Direito Digit@l

O caso Uber: necessárias reflexões

Os advogados refletem sobre o aplicativo Uber.

11/9/2015

É indiscutível que a tecnologia sempre esteve e estará a frente da legislação e esta sempre correrá atrás para tentar regulamentar estas inovações. Não há como mudar este cenário.

Desde sempre as inovações tecnológicas sofrem com a oposição de grupos que pretendem manter o estado das coisas, grupos estes receosos de que percam espaço no mercado e que, principalmente, sofram reveses econômicos. E desde sempre as leis vigentes deixaram de abarcar as novas perspectivas trazidas pela inovação (reputamos que isso até mesmo pode auxiliar a manutenção das criações).

No entanto já há pesquisa apta a demonstrar que a tecnologia mais auxiliou a criar empregos que destruí-los. Fala-se que apesar da diminuição de postos de trabalho na agricultura e indústria, que isso foi compensado pelo crescimento nos setores de serviços e tecnologia. Evidentemente, esses dados cruamente considerados não animam aqueles que tem seus postos, de alguma forma, ameaçados. Nem por isso a tecnologia deve ser parcamente adjetivada de vilã.

Corroborando o contexto acima narrado, há embates travados entre novas plataformas de negócios e os defensores do status quo. É o caso do AirBnb (abreviatura de "air, bread and breakfast") que já foi chamado de "camelô da hotelaria", do WhatsApp, cujo presidente da Vivo, Amos Genish, declarou que o aplicativo é "pirataria pura", e ainda, da Uber, que tem sido alvo de críticas, em especial do Vereador Adilson Amadeu, que já afirmou que "o Uber chegou a vários lugares do mundo na contramão das leis. São carros irregulares". E isso apenas para mencionar os embates aqui no pais, já que os aplicativos encontram alguma resistência em outras localidades. Além disso há os “achismos” como o da Presidente Dilma, que já disse que esta "É uma questão complexa... Eu acho que o Uber tira emprego das pessoas."

Note-se que, com isso, não queremos afirmar que sejam aplicativos ou serviços perfeitos, mas igualmente não podemos execrá-los porque são alternativas criativas e úteis. É necessário, portanto, fazer considerações sobre seu status em nosso ordenamento.

Hoje, no entanto, manteremos nossas considerações focadas no aplicativo Uber.

O Uber é uma start up lançada em 2009 nos Estados Unidos e que opera em mais de cinquenta países e mais de trezentos locais, disponibilizando uma plataforma destinada a colocar em contato motoristas particulares e potenciais clientes interessados em se deslocarem pelas cidades de forma mais confortável e segura em serviço com semelhanças aos dos táxis.

Operando desde junho de 2014 no Brasil, inicialmente a Uber disponibilizou seus serviços de modo que os carros cadastrados fossem sedãs pretos, novos (a partir de 2010) considerados "de luxo" e dotados de itens de conforto como bebidas e balas para os passageiros. Além disso, seus motoristas usam roupas sociais e apresentam gentilezas como abrir a porta do carro para as pessoas entrarem este é o Uber Black. Desde junho de 2015, no entanto, passou a operar o Uber X, com carros compactos, que podem ter cores variadas e que sejam modelos desde 2008. No site da empresa ainda há menção ao Uber Taxi, Uber SUV e Uber Lux. Fora do Brasil já se fala em serviços para helicópteros (em Nice para o festival de Cannes), barcos (em Istambul) e serviços de táxi aquático (em Boston).

Seu funcionamento é bastante simples, bastando ter o aplicativo instalado no seu gadget e com uma conta devidamente cadastrada. O serviço de geolocalização indica os carros que se encontram na região e o tempo que levarão até você a partir do seu chamado. O pagamento é feito a partir da conta cadastrada, vinculada a cartões de crédito. Pode-se dividir a conta com outras pessoas já pelo aplicativo, evitando que os passageiros fiquem devendo um para o outro caso dividam a corrida.

A exemplo dos táxis, para a utilização do serviço cobra-se a bandeira, quilometragem e uma taxa por minuto parado. Há, no entanto, uma significativa diferença que é a variação do preço da corrida quando há demanda excessiva em determinada região. Neste caso, os preços são aumentados para que haja um equilíbrio no número de carros e, quando o número fica equilibrado, o preço retorna ao normal.

Trata-se, indiscutivelmente de uma criativa alternativa aos meios tradicionais de locomoção. Há, inclusive, um interessante estudo da Columbia University que sugere que o Uber conseguiria substituir todos os táxis de Nova York com uma frota de 9 mil carros autônomos? e que demandariam aos passageiros que esperassem apenas por 36 segundos para obter um carro (gastando cinquenta centavos de dólar a cada milha). Caminharemos para um modelo em que não teremos mais carros próprios? Veremos... Mas é justamente esse modelo de negócio que tem causado grandes debates, revoltas e indignação, especialmente dos motoristas de táxi. Estes, vêm protestando em todo o mundo contra a Uber, argumentando, dentre outros:

- que este promove a locomoção clandestina de passageiros, por não ter autorização para oferecer serviços de transporte;

- que proporciona meios para o exercício ilegal da profissão pois o motorista privado particular não poderia exercer a profissão de taxista;

- que pratica concorrência desleal, pois pagaria menos impostos que os motoristas de táxi.

Neste contexto, houve episódios de violência e agressão a motoristas e usuários da Uber. Em um dos casos (ocorrido no bairro do Itaim em São Paulo) o motorista foi perseguido, obrigado a entrar em um veículo onde foi ameaçado com arma de fogo e agredido com um soco, além de ter o carro avariado. Em Belo Horizonte também houve incidentes, bem como em Brasília. Os episódios não se limitam a estes, retro citados. Mas, sem dúvida, são lamentáveis demonstrações de selvageria realizadas, por uma parcela ínfima dos taxistas, que, todavia, em nada auxiliam na divulgação de sua boa imagem e reputação. Aliás, sob os argumentos de a Uber atuar de forma ilícita, foram praticados crimes graves, o que fala por si só.

Mas o embate não foi apenas físico, já que também ocorreram disputas jurídicas, as quais se pode resumidamente acompanhar aqui. Por seu turno, o Conselho Administrativo de Defesa Econômica fez um excelente estudo sobre transporte individual de passageiros sob a óptica concorrencial e, evidentemente, não repudia o Uber.

No entanto, a Câmara Municipal de São Paulo aprovou, no último dia 09 de semtebro o projeto de lei 349/2014 do Vereador Adilson Amadeu, que proíbe "o transporte remunerado de pessoas em veículos particulares cadastrados através de aplicativos para locais pre'-estabelecidos" e que agora seguirá para a sanção ou veto do prefeito Fernando Haddad.

Para fins de rememorar, no primeiro turno de votação, em 30 de junho de 2015, houve quarenta e oito votos pela aprovação e apenas um contrário (do Vereador José Police Neto, do PSDB). O segundo turno da votação deu-se na última quarta-feira (dia 09.09) e teve quarenta e três votos favoráveis e apenas três contrários (José Police Neto, Mario Covas Neto e Toninho Vespoli).

Com a aprovação do projeto a Câmara passa a ter dez dias para o envio do documento à prefeitura e, depois de recebido, o prefeito terá quinze dias para sancioná-lo ou vetá-lo. Parece-nos, no entanto, que será sancionado, tornando-se lei, até porque já há declarações no sentido de que "o projeto de lei está sintonizado com o que pensa a administração". Com a sanção, a proibição começa a valer assim que a lei for publicada no Diário Oficial.

Mas as discussões, segundo entendemos, não cessarão por ai porque naturalmente o projeto aprovado, caso vire lei (e tudo indica que virará) será alvo de contestação judicial pela Uber, o que deverá levar a questão para outras discussões no Judiciário.

A nosso ver, no entanto, parece o serviço oferecido não se mostra ilícito e aqui é fundamental registrar que nem tudo o que não é regulado necessariamente será ilícito. Até porque no Estado Democrático de Direito deve imperar justamente o contrário: tudo o que não for expressamente proibido será lícito.

Inclusive merece registro que a regulamentação das atividade dos motoristas de taxi é concorrente entre municípios e da união por ser de interesse local, nos termos do art. 30, CF. Aliás, é a lei Federal 12.468/2011 que regulamenta a profissão de taxista, determinando no art. 2º que "é atividade privativa dos profissionais taxistas a utilização de veículo automotor, próprio ou de terceiros, para o transporte público individual remunerado de passageiros", listando, na sequência, uma série de requisitos e condições que o motorista de táxi deve preencher para exercer a profissão.

Não bastasse isso, em 2012 foi promulgada a lei federal 12.587/2012, que instituiu as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana, definindo transporte urbano, no art. 4º, como "conjunto dos modos e serviços de transporte público e privado utilizados para o deslocamento de pessoas e cargas nas cidades integrantes da Política Nacional de Mobilidade Urbana". A lei define, também no mesmo artigo, as diferentes modalidades de transporte urbano:

- no inciso VI: transporte público coletivo: serviço público de transporte de passageiros acessível a toda a população mediante pagamento individualizado, com itinerários e preços fixados pelo poder público.

- no inciso VII: transporte privado coletivo: serviço de transporte de passageiros não aberto ao público para a realização de viagens com características operacionais exclusivas para cada linha e demanda.

- no inciso VIII: transporte público individual: serviço remunerado de transporte de passageiros aberto ao público, por intermédio de veículos de aluguel, para a realização de viagens individualizada.

- no inciso X: transporte motorizado privado: meio motorizado de transporte de passageiros utilizado para a realização de viagens individualizadas por intermédio de veículos particulares.

Considerando o acima exposto e, ainda, que o transporte dos passageiros depende do uso da plataforma, não sendo possível que uma pessoa na rua simplesmente acene e peça um carro; que não se trata propriamente de serviço público já que a própria legislação em vigor não o classifica como tal, e não estamos falando do projeto 349/2014 recém aprovado pela Câmara Municipal de São Paulo; que não se trata, igualmente de serviço privado que dependa de regulamentação porque a lei assim também não o definiu, o que só corrobora o princípio da livre iniciativa; há, então, uma ausência de normatização relativa aos serviços prestados pela plataforma Uber.

Em outras palavras, por ser um serviço de transporte privado individual não seria necessária sua regulamentação. E não se diga que não há fundamento jurídico para tanto porque o próprio Plano Diretor do Município estabelece no art. 254 que o "compartilhamento de automóveis, definido como o serviço de locação de automóveis por curto espaço de tempo, será estimulado como meio de reduzir o número de veículos em circulação".

É importante notar, caso isso ainda não tenha restado claro, que os embates sobre o Uber não acontecem apenas no município de São Paulo. E, mesmo aqui, não há ainda, segurança jurídica sobre o projeto de lei 349/2014 recém aprovado porque nos soa inconstitucional. Explica-se.

O art. 22, CF determina que compete privativamente à União legislar sobre diretrizes da política nacional de transportes (inciso IX) e trânsito e transporte (inciso XI). A OAB/DF já havia feito um parecer no sentido de que projeto de lei que proibisse o uso do aplicativo no município seria inconstitucional, haja vista a polêmica instalada também por lá.

Por seu turno, é a lei Federal 12.587/2012 que institui as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana, determinando, quanto aos municípios, no art. 12, que "os serviços de utilidade pública de transporte individual de passageiros deverão ser organizados, disciplinados e fiscalizados pelo poder público municipal, com base nos requisitos mínimos de segurança, de conforto, de higiene, de qualidade dos serviços e de fixação prévia dos valores máximos das tarifas a serem cobradas". Além disso, no art. 12-A, determinou que o serviço de táxi poderá "ser outorgado a qualquer interessado que satisfaça os requisitos exigidos pelo poder público local". Em suma: não se lhe conferiu à municipalidade a reserva para legislar sobre transporte privado individual de passageiros.

Portanto, pode-se concluir que o Uber não viola a legislação, sendo inconstitucional o PL 349/2014 aprovado pela Câmara Municipal de São Paulo. A própria empresa, no entanto, entende que se encontra em meio de regulações e ausência delas, afirmando que deseja colaborar com a criação de regulação que faça sentido para os atores envolvidos, como a empresa, o governo e os usuários. Nesta perspectiva, vide, ainda, o parecer do professor Daniel Sarmento.

Parece que o futuro da Uber passará ainda por alguns episódios aqui no país. Só não podemos esquecer que seja você pró ou contra o Uber, que um caminho interessante é o de não repudiar a criatividade por ele trazida e, ainda, o de compreender as razões pelas quais o serviço de táxi pode melhorar, sendo mais competitivo.

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Colunistas

Coriolano Aurélio de Almeida Camargo Santos é advogado e Presidente da Digital Law Academy. Ph.D., ocupa o cargo de Conselheiro Estadual da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo (OAB/SP), com mandatos entre 2013-2018 e 2022-2024. É membro da Comissão Nacional de Inteligência Artificial do Conselho Federal da OAB. Foi convidado pela Mesa do Congresso Nacional para criar e coordenar a comissão de Juristas que promoveu a audiência pública sobre a criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, realizada em 24 de maio de 2019. Possui destacada carreira acadêmica, tendo atuado como professor convidado da Università Sapienza (Roma), IPBEJA (Portugal), Granada, Navarra e Universidade Complutense de Madrid (Espanha). Foi convidado pelo Supremo Tribunal Federal em duas ocasiões para discutir temas ligados ao Direito e à Tecnologia. Também atua como professor e coordenador do programa de Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) da Escola Superior de Advocacia Nacional do Conselho Federal é o órgão máximo na estrutura da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB). Foi fundador e presidente da Comissão de Direito Digital e Compliance da OAB/SP (2005-2018). Atuou como Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo (2005-2021) e fundou a Comissão do Contencioso Administrativo Tributário da OAB/SP em 2014. Na área de arbitragem, é membro da Câmara Empresarial de Arbitragem da FECOMERCIO, OAB/SP e da Câmara Arbitral Internacional de Paris. Foi membro do Conselho Jurídico da FIESP (2011-2020) e diretor do Departamento Jurídico da mesma entidade (2015-2022). Atualmente desempenha o papel de Diretor Jurídico do DEJUR do CIESP. Foi coordenador do Grupo de Estudos de Direito Digital da FIESP (2015/2020). Foi convidado e atuou como pesquisador junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2010, para tratar da segurança física e digital de processos findos. Além disso, ocupou o cargo de Diretor Titular do Centro do Comércio da FECOMERCIO (2011-2017) e foi conselheiro do Conselho de Tecnologia da Informação e Comunicação da FECOMERCIO (2006-2010). Desde 2007, é membro do Conselho Superior de Direito da FecomercioSP. Atua como professor de pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie desde 2007, nos cursos de Direito e Tecnologia, tendo lecionado no curso de Direito Digital da Fundação Getúlio Vargas, IMPACTA Tecnologia e no MBA em Direito Eletrônico da EPD. Ainda coordenou e fundou o Programa de Pós-Graduação em Direito Digital e Compliance do Ibmec/Damásio. É Mestre em Direito na Sociedade da Informação pela FMU (2007) e Doutor em Direito pela FADISP (2014). Lecionou na Escola de Magistrados da Justiça Federal da 3ª Região, Academia Nacional de Polícia Federal, Governo do Estado de São Paulo e Congresso Nacional, em eventos em parceria com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, INTERPOL e Conselho da Europa. Como parte de sua atuação internacional, é membro da International High Technology Crime Investigation Association (HTCIA) e integrou o Conselho Científico de Conferências de âmbito mundial (ICCyber), com o apoio e suporte da Diretoria Técnico-Científica do Departamento de Polícia Federal, Federal Bureau of Investigation (FBI/USA), Australian Federal Police (AFP) e Guarda Civil da Espanha. Além disso, foi professor convidado em instituições e empresas de grande porte, como Empresa Brasileira de Aeronáutica (EMBRAER), Banco Santander e Microsoft, bem como palestrou em eventos como Fenalaw/FGV.GRC-Meeting, entre outros. Foi professor colaborador da AMCHAM e SUCESU. Em sua atuação junto ao Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), apresentou uma coletânea de pareceres colaborativos à ação governamental, alcançando resultados significativos com a publicação de Convênios e Atos COTEPE voltados para a segurança e integração nacional do sistema tributário e tecnológico. Também é autor do primeiro Internet-Book da OAB/SP, que aborda temas de tributação, direito eletrônico e sociedade da informação, e é colunista em Direito Digital, Inovação e Proteção de Dados do Portal Migalhas, entre outros. Em sua atuação prática, destaca-se nas áreas do Direito Digital, Inovação, Proteção de Dados, Tributário e Empresarial, com experiência jurídica desde 1988.

Leila Chevtchuk, eleita por aclamação pelos ministros do TST integrou o Conselho Consultivo da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho – ENAMAT. Em 2019 realizou visita técnico científica a INTERPOL em Lyon na França e EUROPOL em 2020 em Haia na Holanda. Desembargadora, desde 2010, foi Diretora da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª região. Pela USP é especialista em transtornos mentais relacionados ao trabalho e em psicologia da saúde ocupacional. Formada em Direito pela USP. Pós-graduada pela Universidade de Lisboa, na área de Direito do Trabalho. Mestre em Relações do Trabalho pela PUC e doutorado na Universidade Autôno de Lisboa.