Direito Digit@l

Desafios contemporâneos do Direito Digital

Os colunistas promovem um verdadeiro mergulho nas mais atuais e tormentosas questões do Direito Cibernético.

6/3/2015

É com grande alegria e satisfação que hoje estreamos a coluna "Direito Digit@l" para, mensalmente, tratarmos das principais questões e desafios do Direito e da tecnologia no Brasil e no mundo.

Nossa alegria justifica-se em face da importância que o Migalhas indiscutivelmente conquistou no âmbito da divulgação, pela internet, de informações jurídicas para um grandioso e qualificado público. A importância do informativo desde os primórdios de sua criação nos conduziu a uma leitura assídua, de modo que constantemente temos considerado as sempre atualizadas e pioneiras informações para ilustrar e engrandecer nossas atividades cotidianas na advocacia e na docência.

Com a coluna pretendemos promover um verdadeiro mergulho nas mais atuais e tormentosas questões do Direito Digital, que tem oferecido desafios hercúleos para os aplicadores do Direito em todas as áreas, demandando não só conhecimento das leis mas, também, de aspectos técnicos e práticos da tecnologia para que se possa concretizar as normas adequadamente.

Como hoje em dia praticamente tudo tem algum envolvimento com a tecnologia, a relação dela com o Direito já é – e será ainda mais – foco de constantes conflitos entre estudiosos e aplicadores da lei em todas as instâncias e tribunais até porque, além dos aspectos técnicos e jurídicos, por vezes encontraremos debates repletos de choques ideológicos e paixões.

Gostaríamos, assim, de mencionar nesta coluna inaugural alguns temas de amplo destaque e que serão tratados com mais detalhamento nas próximas.

Marco civil da internet e sua regulamentação

A lei 12.965/14 que ficou conhecida como o 'marco civil da internet' alçou o país a um rol de poucos que regulamentaram a neutralidade da rede, tema tormentoso e que envolve questões ideológicas e técnicas bastante interessantes.

Devido a grande dificuldade de entendimentos sobre a neutralidade, o art. 9º – principal norma que trata do assunto – foi aprovado dependendo de regulamentação do Poder Executivo por meio de decreto, ouvidas as recomendações da Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL e do Comitê Gestor da Internet no Brasil – CGI.br (§1º do art. 9º).

No âmbito do CGI.br a consulta foi encerrada no último dia 20 de fevereiro e, segundo informções do órgão, recebeu 139 contribuições1. No âmbito do Ministério da Justiça a consulta permanecerá aberta até o dia 31 de março2.

As consultas públicas, embora entendamos que não tenham sido divulgadas junto à comunidade técnica e acadêmica de forma adequada, são fundamentais para discutir, por exemplo o alcance do art. 9º quanto ao conceito de isonomia dos pacotes de dados que trafegam na internet. Isso abarca, por exemplo, a discussão sobre a (im)possibilidade das operadoras de telefonia aplicarem o "zero-rating" para determinados aplicativos, isto é, se podem conceder a gratuidade do tráfego de dados para a utilização de rede social como o Facebook, e, ainda, casos em que a neutralidade poderá ser excepcionada já que o próprio §1º do art. 9º estabelece que só haverá exceções decorrentes apenas requisitos técnicos indispensáveis à prestação adequada dos serviços e aplicações e da priorização de serviços de emergência.

A regulamentação é fundamental, portanto, para facilitar a fiel execução da lei afastando dúvidas quanto a sua interpretação especialmente promovendo a aplicação da lei 12.965/14 com o baixo custo regulatório e segurança jurídica, o que se fará indicando os casos em que a lei não tratou e, ainda, preparando a Administração Pública para fiscalizar e aplicar a lei.

Veja-se que o debate acima mencionado reflete em casos práticos como o recentemente noticiado "Whats na mira" (Migalhas nº 3564)3, caso em que um juiz do Piauí, sob o argumento de que o WhatsApp descumpriu reiteradas decisões judiciais para fornecimento de dados de usuários em investigações, determinou, num inquérito policial a "suspensão do tráfego de informações de coleta, armazenamento, guarda e tratamento de registros de dados pessoais ou de comunicações entre usuários do serviço e servidores do aplicativo"4. Tal decisão – por absurda que era – foi logo derrubada pelo Tribunal de Justiça5. Todavia, como os autos encontram-se protegidos pelo segredo de Justiça, não se tem ainda maiores informações, mas fica clara a insegurança jurídica para todos, usuários do aplicativo e operadoras para as quais a decisão inicial foi direcionada.

Também temos que considerar que com a recente aprovação da neutralidade da rede nos EUA pelo "Federal Communications Commission", os debates tendem a ficar ainda mais inflamados6. Este tormentoso assunto será tema de um artigo específico.

Crimes digitais

Muito se falou que o país não possuia legislação específica para os crimes digitais. Embora a afirmação não fosse correta e já tenha sido alvo de críticas neste sentido7, o cenário parece não ter mudado muito, ao menos considerando-se a percepção da sociedade quanto ao tema. É que apesar do surgimento das leis 12.735/12, 12.737/12 (ficou equivocadamente conhecida como "Lei Carolina Dieckmann") e 12.965/14 ("Marco civil da internet"), ainda muito se percebe nas pessoas na mídia a insegurança sobre o tema. Possivelmente isso ocorre em razão da péssima redação dos tipos penais constantes da lei 12.737/12 e pela falta de regualmentação do Marco Civil.

Fato é que muito ainda se questiona sobre os crimes digitais no país (crimes de ódio, fenômenos como compartilhamento e replicação de notícias, fotos, vídeos e imagens de terceiros, pornografia da vingança, entre outros), de modo que trataremos deste assunto – como inclusive já o fizemos antes neste informativo8 – apontando questões terminológicas e de definição, além de análise de situações práticas.

Drones

Acreditamos que teremos um ano de grandes discussões sobre os drones, que já são realidade no Brasil. Tratam-se de veículos aéreos não tripulados, geralemente de tamanhos parecidos com os aeromodelos, mas que podem ser maiores ou menores e que geralmente são controlados por controles remotos ou atividades pré-programadas em seus sistemas. Podem voar a centenas de metros de altura e, praticamente todos, são dotados de cameras fotográficas. A exemplo da internet, nasceu para o uso militar, mas está se tornando cada vez mais comum, inclusive para recreação.

São muitas as preocupações com a utilização dos drones porque teme-se que sejam utilizados em atividades criminosas, que violem a privacidade das pessoas, além do perigo ínsito quanto a acidentes que podem causar. Todo o imbrólio sobre a regulamentação e uso dos drones será igualmente discutido nesta coluna.

Internet das coisas – internet of things (IOT)

A internet das coisas significa a conexão à internet, de itens de uso diário, tais como os televisores, geladeiras, carros, etc. É cada vez mais comum observar eletromésticos e roupas capazes de se conectar à internet numa tentativa de que mundo físico e digital se tornem um só. Isso poderá servir para evitar que carros sejam furtados, caso não sejam reconhecidos os verdadeiros donos como os condutores e que elevadores possam receber manutenção à distância, por exemplo. No entanto, problemas que já vemos acontecer com outros equipamentos (tablets, celulares, etc.) tenderão a ocorrer com as demais coisas, podendo expor pessoas a perigo ou a situações vexatórias, por exemplo, caso sejam surpreendidas por um acesso não autorizado por um hacker a uma câmera embutida em um televisor conectado à internet. Certamente cabem muitas questões a serem tratadas quanto a Internet das coisas...

Direito ao esquecimento

Um dos mais importantes assuntos do Direito Digital e certamente de enorme relevância, é o direito ao esquecimento, isto é, as discussões sobre o passado das pessoas e o direito de cada um desejar que seu histórico seja apagado dos meios digitais. Há questões técnicas e jurídicas muito interessantes sobre sua aplicação, o que demandará artigo específico.

Procuraremos, assim, explicitar, esclarecer e responder as indagações acima apontadas nas próximas colunas de Direito Digit@l aqui no Migalhas. Acompanhem e divulguem!

__________

1CGI.br.
 
2Marco civil da internet.

3Migalhas 3.564.

4Ação judicial no Piauí determina suspensão do WhatsApp no Brasil.

5UOL

6NPR.

7Vide CRESPO, Marcelo Xavier de F. Crimes Digitais. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2011. v. 1. 248p; CRESPO, Marcelo Xavier de F. Os crimes digitais e as leis 12.735/12 e 12.737/12. Boletim IBCCRIM, v. 244, p. 9-11, 2013 e, ainda, CRESPO, Marcelo Xavier de F. Crimes Digitais: da tipicidade e do bem jurídico tutelado. Editora Senac: São Paulo, 2013, pg. 16/47.

8Vide: CRESPO, Marcelo Xavier de Freitas; SANTOS, Coriolano Aurélio de Almeida Camargo. Um panorama sobre os projetos de lei sobre crimes digitais. Migalhas, 08.11.2012 e, ainda, CRESPO, Marcelo Xavier de Freitas; SANTOS, Coriolano Aurélio de Almeida Camargo. Perfis falsos nas redes sociais e o projeto de lei 7.758/14. Migalhas, 13.01.2015.

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Colunistas

Coriolano Aurélio de Almeida Camargo Santos é advogado e Presidente da Digital Law Academy. Ph.D., ocupa o cargo de Conselheiro Estadual da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção São Paulo (OAB/SP), com mandatos entre 2013-2018 e 2022-2024. É membro da Comissão Nacional de Inteligência Artificial do Conselho Federal da OAB. Foi convidado pela Mesa do Congresso Nacional para criar e coordenar a comissão de Juristas que promoveu a audiência pública sobre a criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, realizada em 24 de maio de 2019. Possui destacada carreira acadêmica, tendo atuado como professor convidado da Università Sapienza (Roma), IPBEJA (Portugal), Granada, Navarra e Universidade Complutense de Madrid (Espanha). Foi convidado pelo Supremo Tribunal Federal em duas ocasiões para discutir temas ligados ao Direito e à Tecnologia. Também atua como professor e coordenador do programa de Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) da Escola Superior de Advocacia Nacional do Conselho Federal é o órgão máximo na estrutura da Ordem dos Advogados do Brasil (CFOAB). Foi fundador e presidente da Comissão de Direito Digital e Compliance da OAB/SP (2005-2018). Atuou como Juiz do Tribunal de Impostos e Taxas de São Paulo (2005-2021) e fundou a Comissão do Contencioso Administrativo Tributário da OAB/SP em 2014. Na área de arbitragem, é membro da Câmara Empresarial de Arbitragem da FECOMERCIO, OAB/SP e da Câmara Arbitral Internacional de Paris. Foi membro do Conselho Jurídico da FIESP (2011-2020) e diretor do Departamento Jurídico da mesma entidade (2015-2022). Atualmente desempenha o papel de Diretor Jurídico do DEJUR do CIESP. Foi coordenador do Grupo de Estudos de Direito Digital da FIESP (2015/2020). Foi convidado e atuou como pesquisador junto ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2010, para tratar da segurança física e digital de processos findos. Além disso, ocupou o cargo de Diretor Titular do Centro do Comércio da FECOMERCIO (2011-2017) e foi conselheiro do Conselho de Tecnologia da Informação e Comunicação da FECOMERCIO (2006-2010). Desde 2007, é membro do Conselho Superior de Direito da FecomercioSP. Atua como professor de pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie desde 2007, nos cursos de Direito e Tecnologia, tendo lecionado no curso de Direito Digital da Fundação Getúlio Vargas, IMPACTA Tecnologia e no MBA em Direito Eletrônico da EPD. Ainda coordenou e fundou o Programa de Pós-Graduação em Direito Digital e Compliance do Ibmec/Damásio. É Mestre em Direito na Sociedade da Informação pela FMU (2007) e Doutor em Direito pela FADISP (2014). Lecionou na Escola de Magistrados da Justiça Federal da 3ª Região, Academia Nacional de Polícia Federal, Governo do Estado de São Paulo e Congresso Nacional, em eventos em parceria com o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, INTERPOL e Conselho da Europa. Como parte de sua atuação internacional, é membro da International High Technology Crime Investigation Association (HTCIA) e integrou o Conselho Científico de Conferências de âmbito mundial (ICCyber), com o apoio e suporte da Diretoria Técnico-Científica do Departamento de Polícia Federal, Federal Bureau of Investigation (FBI/USA), Australian Federal Police (AFP) e Guarda Civil da Espanha. Além disso, foi professor convidado em instituições e empresas de grande porte, como Empresa Brasileira de Aeronáutica (EMBRAER), Banco Santander e Microsoft, bem como palestrou em eventos como Fenalaw/FGV.GRC-Meeting, entre outros. Foi professor colaborador da AMCHAM e SUCESU. Em sua atuação junto ao Conselho Nacional de Política Fazendária (CONFAZ), apresentou uma coletânea de pareceres colaborativos à ação governamental, alcançando resultados significativos com a publicação de Convênios e Atos COTEPE voltados para a segurança e integração nacional do sistema tributário e tecnológico. Também é autor do primeiro Internet-Book da OAB/SP, que aborda temas de tributação, direito eletrônico e sociedade da informação, e é colunista em Direito Digital, Inovação e Proteção de Dados do Portal Migalhas, entre outros. Em sua atuação prática, destaca-se nas áreas do Direito Digital, Inovação, Proteção de Dados, Tributário e Empresarial, com experiência jurídica desde 1988.

Leila Chevtchuk, eleita por aclamação pelos ministros do TST integrou o Conselho Consultivo da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento de Magistrados do Trabalho – ENAMAT. Em 2019 realizou visita técnico científica a INTERPOL em Lyon na França e EUROPOL em 2020 em Haia na Holanda. Desembargadora, desde 2010, foi Diretora da Escola Judicial do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª região. Pela USP é especialista em transtornos mentais relacionados ao trabalho e em psicologia da saúde ocupacional. Formada em Direito pela USP. Pós-graduada pela Universidade de Lisboa, na área de Direito do Trabalho. Mestre em Relações do Trabalho pela PUC e doutorado na Universidade Autôno de Lisboa.