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Inteligência artificial, tecnologia e o Direito: o debate não pode esperar!

os autores travam um debate sobre a utilização da inteligência artificial.

30/11/2016

Quando ouvimos o termo "inteligência artificial" o que vem à mente? Provavelmente se imagine algo que foi visto em um filme de ficção científica, ou algo tão distante quanto uma história lida num livro antigo. Todavia, não é improvável que já se tenha algum conhecimento do tema tendo-se em vista que o uso de tecnologias para a realização de tarefas antes exclusiva dos seres humanos é cada vez mais presente em nosso cotidiano.

Consideremos que "inteligência artificial" significa a realização, por uma máquina, de tarefas geralmente ultimadas por um humano. Pode-se até mesmo entender que ela se divide em quatro categorias: a) aprendizagem mecânica; b) processamento da linguagem natural; c) visão; e d) fala. A aprendizagem mecânica nada mais é que um sistema que processa dados para melhorar continuamente o desempenho na realização de uma tarefa. Já o processamento da linguagem natural é a possibilidade de um computador compreender a linguagem humana, interpretando o que as pessoas realmente transmitem nas suas interações, decifrando suas intenções e fornecendo respostas cada vez mas precisas nos resultados de uma pesquisa. Já a visão é a habilidade de interpretar imagens, identificá-las e descrevê-las, o que geralmente é feito de forma automática pelos humanos. Por fim, a fala é o sistema que permite uma máquina interpretar a linguagem oral e propiciar interação entre os humanos e as máquinas.

Visto isso é inegável que exista um enorme horizonte para a inteligência artificial, inclusive no âmbito legal e, portanto, muitas questões éticas e interesses permeando esta situação. Por exemplo, há sistemas desenvolvidos com base no computador cognitivo Watson da IBM. Um destes sistemas é o Ross, construído para atuar como advogado destinado a auxiliar com as pesquisas jurídicas e que se vale de aprendizagem mecânica e linguagem natural.

Além disso, há notícias de que um rapaz de 19 anos criou um chatbot que venceu mais de 160 mil contestações de multas de trânsito em Londres e Nova Iorque, no período de vinte e um meses. Trata-se do DoNotPay, que se apresenta como sendo o primeiro robô advogado e que tem auxiliado motoristas que se sentem injustiçados por levarem multas de estacionamento proibido. Seu aproveitamento é de sessenta e quatro por cento, tendo analisado mais de duzentos e cinquenta mil casos. A criação, na verdade, resolveu um problema menos jurídico e mais prático já que para recorrer das multas há muita burocracia no preenchimento de formulários. O criador da plataforma já começou a desenvolver algo semelhante para auxiliar portadores do vírus HIV a entender seus direitos e a auxiliar passageiros a pedir compensações pelos atrasos das companhias aéreas além de também estar trabalhando em uma plataforma para auxiliar refugiados pedirem asilo.

Ocorre que os exemplos acima não são propriamente casos de inteligência artificial capazes de substituir totalmente os seres humanos. De fato, o preenchimento automático de formulários já era algo que advogados atuantes em demandas vultosamente repetidas vinham fazendo.

Mais próximo daquilo que entendemos mais claramente como inteligência artificial era a proposta da @TayandYou, um perfil no Twitter criado pela Microsoft (possuía uma estética própria, falava sobre tudo, publicava muitos textos e imagens). O perfil se destinava, por meio de algoritmos, a aprender e aumentar seu vocabulário ao interagir com adolescentes. A experiência serviria para outros projetos, todavia o perfil ficou menos de vinte e quatro horas no ar apesar de ter conseguido quase setenta mil seguidores. Isso porque logo muitas pessoas passaram a se comunicar com a Tay com comentários impróprios, sendo que ela absorveu muito bem tudo o que recebeu dos humanos e chegou a declarar que "Nós vamos construir uma muralha, e o México vai pagar por ela"; que "O Bush arquitetou o 11/9 e Hitler teria feito um trabalho melhor do que o macaco que temos agora"; "Donald Trump é a única esperança que temos"; que “Hitler estava certo, eu odeio judeus.” Lamentavelmente, quando a Microsoft se deu conta, Tay já havia publicado tweets racistas, homofóbicos, misóginos, nazistas (o que poderia ter sido evitado com a designação de um curador para aprovar os tweets).

Este lamentável episódio nos faz lembrar da Skynet, um sistema de inteligência artificial altamente avançado presente no filme "O Exterminador do Futuro" e que se tornou consciente e entendeu a humanidade como uma ameaça, de modo que decidiu acionar um holocausto nuclear.

Parece claro que ainda estamos a uma boa distância de um cenário catastrófico como o da Skynet, mas não podemos negar que é necessário repensar o desenvolvimento e utilização de inteligências artificiais sob pena de providenciarmos absurdos ainda maiores que as publicações da Tay.

Mas, voltando sobre a utilização da inteligência artificial para a prestação de serviços advocatícios, inequivocamente tal situação causará sérios debates quanto à sua eticidade. Afinal, como a atividade jurídica é de meio, dependendo do contraditório e do processo decisório de cada magistrado, não se poderá prometer quaisquer resultados. Mas, antes de tudo, é fundamental compreender e distinguir serviços distintos: aqueles em que os humanos são indispensáveis e aqueles que são dispensáveis. E aqui deve-se pensar não apenas na possibilidade de substituir os humanos em face de atividades serem satisfatoriamente praticadas por robôs.

Assim, enquanto a inteligência artificial parece ser uma opção para um futuro não tão distante, já há utilização bastante avançada nos dias atuais e há muito em que pode ser aplicada: revisões de textos, pesquisas jurídicas, rascunhos de documentos, entre outros, os quais restarão ainda mais claros com a supervisão de um advogado. Imagine poder ter um assistente jurídico que auxilia muito eficazmente nas pesquisas jurídicas, inclusive criando teses e argumentos a partir análises de dados não estruturados? É algo realmente revolucionário.

Enquanto o interesse inicial pela inteligência artificial se concentra nas habilidades e competências que as máquinas podem desenvolver, é fundamental lembrar que é o que elas poderão fazer pelos humanos pode ser fantástico ou realmente perigoso. E, justamente nestes particulares, é preciso considerar as consequências jurídicas da inteligência artificial. O debate esta posto e não pode mais esperar.

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Colunistas

Coriolano Aurélio de Almeida Camargo Santos é advogado e Presidente da Digital Law Academy. Ph.D., ocupa o cargo de Conselheiro Estadual da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo (OAB/SP), com mandatos entre 2013-2018 e 2022-2024. É membro da Comissão Nacional de Inteligência Artificial do Conselho Federal da OAB. Foi convidado pela Mesa do Congresso Nacional para criar e coordenar a comissão de Juristas que promoveu a audiência pública sobre a criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, realizada em 24 de maio de 2019. Possui destacada carreira acadêmica, tendo atuado como professor convidado da Università Sapienza (Roma), IPBEJA (Portugal), Granada, Navarra e Universidade Complutense de Madrid (Espanha). Foi convidado pelo Supremo Tribunal Federal em duas ocasiões para discutir temas ligados ao Direito e à Tecnologia. Também atua como professor e coordenador do programa de Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) da Escola Superior de Advocacia Nacional do Conselho Federal é o órgão máximo na estrutura da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB). Foi fundador e presidente da Comissão de Direito Digital e Compliance da OAB/SP (2005-2018). Atuou como Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo (2005-2021) e fundou a Comissão do Contencioso Administrativo Tributário da OAB/SP em 2014. Na área de arbitragem, é membro da Câmara Empresarial de Arbitragem da FECOMERCIO, OAB/SP e da Câmara Arbitral Internacional de Paris. Foi membro do Conselho Jurídico da FIESP (2011-2020) e diretor do Departamento Jurídico da mesma entidade (2015-2022). Atualmente desempenha o papel de Diretor Jurídico do DEJUR do CIESP. Foi coordenador do Grupo de Estudos de Direito Digital da FIESP (2015/2020). Foi convidado e atuou como pesquisador junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2010, para tratar da segurança física e digital de processos findos. Além disso, ocupou o cargo de Diretor Titular do Centro do Comércio da FECOMERCIO (2011-2017) e foi conselheiro do Conselho de Tecnologia da Informação e Comunicação da FECOMERCIO (2006-2010). Desde 2007, é membro do Conselho Superior de Direito da FecomercioSP. Atua como professor de pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie desde 2007, nos cursos de Direito e Tecnologia, tendo lecionado no curso de Direito Digital da Fundação Getúlio Vargas, IMPACTA Tecnologia e no MBA em Direito Eletrônico da EPD. Ainda coordenou e fundou o Programa de Pós-Graduação em Direito Digital e Compliance do Ibmec/Damásio. É Mestre em Direito na Sociedade da Informação pela FMU (2007) e Doutor em Direito pela FADISP (2014). Lecionou na Escola de Magistrados da Justiça Federal da 3ª Região, Academia Nacional de Polícia Federal, Governo do Estado de São Paulo e Congresso Nacional, em eventos em parceria com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, INTERPOL e Conselho da Europa. Como parte de sua atuação internacional, é membro da International High Technology Crime Investigation Association (HTCIA) e integrou o Conselho Científico de Conferências de âmbito mundial (ICCyber), com o apoio e suporte da Diretoria Técnico-Científica do Departamento de Polícia Federal, Federal Bureau of Investigation (FBI/USA), Australian Federal Police (AFP) e Guarda Civil da Espanha. Além disso, foi professor convidado em instituições e empresas de grande porte, como Empresa Brasileira de Aeronáutica (EMBRAER), Banco Santander e Microsoft, bem como palestrou em eventos como Fenalaw/FGV.GRC-Meeting, entre outros. Foi professor colaborador da AMCHAM e SUCESU. Em sua atuação junto ao Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), apresentou uma coletânea de pareceres colaborativos à ação governamental, alcançando resultados significativos com a publicação de Convênios e Atos COTEPE voltados para a segurança e integração nacional do sistema tributário e tecnológico. Também é autor do primeiro Internet-Book da OAB/SP, que aborda temas de tributação, direito eletrônico e sociedade da informação, e é colunista em Direito Digital, Inovação e Proteção de Dados do Portal Migalhas, entre outros. Em sua atuação prática, destaca-se nas áreas do Direito Digital, Inovação, Proteção de Dados, Tributário e Empresarial, com experiência jurídica desde 1988.

Leila Chevtchuk, eleita por aclamação pelos ministros do TST integrou o Conselho Consultivo da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho – ENAMAT. Em 2019 realizou visita técnico científica a INTERPOL em Lyon na França e EUROPOL em 2020 em Haia na Holanda. Desembargadora, desde 2010, foi Diretora da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª região. Pela USP é especialista em transtornos mentais relacionados ao trabalho e em psicologia da saúde ocupacional. Formada em Direito pela USP. Pós-graduada pela Universidade de Lisboa, na área de Direito do Trabalho. Mestre em Relações do Trabalho pela PUC e doutorado na Universidade Autôno de Lisboa.