

A crescente intersecção entre avanço tecnológico e direitos da personalidade tem despertado uma série de questões éticas e jurídicas. Uma situação recente que evidencia este cenário é o caso envolvendo a cantora Elis Regina em uma campanha publicitária da Volkswagen, que levanta questionamentos sobre o uso da imagem de personalidades já falecidas.

O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), responsável por regular as atividades publicitárias no Brasil, iniciou uma investigação ética sobre a campanha, que utilizou a tecnologia de inteligência artificial para reviver digitalmente Elis Regina. O foco é averiguar a ética na recriação da imagem de uma personalidade falecida e se os herdeiros detêm o direito de autorizar tal prática.

O Conar examinará o caso de acordo com as diretrizes do código publicitário brasileiro, que enfatiza os princípios de "respeitabilidade" e "veracidade". Além disso, avaliará se a campanha deveria ter comunicado aos espectadores sobre o uso da inteligência artificial, já que isso pode ter levado alguns a confundir a ficção com a realidade.

O caso traz à tona uma discussão mais ampla sobre a "ressurreição digital" de personalidades falecidas, prática que tem se tornado cada vez mais comum. Outros casos notáveis incluem a aparição holográfica de Tupac Shakur no Coachella 2012, a planejada turnê holográfica de Amy Winehouse, e a recriação digital de James Dean para o filme "Finding Jack". Todos esses eventos geraram questionamentos sobre direitos de imagem, direitos autorais e questões éticas.

O escritório de Direitos Autorais dos Estados Unidos (USCO) decidiu que as imagens criadas por Inteligência Artificial (IA) não podem ser protegidas por direitos autorais, pois a criatividade na criação de uma obra é fundamental para a sua proteção. A IA é vista como o executor de instruções, e não como a criadora dos elementos chave da imagem.

Porém, a questão do comando humano, o "prompt" fornecido à IA, permanece em discussão. A natureza criativa dos prompts pode ser um argumento para reivindicar alguma forma de proteção de direitos autorais. Assim como um diretor de filme orienta os atores e a equipe para concretizar sua visão, o usuário da IA molda a criação final por meio de sua instrução original. Portanto, o usuário que fornece o comando à IA pode possuir um papel criativo que merece reconhecimento e possível proteção pelos direitos autorais.

A análise dessas questões é de extrema importância, pois as implicações legais e éticas do uso da IA para recriar imagens de personalidades falecidas podem ser profundas. A decisão do Conar no caso Elis Regina deve trazer importantes reflexões para futuras situações envolvendo direitos da personalidade, inteligência artificial e publicidade, especialmente no contexto brasileiro.

Com a evolução tecnológica, as fronteiras entre o mundo real e o virtual estão cada vez mais difusas. Esse cenário tem suscitado uma série de questionamentos legais e éticos, principalmente no que se refere aos direitos da personalidade. Uma situação emblemática é o recente uso da imagem da cantora Elis Regina em uma campanha publicitária da Volkswagen. 

Os artigos 11 e 12 do Código Civil Brasileiro são fundamentais para a análise deste caso. O artigo 11 estabelece que os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, exceto em casos previstos em lei, e que seu exercício não pode sofrer restrição voluntária. Isso sugere que o uso da imagem e da personalidade de Elis Regina poderia ser considerado uma infração aos direitos da personalidade, mesmo com a autorização de seus herdeiros. 

Por outro lado, o artigo 12 prevê a possibilidade de se requerer o término de uma ameaça ou lesão a direito da personalidade, além de solicitar indenização por perdas e danos. Este artigo estende sua proteção aos casos que envolvem pessoas já falecidas, dando legitimidade para pedir essa medida ao cônjuge sobrevivente ou a qualquer parente em linha reta ou colateral até o quarto grau. Assim, a família de Elis Regina poderia pleitear perdas e danos pelo uso não autorizado de sua imagem. 

No entanto, a questão torna-se mais complexa pelo fato de a campanha ter sido criada com o uso de Inteligência Artificial (IA). Esta tecnologia levanta questionamentos sobre se a imagem criada pela IA é uma representação real de Elis Regina ou uma criação completamente nova. Além disso, é preciso considerar se o público foi devidamente informado de que a imagem de Elis Regina foi recriada por IA, evitando possíveis enganos. 

A discussão ganha ainda mais relevância quando consideramos outros casos notórios de "ressurreição digital" ao redor do mundo. O ator Peter Cushing, por exemplo, teve sua imagem póstuma inserida no último filme da franquia "Star Wars", desencadeando um amplo debate sobre a utilização comercial de imagens de personalidades já falecidas. 

Esses são apenas alguns dos aspectos jurídicos relevantes nessa discussão. O julgamento do caso Elis Regina pelo Conar deve trazer importantes reflexões para futuras situações envolvendo direitos da personalidade, inteligência artificial e publicidade, especialmente no contexto brasileiro. Independentemente do veredito, o caso servirá como um importante precedente para debates futuros sobre a intersecção dessas áreas. 

A ressurreição digital, ou a recriação de uma personalidade ou figura famosa através de tecnologias digitais, é um assunto que está cada vez mais presente nas discussões sobre direitos autorais, direitos da personalidade, concessões e contratos publicitários.  

1. Tupac Shakur no Coachella 2012: A aparição holográfica do falecido rapper Tupac Shakur no Coachella 2012, morto em 1996, chamou a atenção do mundo para o potencial da ressurreição digital. Embora essa performance específica fosse legal, pois contava com a aprovação dos detentores dos direitos de Tupac, levantou questões sobre o uso da imagem e da semelhança de uma pessoa sem o seu consentimento explícito. Ninguém duvida de que não se tratava de algum tipo de sósia do músico no palco do festival Coachella, mas muitas pessoas ainda não acreditam que a tecnologia esteja tão avançada a ponto de produzir imagens tão perfeitas.

Como demonstrou o Wall Street Journal em 2012, o estratagema tecnológico não é assim tão complicado. O que foi mostrado no show não eram imagens de arquivo, mas uma imagem sintética criada em computador e projetada com o auxílio da reflexão. Como disse no preambulo, ao escrever este texto me lembrei do clássico Mágico de Oz (1939), estrelado por Judy Garland, além de levar duas estatuetas, é uma grande parábola sobre liderança trazendo um exemplo perfeito e profundo sobre as três qualidades dos líderes do futuro: coragem, empatia e criatividade!

2. Amy Winehouse Hologram Tour (planejada): Em 2018, foi anunciado que a Base Hologram planejava fazer uma turnê mundial com um holograma de Amy Winehouse, com os lucros destinados à Fundação Amy Winehouse. No entanto, em 2019, a empresa suspendeu a turnê citando "desafios únicos e sensíveis" que surgiram. 

3. James Dean no filme "Finding Jack": Em 2019, os produtores do filme "Finding Jack" anunciaram que recriariam digitalmente o falecido ator James Dean para desempenhar um papel principal. Embora tivessem obtido permissão dos herdeiros de Dean, a decisão foi recebida com críticas generalizadas por profissionais da indústria do cinema, pois levantava questões éticas sobre o consentimento póstumo para o uso da imagem de alguém. 

Esses casos ilustram o embate entre os direitos autorais, os direitos de imagem e as questões éticas envolvidas na ressurreição digital. É provável que este assunto continue sendo objeto de debate e litígio conforme a tecnologia avança e as práticas comerciais se adaptam a esses novos potenciais. 

Vis a vis, falando sobre criatividade humana, o escritório de Direitos Autorais dos Estados Unidos (USCO) decidiu que as imagens criadas por Inteligência Artificial (IA) não podem ser protegidas por direitos autorais. Eles argumentam que a criatividade envolvida na criação de um trabalho é fundamental para determinar se ele pode ou não ser protegido por direitos autorais.

 

O USCO compara o processo de uma IA criando uma imagem às instruções que um cliente pode dar a um artista que ele contratou. O cliente pode dizer ao artista o que ele quer no quadro, mas é o artista que decide como representar isso. No caso de uma IA como a DALL-E, a máquina recebe instruções, mas é ela que decide como implementá-las para criar a imagem. 

Por isso, o USCO concluiu que não é o humano que está criando os elementos chave da imagem. Além disso, eles acreditam que como os usuários não têm controle total sobre como a IA interpreta as instruções e cria a imagem, essas imagens geradas por IA não devem ter direitos autorais. Segundo eles, os direitos autorais só devem proteger trabalhos que são produtos da criatividade humana.

“Mutatis mutandis”, embora o Escritório de Direitos Autorais dos Estados Unidos (USCO) tenha declarado que as imagens criadas por Inteligência Artificial (IA) não podem ser protegidas por direitos autorais, a questão do comando humano, ou seja, o "prompt" fornecido para a IA, ainda é um tema em discussão. A natureza criativa dos prompts pode ser um argumento para reivindicar alguma forma de proteção de direitos autorais. 

A criatividade não reside apenas no produto final, mas também no processo de pensamento e planejamento que leva a esse resultado. O usuário que fornece o prompt a uma IA está, de certo modo, desempenhando um papel semelhante ao de um diretor de um filme. Assim como um diretor estabelece a visão para a produção e orienta os atores e a equipe para concretizá-la, o usuário da IA molda a criação final por meio de sua instrução original. A inspiração e a visão original são essenciais para a criação artística, sejam essas criadas por um humano ou geradas através de um comando a uma IA. Portanto, é preciso considerar que o usuário que fornece o comando à IA possui, de fato, um papel criativo, que merece reconhecimento e, possivelmente, proteção pelos direitos autorais.

Nunca a informação e a cultura foram tão acessíveis como agora. Mas o excesso de desinformação cegou tantos incapazes de ver além dos dados. Impõe-se virar o jogo com rapidez e seriedade. Para rever estes desafios precisamos de pensadores e pesquisadores. É preciso encarar a educação pública e privada como a grande causa nacional.

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Colunistas

Coriolano Aurélio de Almeida Camargo Santos é advogado e Presidente da Digital Law Academy. Ph.D., ocupa o cargo de Conselheiro Estadual da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo (OAB/SP), com mandatos entre 2013-2018 e 2022-2024. É membro da Comissão Nacional de Inteligência Artificial do Conselho Federal da OAB. Foi convidado pela Mesa do Congresso Nacional para criar e coordenar a comissão de Juristas que promoveu a audiência pública sobre a criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, realizada em 24 de maio de 2019. Possui destacada carreira acadêmica, tendo atuado como professor convidado da Università Sapienza (Roma), IPBEJA (Portugal), Granada, Navarra e Universidade Complutense de Madrid (Espanha). Foi convidado pelo Supremo Tribunal Federal em duas ocasiões para discutir temas ligados ao Direito e à Tecnologia. Também atua como professor e coordenador do programa de Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) da Escola Superior de Advocacia Nacional do Conselho Federal é o órgão máximo na estrutura da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB). Foi fundador e presidente da Comissão de Direito Digital e Compliance da OAB/SP (2005-2018). Atuou como Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo (2005-2021) e fundou a Comissão do Contencioso Administrativo Tributário da OAB/SP em 2014. Na área de arbitragem, é membro da Câmara Empresarial de Arbitragem da FECOMERCIO, OAB/SP e da Câmara Arbitral Internacional de Paris. Foi membro do Conselho Jurídico da FIESP (2011-2020) e diretor do Departamento Jurídico da mesma entidade (2015-2022). Atualmente desempenha o papel de Diretor Jurídico do DEJUR do CIESP. Foi coordenador do Grupo de Estudos de Direito Digital da FIESP (2015/2020). Foi convidado e atuou como pesquisador junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2010, para tratar da segurança física e digital de processos findos. Além disso, ocupou o cargo de Diretor Titular do Centro do Comércio da FECOMERCIO (2011-2017) e foi conselheiro do Conselho de Tecnologia da Informação e Comunicação da FECOMERCIO (2006-2010). Desde 2007, é membro do Conselho Superior de Direito da FecomercioSP. Atua como professor de pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie desde 2007, nos cursos de Direito e Tecnologia, tendo lecionado no curso de Direito Digital da Fundação Getúlio Vargas, IMPACTA Tecnologia e no MBA em Direito Eletrônico da EPD. Ainda coordenou e fundou o Programa de Pós-Graduação em Direito Digital e Compliance do Ibmec/Damásio. É Mestre em Direito na Sociedade da Informação pela FMU (2007) e Doutor em Direito pela FADISP (2014). Lecionou na Escola de Magistrados da Justiça Federal da 3ª Região, Academia Nacional de Polícia Federal, Governo do Estado de São Paulo e Congresso Nacional, em eventos em parceria com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, INTERPOL e Conselho da Europa. Como parte de sua atuação internacional, é membro da International High Technology Crime Investigation Association (HTCIA) e integrou o Conselho Científico de Conferências de âmbito mundial (ICCyber), com o apoio e suporte da Diretoria Técnico-Científica do Departamento de Polícia Federal, Federal Bureau of Investigation (FBI/USA), Australian Federal Police (AFP) e Guarda Civil da Espanha. Além disso, foi professor convidado em instituições e empresas de grande porte, como Empresa Brasileira de Aeronáutica (EMBRAER), Banco Santander e Microsoft, bem como palestrou em eventos como Fenalaw/FGV.GRC-Meeting, entre outros. Foi professor colaborador da AMCHAM e SUCESU. Em sua atuação junto ao Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), apresentou uma coletânea de pareceres colaborativos à ação governamental, alcançando resultados significativos com a publicação de Convênios e Atos COTEPE voltados para a segurança e integração nacional do sistema tributário e tecnológico. Também é autor do primeiro Internet-Book da OAB/SP, que aborda temas de tributação, direito eletrônico e sociedade da informação, e é colunista em Direito Digital, Inovação e Proteção de Dados do Portal Migalhas, entre outros. Em sua atuação prática, destaca-se nas áreas do Direito Digital, Inovação, Proteção de Dados, Tributário e Empresarial, com experiência jurídica desde 1988.

Leila Chevtchuk, eleita por aclamação pelos ministros do TST integrou o Conselho Consultivo da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho – ENAMAT. Em 2019 realizou visita técnico científica a INTERPOL em Lyon na França e EUROPOL em 2020 em Haia na Holanda. Desembargadora, desde 2010, foi Diretora da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª região. Pela USP é especialista em transtornos mentais relacionados ao trabalho e em psicologia da saúde ocupacional. Formada em Direito pela USP. Pós-graduada pela Universidade de Lisboa, na área de Direito do Trabalho. Mestre em Relações do Trabalho pela PUC e doutorado na Universidade Autôno de Lisboa.