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Bullying e cyberbullying na mira da lei

Os colunistas discorrem sobre o cyberbullying e a recente lei 13.185/2015.

13/11/2015

Em inglês bullying é um substantivo derivado do verbo bully, sendo que este, nos termos do Cambridge Advanced Learner's Dictionary, significa "machucar ou ameaçar alguém mais fraco para forçá-lo a fazer algo que não quer". Esta definição, no entanto, parece um tanto limitada já que o bullying pode ser praticado sem que haja a intenção de que a vítima faça, efetivamente, algo. Podemos dizer, então, que o bullying está relacionado a comportamentos agressivos e antissociais, inclusive por meio de agressões físicas, podendo ocorrer mediante violência psicológica, mas de maneira repetitiva e sem causa aparente.

Diz-se que a prática é mais comum no meio ambiente educacional de crianças e adolescentes, mas não se exclui sua ocorrência em outros ambientes.

Quando estes comportamentos intimidatórios ocorrem mediante o uso de aparatos tecnológicos, são denominados de cyberbullying.

Tendo-se em vistas estas breves considerações iniciais, é preciso ressaltar que no último dia 09 de novembro foi publicada a pequena lei 13.185/2015, que tem vacatio legis de noventa dias e apenas oito artigos. A lei institui o Programa de Combate à Intimidação Sistemática, conhecida como "Bullying" e abrange as condutas praticadas no âmbito da internet e com o uso de aparatos tecnológicos.

Muito embora a definição de bullying seja complexa e difícil como vimos acima, a lei assim o descreveu (art. 1º, §1º): "considera-se intimidação sistemática (bullying) todo ato de violência física ou psicológica, intencional e repetitivo que ocorre sem motivação evidente, praticado por indivíduo ou grupo, contra uma ou mais pessoas, com o objetivo de intimidá-la ou agredi-la, causando dor e angústia à vítima, em uma relação de desequilíbrio de poder entre as partes envolvidas."

Verifica-se, de pronto, que a prática definida é a reiterada em razão da utilização da expressão "repetitiva". Ademais, é dolosa na medida em que foi definida como "intencional". Em outras palavras, atos isolados não são considerados bullying. Mas a lei exige, ainda, que a intimidação sistemática ocorra em relação de desequilíbrio de poder entre as partes, o que sugere que uma das partes é mais poderosa, seja porque fisicamente é maior ou mais forte, seja porque há uma quantidade maior de agressores, como um grupo. Resta a dúvida se o desequilíbrio de poder poderia restar configurado apenas em uma perspectiva moral/mental e não física. Parece-nos que sim.

Apesar da lei parecer ter sido redigida para que fosse aplicada a crianças e adolescentes em situações havidas nos estabelecimentos educacionais (art. 5º), não há uma clara restrição que a impeça de ser aplicada a outros atores, inseridos em outros ambientes, tais como adultos em meio ambiente digital, como as redes sociais. Quanto a isto, aliás, há previsão expressa como veremos abaixo.

As definições legais dos atos que configuram a intimidação sistemática são um tanto quanto amplas, de modo que a violência pode ser física ou psicológica, mas não se restringindo a essas hipóteses, incluindo-se aí discriminação e humilhação.

Além da violência física ou psicológica em atos de intimidação, humilhação ou discriminação, também é considerado bullying a prática de ataques físicos, nos termos do art. 2º, (I); insultos pessoais (II); comentários sistemáticos e apelidos pejorativos (III); ameaças por quaisquer meios (IV); grafites depreciativos (V); expressões preconceituosas (VI); isolamento social consciente e premeditado (VII); e pilhérias (VIII).

O parágrafo único do art. 2º ainda determina que "há intimidação sistemática na rede mundial de computadores (cyberbullying), quando se usarem os instrumentos que lhe são próprios para depreciar, incitar a violência, adulterar fotos e dados pessoais com o intuito de criar meios de constrangimento psicossocial".

Há, ainda, uma classificação dos atos de intimidação, que restaram considerados como: a) verbais; b) morais; c) sexuais; d) sociais; e) psicológicos; f) físicos; g) materiais; h) virtuais.

No que diz respeito à responsabilização a lei praticamente não trouxe inovações já que se ateve não incentivar a punição dos ofensores apesar de determinar que "é dever do estabelecimento de ensino, dos clubes e das agremiações recreativas assegurar medidas de conscientização, prevenção, diagnose e combate à violência e à intimidação sistemática". Essas medidas deverão ser perseguidas por meio dos objetivos previstos no art. 4º, isto é, as condutas de: (I) prevenir e combater a prática da intimidação sistemática (bullying) em toda a sociedade; (II) capacitar docentes e equipes pedagógicas para a implementação das ações de discussão, prevenção, orientação e solução do problema; (III) implementar e disseminar campanhas de educação, conscientização e informação; (IV) instituir práticas de conduta e orientação de pais, familiares e responsáveis diante da identificação de vítimas e agressores; (V) dar assistência psicológica, social e jurídica às vítimas e aos agressores; (VI) integrar os meios de comunicação de massa com as escolas e a sociedade, como forma de identificação e conscientização do problema e forma de preveni-lo e combatê-lo; (VII) promover a cidadania, a capacidade empática e o respeito a terceiros, nos marcos de uma cultura de paz e tolerância mútua; (VIII) evitar, tanto quanto possível, a punição dos agressores, privilegiando mecanismos e instrumentos alternativos que promovam a efetiva responsabilização e a mudança de comportamento hostil; (IX) promover medidas de conscientização, prevenção e combate a todos os tipos de violência, com ênfase nas práticas recorrentes de intimidação sistemática (bullying), ou constrangimento físico e psicológico, cometidas por alunos, professores e outros profissionais integrantes de escola e de comunidade escolar.

Por fim, a lei esclarece que "serão produzidos e publicados relatórios bimestrais das ocorrências de intimidação sistemática (bullying) nos Estados e municípios para planejamento das ações". (art. 6º) e que "os entes federados poderão firmar convênios e estabelecer parcerias para a implementação e a correta execução dos objetivos e diretrizes do Programa instituído por esta lei". (art. 7º).

Não há, portanto, muitas medidas práticas, sendo quase todas definições ou normas programáticas, mas fica formalizada a necessidade de se combater o bullying e o cyberbullying, demonstrando que são assunto sério. Fato é que apesar desta lei não trazer medidas concretas de responsabilização, não se pode negar que o sistema jurídico detêm mecanismos penais e civis para tanto, como são os casos dos crimes contra a honra e a previsão de responsabilidade civil, além, evidentemente, das normas contidas no Estatuto da Criança e do Adolescente.

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Colunistas

Coriolano Aurélio de Almeida Camargo Santos é advogado e Presidente da Digital Law Academy. Ph.D., ocupa o cargo de Conselheiro Estadual da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo (OAB/SP), com mandatos entre 2013-2018 e 2022-2024. É membro da Comissão Nacional de Inteligência Artificial do Conselho Federal da OAB. Foi convidado pela Mesa do Congresso Nacional para criar e coordenar a comissão de Juristas que promoveu a audiência pública sobre a criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, realizada em 24 de maio de 2019. Possui destacada carreira acadêmica, tendo atuado como professor convidado da Università Sapienza (Roma), IPBEJA (Portugal), Granada, Navarra e Universidade Complutense de Madrid (Espanha). Foi convidado pelo Supremo Tribunal Federal em duas ocasiões para discutir temas ligados ao Direito e à Tecnologia. Também atua como professor e coordenador do programa de Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) da Escola Superior de Advocacia Nacional do Conselho Federal é o órgão máximo na estrutura da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB). Foi fundador e presidente da Comissão de Direito Digital e Compliance da OAB/SP (2005-2018). Atuou como Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo (2005-2021) e fundou a Comissão do Contencioso Administrativo Tributário da OAB/SP em 2014. Na área de arbitragem, é membro da Câmara Empresarial de Arbitragem da FECOMERCIO, OAB/SP e da Câmara Arbitral Internacional de Paris. Foi membro do Conselho Jurídico da FIESP (2011-2020) e diretor do Departamento Jurídico da mesma entidade (2015-2022). Atualmente desempenha o papel de Diretor Jurídico do DEJUR do CIESP. Foi coordenador do Grupo de Estudos de Direito Digital da FIESP (2015/2020). Foi convidado e atuou como pesquisador junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2010, para tratar da segurança física e digital de processos findos. Além disso, ocupou o cargo de Diretor Titular do Centro do Comércio da FECOMERCIO (2011-2017) e foi conselheiro do Conselho de Tecnologia da Informação e Comunicação da FECOMERCIO (2006-2010). Desde 2007, é membro do Conselho Superior de Direito da FecomercioSP. Atua como professor de pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie desde 2007, nos cursos de Direito e Tecnologia, tendo lecionado no curso de Direito Digital da Fundação Getúlio Vargas, IMPACTA Tecnologia e no MBA em Direito Eletrônico da EPD. Ainda coordenou e fundou o Programa de Pós-Graduação em Direito Digital e Compliance do Ibmec/Damásio. É Mestre em Direito na Sociedade da Informação pela FMU (2007) e Doutor em Direito pela FADISP (2014). Lecionou na Escola de Magistrados da Justiça Federal da 3ª Região, Academia Nacional de Polícia Federal, Governo do Estado de São Paulo e Congresso Nacional, em eventos em parceria com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, INTERPOL e Conselho da Europa. Como parte de sua atuação internacional, é membro da International High Technology Crime Investigation Association (HTCIA) e integrou o Conselho Científico de Conferências de âmbito mundial (ICCyber), com o apoio e suporte da Diretoria Técnico-Científica do Departamento de Polícia Federal, Federal Bureau of Investigation (FBI/USA), Australian Federal Police (AFP) e Guarda Civil da Espanha. Além disso, foi professor convidado em instituições e empresas de grande porte, como Empresa Brasileira de Aeronáutica (EMBRAER), Banco Santander e Microsoft, bem como palestrou em eventos como Fenalaw/FGV.GRC-Meeting, entre outros. Foi professor colaborador da AMCHAM e SUCESU. Em sua atuação junto ao Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), apresentou uma coletânea de pareceres colaborativos à ação governamental, alcançando resultados significativos com a publicação de Convênios e Atos COTEPE voltados para a segurança e integração nacional do sistema tributário e tecnológico. Também é autor do primeiro Internet-Book da OAB/SP, que aborda temas de tributação, direito eletrônico e sociedade da informação, e é colunista em Direito Digital, Inovação e Proteção de Dados do Portal Migalhas, entre outros. Em sua atuação prática, destaca-se nas áreas do Direito Digital, Inovação, Proteção de Dados, Tributário e Empresarial, com experiência jurídica desde 1988.

Leila Chevtchuk, eleita por aclamação pelos ministros do TST integrou o Conselho Consultivo da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho – ENAMAT. Em 2019 realizou visita técnico científica a INTERPOL em Lyon na França e EUROPOL em 2020 em Haia na Holanda. Desembargadora, desde 2010, foi Diretora da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª região. Pela USP é especialista em transtornos mentais relacionados ao trabalho e em psicologia da saúde ocupacional. Formada em Direito pela USP. Pós-graduada pela Universidade de Lisboa, na área de Direito do Trabalho. Mestre em Relações do Trabalho pela PUC e doutorado na Universidade Autôno de Lisboa.