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Inteligência artificial e direitos humanos: Uma possível dignidade da pessoa humana digital?

Inteligência artificial e direitos humanos: Uma possível dignidade da pessoa humana digital?

24/9/2021

Introdução

Atualmente, a sociedade contemporânea experimenta um modelo e padrão de vida que, até pouco tempo, era inimaginável. A constante e acelerada transformação das tecnologias somadas à Internet das Coisas – Internet of Things/IoT – vem proporcionando inovações não somente no campo tecnológico, mas também na esfera da vida dos indivíduos e, com isso, influenciando no Direito. A leitura das normas jurídicas passa por alterações interpretativas com a finalidade de amoldá-las à realidade de uma sociedade movida pela vida real e pela recente vida virtual.

O presente estudo pretende demonstrar sob a ótica da Sensibilidade Humana e Jurídica, a Inteligência Artificial (IA) como um mecanismo tendente a influenciar e impactar no modo de vida humana, criando um novo olhar sob os Direitos Humanos em tempos de predominância das tecnologias. A IA agrupa diversas tecnologias capazes de lerem o ser humano e tomar decisões pautadas em soluções tecnológicas, tendo como uma das bases de sua existência, uma série de modelos de dados e big data. É utilizada para compor os mais diversos trabalhos, e seus algoritmos possuem tendência à violar os preceitos contidos nos Direitos Humanos, afetando os indivíduos enquanto signatários desses direitos.

Para vislumbrar as questões postas, no primeiro capítulo deste trabalho será analisada a Inteligência Artificial, no primeiro momento, sob seu ângulo histórico partindo para uma análise mais condizente com a atualidade, de forma a verificar sua importância e destrinchar o conteúdo que a acerca; no segundo capítulo verificar-se-á a IA aplicada e os reflexos tendentes a afetar os Direitos Humanos e como o próprio Direito pode resolver esse impacto por meio de interpretações das normas já postas; por último será verificada a possibilidade da existência da dignidade da pessoa humana digital, considerando que parte de nós está inserida em ambiente digital e as IAs carregam consigo vários dados pessoais em sua composição capazes de provocar discriminações, exclusões e afetar a dignidade humana, que num primeiro momento, não se encontra fisicamente conectada à pessoa humana, mas interligada a esta diretamente por meio da tecnologia.

 Diante do exposto, o Problema de Pesquisa consiste na seguinte indagação: considerando o cenário atual enfrentado pela predominância das tecnologias, internet e inteligência artificial, é possível vislumbrar uma dignidade direcionada à pessoa digital? A Hipótese Provisória parte da premissa de que para além da dignidade da pessoa humana já prevista em vários documentos internacionais e pátrios, importante analisar que no momento de sua criação não havia o contexto hoje presenciado quanto aos avanços tecnológicos; fazendo-se necessária uma releitura acerca da dignidade humana de forma a abranger a sua essência ao campo da pessoa digital.

O Objetivo Geral deste estudo reside na verificação do atual cenário com vistas às tecnologias desenvolvidas voltadas às questões de IA, e como esse contexto tende a afetar os Direitos Humanos. Os Objetivos Específicos são: a) verificar a IA em seu contexto histórico e conceituação; b) analisar os reflexos da IA nos Direitos Humanos; b) compreender a possibilidade de uma nova visão acerca da dignidade humana voltada ao ser humano digital.

Utiliza-se o Método Dedutivo para a composição textual do presente trabalho com base nas Pesquisas Bibliográficas e Documentais.

A inteligência artificial: conceituação e contexto histórico/evolutivo

No momento presente a Sociedade Global vem experimentando avanços e transformações no campo tecnológico capazes de alterar o modo de vida e de agir da humanidade, cuja percepção se envolta na dependência tecnológica para desempenhar as mais diversas atividades, desde as mais rotineiras até aos negócios mais complexos. A Inteligência Artificial, nesse sentido, tem desenvolvido um papel primordial e colaborativo para concretizar tais avanços. Os algoritmos da IA passaram a incorporar o cotidiano da sociedade, acumulando informações dos indivíduos, passando a conhecê-los em sua essência. Algumas IAs, inclusive, podem determinar as tendências de escolhas e preferências das pessoas com base nos algoritmos e bancos de dados que detém.

Segundo Kai-fu Lee (s/n, 2019) – um dos mais renomados especialistas em Inteligência Artificial e, inclusive, atuou como representante da Google na China – "hoje, algoritmos de IA bem-sucedidos precisam de três coisas: big data, poder de computação e o trabalho de engenheiros de algoritmo de IA bons [...]". O autor também elucida que "aproveitar o poder da IA hoje — a "eletricidade" do século XXI — também exige quatro insumos análogos: dados abundantes, empreendedores famintos, cientistas de IA e um ambiente político favorável a investimentos na área" (LEE, 2019, s/n).

Importante destacar que não há um consenso sobre a definição de IA, e tampouco uma forma única de conceituação (MEDEIROS, 2018, p.19). Mas tem-se a repetição de objetos que caracterizam a IA, como a "capacidade de resolução de problemas, aprendizado com o ambiente, desenvolvimento de estruturas cognitivas, orientação a metas" (MEDEIROS, 2018, p. 19). Russel e Norvig (2013, s/n) definem IA "como o estudo de agentes que recebem percepções do ambiente e executam ações. Cada agente implementa uma função que mapeia sequências de percepções em ações [...]".

Para afirmar que um programa pensa como um ser humano é relevante compreender como pensa um ser humano, de forma a ingressar na mente humana em seus componentes reais, através da introspecção, de experimentos psicológicos e imagens cerebrais (RUSSEL, NORVIG, 2013, s/n). Nesse sentido, é perceptível que o desenvolvimento da IA está voltado para as transformações e evoluções de tecnologias que se encarregam de realizar serviços práticos e repetitivos de forma a aprender e pensar como um ser humano. A ideia de tornar a IA uma aliada às atividades desenvolvidas e realizadas por humanos, para além de ser uma realidade enfrentada, tem se tornado um desafio fincado em várias vertentes. Neste estudo a vertente analisada reside nos Direitos Humanos, mais precisamente voltada à dignidade da pessoa humana.

Muito embora ainda existam divergências e discussões quanto à área de conhecimento que se insere a Inteligência Artificial, a resposta mais aceita, atualmente, é que a IA se caracteriza como uma ciência multidisciplinar, voltada para a Ciência da Computação, haja vista que por meio da computação se implanta a inteligência (FRANCO, 2014, p. 03). No mesmo sentido, para Luger (2013, p. 01) "a inteligência artificial (IA) pode ser definida conto o ramo da ciência da computação que se ocupa da automação do comportamento inteligente".

Sob o viés histórico, "o primeiro trabalho agora reconhecido por tratar da IA foi um modelo de neurônios artificiais elaborado por Warren MacCulloch e Walter Pitts em 1943 que serviu como precursor da abordagem conexionista" (FRANCO, 2014, p. 05). O Teste de Turing também foi um marco consagrado na história da IA, o qual através de um teste hipotético tentou verificar se uma máquina conseguiria se passar por ser humano em uma conversa por escrito. O teste foi realizado pelo matemático Alan Turing, na década 50, conhecido por ser um dos precursores da ciência da computação e da Inteligência Artificial, e escreveu a obra Computing Machinery and Intelligence, publicado em 1950, pela Revista Mind. Assim, tal avaliação se embasa na verificação da capacidade da máquina computacional deter inteligência artificial semelhante à inteligência humana.

A IA é reconhecida, ainda, como uma disciplina recente se comparada com as demais ciências mais antigas, pois as definições de sua estrutura, considerações e métodos ainda não são tão claros, bem como a sua preocupação sempre esteve mais direcionada à ampliação das habilidades da ciência da computação do que com a própria definição de seus limites (LUGER, 2013, p. 02). A mente humana foi o espelho que refletiu a mente computacional no sentido de que a inteligência daquela fosse capaz de ser “transportada” para esta. Nesse sentido, atualmente há o sentimento de temor no que se refere à substituição dos seres humanos pelas inteligências artificiais em vários sentidos, desde o trabalho até as relações afetivas. Aqui, o importante é verificar que as IAs não possuem a Sensibilidade Humana, estando despida de sentimentos nutridos pelo próprio ser humano. Mesmo que tal tecnologia seja capaz de ler, interpretar e processar as emoções experimentadas pelos humanos, não é possível desenvolvê-la como um atributo inerente de sua "essência computacional".

Atualmente há uma divisão nítida entre o mundo físico e o virtual, muito embora ambos estejam intimamente conectados e são considerados interdependentes. Todavia, tal divisão se consiste numa linha tênue entre os benefícios e as adversidades que podem ser produzidas pelos avanços dessas tecnologias que cada vez mais mitigam as fronteiras que separam esses dois mundos. Tais riscos residem, primordialmente, nas evoluções tecnológicas a todo custo sem se pautarem na observância dos Direitos Humanos, extrapolando limites e violando os direitos e valores inerentes ao Homem.

Kai-fu Lee (2019, s/n) dividiu a Inteligência Artificial em quatro ondas. As duas primeiras consistem-se em IA da internet e dos negócios que já se encontram postos em nossa realidade, remodelando a percepção do ambiente digital e financeiro, permitindo a substituição de consultores por algoritmos. Para o autor, a terceira onda – da IA da percepção – cumpre o papel de digitalizar o mundo físico, de forma a reconhecer os rostos, compreender os pedidos e enxergar o mundo ao redor (fato que está ocorrendo e mitigando as fronteiras entre o mundo digital e físico); enquanto a quarta onda, a IA autônoma, será demarcada pelas tecnologias autônomas que tendem a ganhar espaço nas fábricas e serão capazes de transformar tudo (LEE, 2019, s/n).

A influência da inteligência artificial nos direitos humanos

Com o advento das tecnologias, diversos direitos humanos e direitos da personalidade vêm adquirindo novas percepções acerca da atual realidade movimentada pelos algoritmos, dados pessoais e inteligências artificiais com capacidades decisórias e, também, discriminatórias. O fortalecimento desses direitos em tempos digitais vem se consistindo numa necessidade e desafio para a esfera jurídica. Portugal, por exemplo, criou a Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital, a lei 27/2021, de 17 de maio de 2021. Está expressamente previsto no artigo 9º intitulado "uso da inteligência artificial e robôs" que:

1 - A utilização da inteligência artificial deve ser orientada pelo respeito dos direitos fundamentais, garantindo um justo equilíbrio entre os princípios da explicabilidade, da segurança, da transparência e da responsabilidade, que atenda às circunstâncias de cada caso concreto e estabeleça processos destinados a evitar quaisquer preconceitos e formas de discriminação (PORTUGAL, 2021).

O desenvolvimento tecnológico, até certo tempo, podia ter seus efeitos observados a partir do vetor quantitativo, no sentido de viabilizar a extensão de vetores da atuação de atividades para além da probabilidade humana (DONEDA et al., 2018, p. 02). No entanto, atualmente, o advento das tecnologias de IA, “[...] proporcionou efeitos que, muitas vezes, não podem mais ser compreendidos em termos meramente quantitativos, e que implicam uma mudança na subjetividade das relações entre as pessoas e a tecnologia” (DONEDA et al., 2018, p. 02). Para além do quantitativo passou-se a integrar o qualitativo no sentido de que as atividades desempenhadas pelas tecnologias poderiam deter habilidades humanas. Segundo Doneda et al. (2018, p. 02):

Essas novas tecnologias possibilitam a automatização da tomada de decisão em diversas situações complexas, executando tarefas que estávamos habituados a considerar como prerrogativas humanas, derivadas da inteligência - a ponto de que diversas manifestações dessas tecnologias foram denominadas como realizações de uma "inteligência artificial". Assim, os computadores passaram a não ser vistos somente como dispositivos destinados a fazer cálculos, sistematizações ou classificações, porém a deter, em algum grau, algo passível de ser comparado às ações humanas autônomas (DONEDA et al., 2018, p. 02).

As transformações provocadas pelas tecnologias movidas por interesses econômicos e comerciais, cada vez mais "invadem" não somente a rotina, mas ingressam no campo dos direitos humanos e tem provocado uma série de discussões jurídicas. O armazenamento de um considerável aglomerado de informações pessoais nos servidores, somado à rápida velocidade de transmissão e circulação destas, proporcionaram vulnerabilidade do indivíduo em terras das tecnologias, cujo solo é fértil para a produção de avanços tecnológicos e humanos, mas também para a mitigação dos direitos humanos e da personalidade.  

Sobretudo, a efetiva problemática a ser enfrentada reside na necessidade de recontextualizar os Direitos Humanos à luz das evoluções provocadas pelas tecnologias, não os permitindo beirar ao meio termo entre uma visão do mundo analógico e do digital, quando há violações desses direitos fincadas exclusivamente no ciberespaço. O tratamento direcionado a essas situações passam para além da visão interpretativa dos Direitos Humanos escritos antes do advento tecnológico e de informação hoje presenciados, e vão de encontro com a necessidade de criação de normas direcionadas especificamente para as situações que invocam violações aos direitos humanos ocasionados pelas tecnologias. O intuito dessa criação é evitar interpretações dúbias e aplicações equivocadas ou insuficientes para proteger os direitos humanos em sua essência. Como exemplo já supracitado, Portugal aderiu uma lei que protege os direitos humanos na Era Digital1.

Para contextualizar o cenário proposto pelo ambiente digital, apresenta-se como exemplo uma das maiores redes sociais, o Facebook, onde “no empenho de monetizar sua gigantesca base de dados, anuncia que seus algoritmos de IA são capazes de mapear a personalidade dos usuários com 80% de precisão baseados nos click e likes [...]” (KAUFMAN, 2019). Percebe-se, diante disso, que a privacidade ganha novas nuances e compreensões em tempos de tecnologias. Cada vez mais os dados pessoais que são considerados uma extensão de seu titular, vem sendo objeto de dominação, haja vista que, como demonstrado, o mapeamento de personalidade feito por algoritmos de IA vem ocorrendo, e isso pode ocasionar uma invasão ao templo sagrado da existência humana, a privacidade, ferindo outros Direitos Humanos. E, acaso, há de se cogitar uma vida pautada na dignidade da pessoa humana diante da inexistência da privacidade? Kaufman (2019) segue alertando que "de posse desse suposto “conhecimento" sobre seus usuários, a rede social vende aos anunciantes uma potencial comunicação hiper-segmentada/personalizada de seus produtos/serviços". 

É possível a dignidade da pessoa humana digital?

A dignidade da pessoa humana compõe o núcleo axiológico das constituições contemporâneas2, muito embora seja de difícil conceituação. Segundo Sarlet (2011, p. 330) "[...] uma conceituação clara do que efetivamente seja esta dignidade, seja na perspectiva filosófica, seja para efeitos da definição do seu âmbito de proteção como norma jurídica fundamental, se revela no mínimo difícil de ser obtida [...]". Para o autor (SARLET, 2011, p. 330), essa dificuldade emana "[...] da circunstância de que se cuida de conceito de contornos vagos e imprecisos, caracterizado por sua “ambiguidade e porosidade”, assim como por sua natureza necessariamente polissêmica [...]".

O fato é que os direitos fundamentais previstos pelas constituições, para alcançarem a sua devida efetividade, devem ser revestidos pela roupagem da dignidade da pessoa humana. Nesse caso, com o fito de vislumbrar a importância da dignidade humana, comparam-se os direitos fundamentais como um corpo e a dignidade humana, a alma deste corpo. Por sua vez, o corpo sem alma não tem vida. Aqui, a vida é a efetividade desses direitos. E isso é imutável, mesmo o tempo com suas inovações e transformações não possuem o poder de alterar essa essência umbilical da existência humana.

Todavia, a existência humana ultrapassou as barreiras físicas e se transpôs ao virtual, criando uma segunda espécie de existência humana – que advém da criação do Homem – e está intimamente interligada à primeira. Nesse cenário, a dignidade da pessoa humana física passa a emanar a dignidade da pessoa humana digital, devendo ser reconhecida como tal considerando que a natureza de ambas é distinta, muito embora estejam conectadas. Para cada uma há um mundo diverso, conectado e que irradiam efeitos entre si. Reconhecer a dignidade da pessoa humana digital é reforçar a noção de dignidade no mundo digital, amoldando-a a necessidade deste. A dignidade da pessoa humana digital passa a estar voltada ao ser humano em suas relações em âmbito digital, o qual se insere num ambiente onde inexistem pessoas físicas no sentido material, mas se tem uma extensão da personificação das pessoas constituídas pelos seus dados pessoais, interações e informações em redes. Têm-se, então, as pessoas digitais.

É perceptível que há uma significativa distinção entre as vidas real e a virtual, cada qual exige certa dedicação, inclusive impacta nos relacionamentos, consumos e na forma como são obtidas as informações. O ambiente digital proporciona contato instantâneo e facilitado, mas também afasta o contato físico. A privacidade em tempos de internet ganha novas percepções, e a vida digital se torna mais frágil e exposta. Há uma série de ocorrências dentro do ambiente digital capaz de violar uma série de direitos fundamentais que até antes da existência das tecnologias e Internet das Coisas não existia, como os cibercrimes. Neste cenário, a própria dignidade da pessoa humana adquire maior elasticidade e passa da pessoa humana para a pessoa digital. Importante salientar que ambas se complementam, mas não se confundem. Esse raciocínio se dá por meio da lógica de que o humano reside no mundo físico, ao passo que o mundo digital permitiu a interação virtual humana – não o pessoal – onde os atos praticados neste, refletem naquele.

Sob a ótica acima abordada, convém trazer a baila o exemplo das inteligências: a inteligência humana é algo da Natureza humana, a qual compõe a essência do ser humano que é dotado de consciência e sentimentos. Ou seja, nasce com ele. Já a Inteligência Artificial é criação do ser humano e tem como premissa a atuação espelhada na inteligência humana para cumprir certos papeis que lhe é incumbida, conforme a necessidade de sua criação. 

No mundo digital, os algoritmos passam a exercer um papel fundamental no controle das decisões humanas, interferindo, por vezes, no livre desenvolvimento da pessoa natural sob influências algorítmicas. Sob esse viés, com o fito de vislumbrar o atual cenário perpetuado pelas tecnologias, importante trazer a baila a algocracia, que segundo Danaher (s/a, tradução nossa) "[...] eu uso o termo "algocracia" para descrever um tipo particular de sistema de governança, um que é organizado e estruturado com base em algoritmos programados por computador"3. Para o referido autor (DANAHER, s/a, tradução nossa) "[...] o crescimento recente dos sistemas algocráticos pode dizer que levanta duas questões morais e políticas: a preocupação com a ocultação e a preocupação com a opacidade". A primeira se preocupa "[...] com a maneira como os nossos dados são coletados e usados por esses sistemas. As pessoas estão preocupadas que isso seja feito de uma forma velada e oculta, sem o consentimento dos titulares".4 A segunda trata-se de "[...] um preocupação com a base intelectual e racional para esses sistemas algocráticos. Há uma preocupação de que esses sistemas funcionem de maneira inacessível ou opaca para a razão e compreensão humana".5

As preocupações atuais propostas pelas tecnologias e Internet das Coisas têm ultrapassado as fronteiras do mundo físico atingindo o campo virtual. O Direito, por sua vez, se reveste como instrumento para regular as condutas humanas nesse hodierno cenário. Em tempos onde o ser humano vive em dois mundos distintos, porém conexos entre si, incube ao Direito ditar regras que se amoldam a ambos.

A dignidade da pessoa humana deve ser o pilar do ordenamento jurídico e das democracias, inclusive da democracia digital, onde as transformações sociais estão em constante modificação em decorrência das inovações tecnológicas. Os ambientes digitais vislumbram alterações na vida e no comportamento humano. É nesse sentido que a dignidade da pessoa humana deve ser observada, também, sob a ótica da pessoa digital.

Conclusão

Referências bibliográficas

DANAHER, John. The Threat of Algocracy: reality, resistance and accommodation. s/a. Disponível aqui. Acesso em: 25 de jul. de 2021.

DONEDA, Danilo Cesar Maganhoto et al. Considerações iniciais sobre inteligência artificial, ética e autonomia pessoal. Pensar Revista de Ciências Jurídicas. Fortaleza, v. 23, n. 4, p. 1-17, out/dez., 2018. Disponível aqui. Acesso em: 23 de jul. de 2021.

FRANCO, Cristiano Roberto. Inteligência Artificial. Londrina: Editora e Distribuidora Educacional S.A., 2014.

KAUFMAN, Dora. Os algoritmos de inteligência artificial estão afetando nossa capacidade de decisão? Época Negócios. Publicado em: 06 de set. de 2019. Disponível aqui. Acesso em: 25 de jul. de 2021. 

LEE, Kai-fu. Inteligência Artificial: como os robôs estão mundo o mundo, a forma como amamos, nos relacionamentos, trabalhamos e vivemos [recurso eletrônico]. Tradução Marcelo Barbão. 1. ed. Rio de Janeiro: Globo Livros, 2019.

LUGER, George F. Inteligência Artificial. Tradução Daniel Vieira. Revisão Técnica Andréa Iabrudi Tavares. 6. ed. São Paulo: Pearson Education do Brasil, 2013.

MEDEIROS, Luciano Frontino de. Inteligência artificial aplicada: uma abordagem introdutória [livro eletrônico]. 1. ed. Curitiba: InterSaberes, 2018.

PORTUGAL. Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital. Lei n.º 27/2021. Diário da República Eletrónico. Disponível aqui. Acesso em: 23 de jul. de 2021. 

PORTUGAL. República Portuguesa. Direção-Geral da Educação. Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital. Disponível aqui. Acesso em: 25 de jul. de 2021.

RUSSEL, Stuart J.; NORVIG, Peter. Inteligência Artificial [livro eletrônico]. Tradução Regina Célia Simille. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 4. ed., rev. e atual. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2006.

SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade humana (no direito constitucional). Dicionário de princípios jurídicos. Organizadores Ricardo Lobo Torres, Eduardo Takemi Kataoka, Flavio Galdino. Supervisora Silvia Faber Torres. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011.

__________

1 "Foi publicada em Diário da República a lei 27/2021, de 17 de maio, que aprova a Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital. No documento que prevê os direitos, liberdades e garantias dos cidadãos no ciberespaço,  são enunciados vários direitos como o direito: "ao esquecimento"; à proteção contra geolocalização abusiva; ao desenvolvimento de competências digitais ou ainda o direito de reunião, manifestação, associação e participação em ambiente digital.  A lei determina que o Estado deve assegurar o cumprimento, em Portugal, do Plano Europeu de Ação contra a Desinformação para proteger a sociedade contra pessoas que produzam, reproduzam e difundam narrativas desse tipo. Está previsto que todo o cidadão tem o direito a apresentar queixas à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) em casos de desinformação. O documento determina, ainda, o "direito ao esquecimento", ou seja, todos têm o direito ao apagamento de dados pessoais que lhes digam respeito, nos termos da lei europeia e nacional, podendo, para tal, solicitar o apoio do Estado". PORTUGAL. República Portuguesa. Direção-Geral da Educação. Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital. Disponível aqui. Acesso em: 25 de jul. de 2021.

2 "Por sua vez, passando a centrar a nossa atenção na dignidade da pessoa humana, desde logo que há de se destacar que a íntima e, por assim dizer, indissociável – embora altamente complexa diversificada – vinculação entre a dignidade da pessoa humana e os direitos fundamentais já constitui, por certo, um dos postulados nos quais se assenta o direito constitucional contemporâneo". SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na Constituição Federal de 1988. 4. ed., rev. e atual. Porto Alegre: Editora Livraria do Advogado, 2006, p. 25-26.

3 "I use the term 'algocracy' to describe a particular kind of governance system, one which is organised and structured on the basis of computer-programmed algorithms". DANAHER, John. The Threat of Algocracy: reality, resistance and accommodation. s/a. Disponível aqui. Acesso em: 25 de jul. de 2021.

4 "Hiddenness Concern: This is the concern about the manner in which our data is collected and used by these systems. People are concerned that this is done in a covert and hidden manner, without the consent of those whose data it is". DANAHER, John. The Threat of Algocracy: reality, resistance and accommodation. s/a. Disponível aqui. Acesso em: 25 de jul. de 2021.

5 "Opacity Concern: This is a concern about the intellectual and rational basis for these algocratic systems. There is a worry that these systems work in ways that are inaccessible or opaque to human reason and understanding". DANAHER, John. The Threat of Algocracy: reality, resistance and accommodation. s/a. Disponível aqui. Acesso em: 25 de jul. de 2021. 

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Colunistas

Coriolano Aurélio de Almeida Camargo Santos é advogado e Presidente da Digital Law Academy. Ph.D., ocupa o cargo de Conselheiro Estadual da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo (OAB/SP), com mandatos entre 2013-2018 e 2022-2024. É membro da Comissão Nacional de Inteligência Artificial do Conselho Federal da OAB. Foi convidado pela Mesa do Congresso Nacional para criar e coordenar a comissão de Juristas que promoveu a audiência pública sobre a criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, realizada em 24 de maio de 2019. Possui destacada carreira acadêmica, tendo atuado como professor convidado da Università Sapienza (Roma), IPBEJA (Portugal), Granada, Navarra e Universidade Complutense de Madrid (Espanha). Foi convidado pelo Supremo Tribunal Federal em duas ocasiões para discutir temas ligados ao Direito e à Tecnologia. Também atua como professor e coordenador do programa de Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) da Escola Superior de Advocacia Nacional do Conselho Federal é o órgão máximo na estrutura da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB). Foi fundador e presidente da Comissão de Direito Digital e Compliance da OAB/SP (2005-2018). Atuou como Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo (2005-2021) e fundou a Comissão do Contencioso Administrativo Tributário da OAB/SP em 2014. Na área de arbitragem, é membro da Câmara Empresarial de Arbitragem da FECOMERCIO, OAB/SP e da Câmara Arbitral Internacional de Paris. Foi membro do Conselho Jurídico da FIESP (2011-2020) e diretor do Departamento Jurídico da mesma entidade (2015-2022). Atualmente desempenha o papel de Diretor Jurídico do DEJUR do CIESP. Foi coordenador do Grupo de Estudos de Direito Digital da FIESP (2015/2020). Foi convidado e atuou como pesquisador junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2010, para tratar da segurança física e digital de processos findos. Além disso, ocupou o cargo de Diretor Titular do Centro do Comércio da FECOMERCIO (2011-2017) e foi conselheiro do Conselho de Tecnologia da Informação e Comunicação da FECOMERCIO (2006-2010). Desde 2007, é membro do Conselho Superior de Direito da FecomercioSP. Atua como professor de pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie desde 2007, nos cursos de Direito e Tecnologia, tendo lecionado no curso de Direito Digital da Fundação Getúlio Vargas, IMPACTA Tecnologia e no MBA em Direito Eletrônico da EPD. Ainda coordenou e fundou o Programa de Pós-Graduação em Direito Digital e Compliance do Ibmec/Damásio. É Mestre em Direito na Sociedade da Informação pela FMU (2007) e Doutor em Direito pela FADISP (2014). Lecionou na Escola de Magistrados da Justiça Federal da 3ª Região, Academia Nacional de Polícia Federal, Governo do Estado de São Paulo e Congresso Nacional, em eventos em parceria com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, INTERPOL e Conselho da Europa. Como parte de sua atuação internacional, é membro da International High Technology Crime Investigation Association (HTCIA) e integrou o Conselho Científico de Conferências de âmbito mundial (ICCyber), com o apoio e suporte da Diretoria Técnico-Científica do Departamento de Polícia Federal, Federal Bureau of Investigation (FBI/USA), Australian Federal Police (AFP) e Guarda Civil da Espanha. Além disso, foi professor convidado em instituições e empresas de grande porte, como Empresa Brasileira de Aeronáutica (EMBRAER), Banco Santander e Microsoft, bem como palestrou em eventos como Fenalaw/FGV.GRC-Meeting, entre outros. Foi professor colaborador da AMCHAM e SUCESU. Em sua atuação junto ao Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), apresentou uma coletânea de pareceres colaborativos à ação governamental, alcançando resultados significativos com a publicação de Convênios e Atos COTEPE voltados para a segurança e integração nacional do sistema tributário e tecnológico. Também é autor do primeiro Internet-Book da OAB/SP, que aborda temas de tributação, direito eletrônico e sociedade da informação, e é colunista em Direito Digital, Inovação e Proteção de Dados do Portal Migalhas, entre outros. Em sua atuação prática, destaca-se nas áreas do Direito Digital, Inovação, Proteção de Dados, Tributário e Empresarial, com experiência jurídica desde 1988.

Leila Chevtchuk, eleita por aclamação pelos ministros do TST integrou o Conselho Consultivo da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho – ENAMAT. Em 2019 realizou visita técnico científica a INTERPOL em Lyon na França e EUROPOL em 2020 em Haia na Holanda. Desembargadora, desde 2010, foi Diretora da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª região. Pela USP é especialista em transtornos mentais relacionados ao trabalho e em psicologia da saúde ocupacional. Formada em Direito pela USP. Pós-graduada pela Universidade de Lisboa, na área de Direito do Trabalho. Mestre em Relações do Trabalho pela PUC e doutorado na Universidade Autôno de Lisboa.