Embora os últimos índices apontem diminuição das taxas de crescimento populacional em termos mundiais, é inegável que já termos alcançado sete bilhões e meio de pessoas é algo bastante significativo1. Aliás, discute-se quantas pessoas poderia a Terra suportar e, apesar de alguns dizerem que há recursos suficientes para atender a todos, estes recursos podem não suportar a cobiça humana2. Como exemplo, para que se tenha noção do quanto crescemos em termos populacionais, há duzentos anos apenas três cidades tinham mais de um milhão de habitantes (Londres, Tóquio e Pequim), hoje só no Brasil há praticamente duas dezenas de cidades com mais habitantes e, São Paulo, a maior cidade do país, tem praticamente doze milhões3. Aglomerações como estas naturalmente enfrentam problemas das mais variadas ordens, como trânsito caótico, altos índices de poluição e de violência, falta de moradia e precário acesso a saúde.
Um dos principais problemas das cidades "tradicionais" é que o crescimento e gestão advieram de modelos e fórmulas derivados da revolução industrial, com grande consumo de energia e com ações não sustentáveis sob qualquer ponto de vista. Por tais razões surgiu o conceito de cidades inteligentes, também conhecidas como smart cities.
O conceito de cidades inteligentes é relativamente simples: elas utilizam tecnologia para melhorar a infraestrutura urbana e tornar os centros urbanos mais eficientes e melhores para se viver. Ao utilizar informações e tecnologia de comunicação, auxiliam no uso racional de recursos, resultando em menores custos energéticos, melhores serviços e, consequentemente, melhor qualidade de vida.
O conceito de cidades inteligentes ganhou mais notoriedade após a construção de Songdo, na Coreia do Sul e Masdar, uma espécie de distrito em Dubai, nos Emirados Árabes. Tais cidades foram construídas "do zero" com o intuito de serem efetivamente inteligentes. É bem verdade que Masdar, por exemplo, é ainda muito pequena e não está funcionando com sua capacidade total, mas não deixa de ser um projeto importante que já se desenhou, ainda que os reais interesse deste desenvolvimento possam se remeter ao fim do petróleo. É que ainda que haja estoques por uma centena de anos, os Emirados Árabes já estão considerando alternativas para quando não puderem viver a pujança dos petrodólares.
Pensando-se em iniciativas públicas, a União Europeia parece ter sido a pioneira ao lançar o projeto de European Smart Cities, um programa de incentivo para que algumas cidades se tornassem mais inteligentes. O projeto começou com cidades médias (entre cem e quinhentas mil pessoas) e hoje já tem outras versões. Para as cidades médias está na versão 3.0, mas atualmente há uma versão 4.0 para cidades maiores. O projeto entende que as cidades inteligentes se desenvolvem em seis pontos: economia, mobilidade, meio ambiente, governança, pessoas e convivência. É, sem dúvida, um projeto inovador, embora outras cidades tenham lançado projetos próprios, como Barcelona, que criou o Distrito 22 para modernizar o bairro de Poblenou.
Visto isso, é importante considerar que a tecnologia será (e tem sido) parte importante da modernização das cidades, mas sua simples utilização não fará uma cidade "tradicional" se transformar em "inteligente". É preciso muito mais do que isso, como gestão integrada, edifícios que se adaptam às mudanças climáticas, gestão eficiente de recursos hídricos, segurança da informação, infraestrutura inteligentes etc. Parece muito claro que as cidades que serão adjetivadas como inteligentes adotarão alternativas mais que tecnológicas para a solução dos problemas que tanto afligem as metrópoles.
No Brasil, onde o Poder Público negligencia suas obrigações desde sempre, a ideia de cidade inteligente parece fazer ainda mais sentido. Por outro lado, surgem preocupações bastante razoáveis e concretas sobre como a tecnologia poderia reforçar desigualdades já expostas e, ainda, dos cidadãos serem ainda mais monitorados em evidente violação da sua intimidade.
Apesar disso, já temos alguns projetos em andamento, como por exemplo, em Porto Alegre. Lá o município recebeu investimento da IBM para criar um sistema que embasará decisões sobre obras a serem realizadas pelo Orçamento Participativo, além da instalação de pontos de luz automatizados que reduzem a luminosidade quando não há pessoas na rua. Em Barueri/SP a Eletropaulo está instalando medidores inteligentes de energia de modo que poderão os consumidores acompanhar diariamente seus gastos. Algo parecido se fez em Búzios, com o diferencial de que moradores poderão produzir energia com placas solares e injeta-la na rede, ganhando créditos para consumo elétrico.
Já há até uma classificação de cidades inteligentes no país. No ranking geral Connected Smart Cities de 2015 Rio de Janeiro ficou em primeiro lugar, seguida por São Paulo e Belo Horizonte. Mas entre as cidades com população de cem a quinhentas mil pessoas, a primeira colocada é São Caetano do Sul/SP e, entre cidades com até cem mil habitantes, a primeira é Nova Lima/MG.
Concluindo, parece-nos que será imprescindível que, ao lado das inovações tecnológicas que modernizarão a convivência em sociedade nas metrópoles, que estejam cidadãos igualmente mais inteligentes e engajados com tais novidades. E, além disso, que não se imponha um modelo de inteligência quase hierárquico, sendo imperioso que a "inteligência" seja ramificada entre os cidadãos, até porque parte deste hub já está nas mãos de todos nós: nossos gadgets, smartphones e tablets. Susan Crawford no livro The responsive city delineia que o futuro está nas cidades que partilham seus rumos permanentemente com os cidadãos4. Seria um aprimoramento da democracia. Resta a pergunta: haverá organização social, política e tecnológica para avançarmos em busca de cidades inteligentes? Esperamos que isso seja possível no Brasil com maior brevidade.
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2 BBC.
3 Cidades mais populosas do mundo.
4 Neste sentido: LEMOS; Ronaldo. 'Inteligência' de 'smart cities' precisa se distribuir entre seus cidadãos.