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Uma breve história da internet e do Comitê Gestor da Internet no Brasil

Os colunistas discorrem sobre o surgimento da internet e do Comitê Gestor da Internet no Brasil.

2/10/2015

A exemplo do que ocorreu nos Estados Unidos, a internet no Brasil também surgiu no meio acadêmico, quando na década de 1980 alguns pesquisadores brasileiros começaram a se organizar e interagir com o governo em busca da formação de uma rede que interligasse as universidades. Aliados a representantes da sociedade civil, demonstravam a necessidade de se conectarem por meio do protocolo TCP/IP.

Na prática, no entanto, a internet surgiu quando a Fundação de Pesquisas do Estado de São Paulo (Fapesp) e o Laboratório Nacional de Computação Científica (unidade de pesquisa do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação localizada no Rio de Janeiro) se ligaram a instituições de pesquisa nos Estados Unidos.

Não muito tempo depois o governo criou a Rede Nacional de Pesquisa (RNP), que era ligada ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) com o intuito de disseminar o uso da Internet para fins educacionais e sociais. Foi assim que surgiu o primeiro backbone brasileiro, isto é, a "espinha dorsal" que nada mais é que a rede principal pela qual os dados de todos os clientes da Internet passam.

Embora não haja números seguros, estima-se que haviam aproximadamente quatrocentas instituições interligadas no país em 1995, com um número próximo a cinquenta ou sessenta mil usuários, primordialmente voltados ao meio acadêmico.

Foi somente em 1995 que os ministérios das Comunicações e da Ciência e Tecnologia lançaram o projeto de implantar no país uma rede global abrangendo outros usos que não o acadêmico. Por tal razão a estrutura da Rede Nacional de Pesquisa foi expandida e reconfigurada. O funcionamento da Internet comercialmente considerada foi noticiado na mídia. Naquela época a Empresa Brasileira de Telecomunicações – EMBRATEL ainda era estatal e iniciava testes com a internet.

Nesta mesma época o governo decidiu criar o Comitê Gestor da Internet para que estivesse envolvido diretamente nas decisões referentes à implantação, à administração e ao uso da internet no país. Oficialmente foi em 31 de maio de 1995 que a portaria interministerial 147 criava o Comitê Gestor da Internet no Brasil, o CGI.br.

O CGI.br é uma entidade multissetorial evitando-se que a internet nacional ficar nas mãos apenas do governo, do setor privado ou de pesquisadores. Trata-se de um modelo de governança bastante pesquisado e admirado internacionalmente.

O CGI.br foi pioneiro em modelo de governança da internet, tendo sido criado até mesmo ante da Internet Corporation for Assigned Names and Numbers – Icann, que é uma ONG sem fins lucrativos estabelecida na Califo'rnia "responsável pela alocação do espaço de endereços de Protocolos da Internet (IP), pela atribuição de identificadores de protocolos, pela administração do sistema de domínios de primeiro nível, tanto genéricos (gTLDs) quanto com códigos de países (ccTLDs), e também pelas funções de gerenciamento do sistema de servidores-raiz". Inicialmente estes serviços foram desempenhados pela internet Assigned Numbers Authority – IANA em uma parceria do governo dos Estados Unidos. Agora a ICANN desempenha a função da IANA.

Ao CGI.br cabe estabelecer diretrizes estratégicas relacionadas ao uso e desenvolvimento da internet no Brasil, bem como diretrizes para a execução do registro de Nomes de Domínio, alocação de Endereço IP e a administração do domínio ".br". Além disso, promove estudos faz recomendações para a segurança da Internet, propondo, ainda, programas de pesquisa e desenvolvimento que permitam a manutenção do nível de qualidade técnica e inovação no uso da internet. Veja aqui seu decreto regulamentador.

Uma das principais movimentações do CGI.br quando da sua criação foi entender que era preciso criar uma estrutura para o ".br" ampliando os aconselhamentos, que inicialmente advinham em maior número da área acadêmica. Então se ampliou a multissetoridade. Com isso vieram novas ideias e se pode concluir que os domínios ".br" deveriam ser cobrados vez que, se fosse mantida a gratuidade, seria preciso que a gestão da Internet dependesse de recursos públicos, o que acarretaria a burocracia pública. Por isso decidiu-se que os domínios ".br" seriam cobrados mediante paga anual. O ".br" passou a se autosustentar e ganhou fôlego com o tempo, permitindo que que o CGI.br produzisse cartilhas e pudesse compilar dados e fazer estatísticas.

O CGI tem e teve papel fundamental no sentido de coordenar as ações, gerar conscientização a respeito de problemas e conduzir ações conjuntas de governo, empresas e área acadêmica, o que permitiu, por exemplo, que o Brasil se tornasse um exemplo mundial de combate ao spam, o que se fez mediante decisão técnica de fechar a porta 25. Os governos de outros países teriam dificuldade de providenciar uma solução como esta.

Além disso, o CGI.br teve grande importância para que adviesse o marco civil da internet, que decorreu, inicialmente, do seu decálogo somado ao envolvimento do Ronaldo Lemos e do Ministério da Justiça, que entenderam que era o momento de transformar parte daquilo em uma lei principiológica. O processo de criação do marco civil foi bastante participativo, com discussões públicas e contribuições da sociedade civil.

Mais atualmente o CGI.br emitiu a resolução CGI.br/RES/2015/013 tecendo críticas ao Projeto de lei 215/2015 e seus apensos (PL 1547/2015 e PL 1589/2015), os quais tivemos a oportunidade de comentar em um texto na semana passada. Nesta resolução o CGI.br declara que o projeto em comento subverte "os princípios e conceitos fundamentais da internet, nos termos definidos pelo decálogo do CGI.br e consagrados no marco civil da internet, ao modificar o escopo da lei 12.965/2014 propondo estabelecer práticas que podem ameaçar a liberdade de expressão, a privacidade dos cidadãos e os direitos humanos em nome da vigilância, bem como desequilibrar o papel de todos os atores da sociedade envolvidos no debate, além de, como pretende o PL 1589/2015, alterar redação do artigo 21 da lei 12965/2014 para equivocadamente imputar responsabilidade ao provedor de conexão por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros".

Além de realizar as críticas, o CGI.br também trouxe recomendações.

O Comitê Gestor da Internet no Brasil decide, em relação ao ambiente legal e normativo relativo à internet no Brasil, recomendar que:

"a) Seja pautado pela garantia de proteção aos direitos básicos dos cidadãos tal como expressos na Declaração Universal de Direitos Humanos da ONU, entre eles o direito à privacidade e à liberdade de expressão, cláusulas pétreas na Constituição Federal do Brasil e um dos pilares do Estado Democrático de Direito.

b) Observe e promova o caráter transparente, colaborativo e democrático, com ampla participação de todas as esferas do governo, do setor empresarial, da sociedade civil e da comunidade acadêmica, que pautaram a criação e a adoção da lei 12.965/2014, inclusive por isso transformando-a em paradigma internacional para a regulação da internet.

c) Preserve o espírito da lei 12.965/2014, assegurando os direitos e garantias constitucionais aí inseridas, sobretudo a liberdade da expressão, a inviolabilidade da intimidade e da vida privada, a inviolabilidade e o sigilo do fluxo de suas comunicações pela internet e de suas comunicações armazenadas, salvo por ordem judicial em estrita observância ao devido processo legal nos termos da Constituição Federal, sob o risco de aumentarem as possibilidades de vazamento, abuso e uso político de dados de terceiros.

d) Preserve, principalmente, o equilíbrio, alcançado com a lei 12.965/2014, entre: (i) a liberdade de expressão e a proteção à privacidade e aos dados pessoais; (ii) as atividades relacionadas à persecução criminal e o combate a ilícitos na Internet, bem como a própria dinâmica da internet como espaço de colaboração; (iii) a inimputabilidade dos provedores de conexão por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros; e (iv) a inimputabilidade dos provedores de aplicações por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros, sendo que os provedores de aplicação somente poderão ser responsabilizados civilmente se, após ordem judicial específica, não tomarem as providências no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço, nos termos da seção III, capítulo III, da lei 12.965/2014.

e) Não trate a internet de forma distinta de outros ambientes de interação social, o que poderia gerar redundâncias ou conflitos desnecessários no âmbito do Direito Penal brasileiro e,

f) Leve em conta a natureza internacional e globalmente distribuída da internet e seja, assim, estruturado como parte integrante do ecossistema complexo de governança mundial da rede".

Nota-se, assim, a evidente importância do CGI.br na proteção da boa governança da internet no Brasil.

Eis, portanto, uma breve história da internet e do CGI.br no Brasil.

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Colunistas

Coriolano Aurélio de Almeida Camargo Santos é advogado e Presidente da Digital Law Academy. Ph.D., ocupa o cargo de Conselheiro Estadual da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo (OAB/SP), com mandatos entre 2013-2018 e 2022-2024. É membro da Comissão Nacional de Inteligência Artificial do Conselho Federal da OAB. Foi convidado pela Mesa do Congresso Nacional para criar e coordenar a comissão de Juristas que promoveu a audiência pública sobre a criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, realizada em 24 de maio de 2019. Possui destacada carreira acadêmica, tendo atuado como professor convidado da Università Sapienza (Roma), IPBEJA (Portugal), Granada, Navarra e Universidade Complutense de Madrid (Espanha). Foi convidado pelo Supremo Tribunal Federal em duas ocasiões para discutir temas ligados ao Direito e à Tecnologia. Também atua como professor e coordenador do programa de Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) da Escola Superior de Advocacia Nacional do Conselho Federal é o órgão máximo na estrutura da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB). Foi fundador e presidente da Comissão de Direito Digital e Compliance da OAB/SP (2005-2018). Atuou como Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo (2005-2021) e fundou a Comissão do Contencioso Administrativo Tributário da OAB/SP em 2014. Na área de arbitragem, é membro da Câmara Empresarial de Arbitragem da FECOMERCIO, OAB/SP e da Câmara Arbitral Internacional de Paris. Foi membro do Conselho Jurídico da FIESP (2011-2020) e diretor do Departamento Jurídico da mesma entidade (2015-2022). Atualmente desempenha o papel de Diretor Jurídico do DEJUR do CIESP. Foi coordenador do Grupo de Estudos de Direito Digital da FIESP (2015/2020). Foi convidado e atuou como pesquisador junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2010, para tratar da segurança física e digital de processos findos. Além disso, ocupou o cargo de Diretor Titular do Centro do Comércio da FECOMERCIO (2011-2017) e foi conselheiro do Conselho de Tecnologia da Informação e Comunicação da FECOMERCIO (2006-2010). Desde 2007, é membro do Conselho Superior de Direito da FecomercioSP. Atua como professor de pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie desde 2007, nos cursos de Direito e Tecnologia, tendo lecionado no curso de Direito Digital da Fundação Getúlio Vargas, IMPACTA Tecnologia e no MBA em Direito Eletrônico da EPD. Ainda coordenou e fundou o Programa de Pós-Graduação em Direito Digital e Compliance do Ibmec/Damásio. É Mestre em Direito na Sociedade da Informação pela FMU (2007) e Doutor em Direito pela FADISP (2014). Lecionou na Escola de Magistrados da Justiça Federal da 3ª Região, Academia Nacional de Polícia Federal, Governo do Estado de São Paulo e Congresso Nacional, em eventos em parceria com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, INTERPOL e Conselho da Europa. Como parte de sua atuação internacional, é membro da International High Technology Crime Investigation Association (HTCIA) e integrou o Conselho Científico de Conferências de âmbito mundial (ICCyber), com o apoio e suporte da Diretoria Técnico-Científica do Departamento de Polícia Federal, Federal Bureau of Investigation (FBI/USA), Australian Federal Police (AFP) e Guarda Civil da Espanha. Além disso, foi professor convidado em instituições e empresas de grande porte, como Empresa Brasileira de Aeronáutica (EMBRAER), Banco Santander e Microsoft, bem como palestrou em eventos como Fenalaw/FGV.GRC-Meeting, entre outros. Foi professor colaborador da AMCHAM e SUCESU. Em sua atuação junto ao Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), apresentou uma coletânea de pareceres colaborativos à ação governamental, alcançando resultados significativos com a publicação de Convênios e Atos COTEPE voltados para a segurança e integração nacional do sistema tributário e tecnológico. Também é autor do primeiro Internet-Book da OAB/SP, que aborda temas de tributação, direito eletrônico e sociedade da informação, e é colunista em Direito Digital, Inovação e Proteção de Dados do Portal Migalhas, entre outros. Em sua atuação prática, destaca-se nas áreas do Direito Digital, Inovação, Proteção de Dados, Tributário e Empresarial, com experiência jurídica desde 1988.

Leila Chevtchuk, eleita por aclamação pelos ministros do TST integrou o Conselho Consultivo da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho – ENAMAT. Em 2019 realizou visita técnico científica a INTERPOL em Lyon na França e EUROPOL em 2020 em Haia na Holanda. Desembargadora, desde 2010, foi Diretora da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª região. Pela USP é especialista em transtornos mentais relacionados ao trabalho e em psicologia da saúde ocupacional. Formada em Direito pela USP. Pós-graduada pela Universidade de Lisboa, na área de Direito do Trabalho. Mestre em Relações do Trabalho pela PUC e doutorado na Universidade Autôno de Lisboa.