Dinâmica Constitucional

A indiferença que retroalimenta a indiferença

A indiferença que retroalimenta a indiferença.

7/1/2022

Quem atrai indiferença colhe indiferença. Desprezar a importância que a boa política possui para as nossas vidas é o caminho para o fracasso de um projeto viável de nação.

2022 é ano de eleições gerais no Brasil. Um movimento que se repete a cada quatro anos, expressão genuína da democracia.

A democracia é uma conquista a ser festejada e defendida. Contudo, sem aperfeiçoamentos constantes, ela, por si só, não leva à solução dos graves problemas que o país enfrenta.

O sistema político brasileiro carece de inúmeras reformas, tema, aliás, constante nesta coluna. O grande problema não reside em saber por onde começar, já que parte significativa das reformas que necessitamos pode ser implementada de forma simultânea ou apartada.

O problema está, de fato, no seu veículo: quem será o responsável por instigar e conduzir as reformas?

Essa talvez seja a questão mais desafiadora para o aperfeiçoamento do sistema democrático nacional, já que aqueles que se beneficiam do atual modelo são justamente os que têm o poder de modificá-lo.

E esse é o motivo pelo qual as reformas necessárias não ocorrem.

Não é exagerado afirmar que o eleitorado brasileiro é corresponsável por esta situação. Parte significativa da classe política nacional vem sendo reeleita sucessivamente, eleição após eleição.

As chamadas raposas da política, dentro dos seus respectivos grupos, sempre se fazem presentes em ano de eleição, adotando estratégias que garantem o seu lugar ao sol.

Quando não são os mesmos, vêm os que, com outros discursos, pensam e agem da mesma forma, sem que sejam cobrados e responsabilizados politicamente por seus movimentos.

No seio da sociedade, protestos organizados em favor de mudanças simples, de natureza positiva, são raríssimos e, quando ocorrem, costumam ser esvaziados.

Infelizmente, o controle sobre a qualidade da política não está na pauta prioritária da população. O resultado não poderia ser diferente. Minorias corporativas, defendendo suas castas, regalias e privilégios, sufocam uma maioria desorganizada e indiferente.

É bem verdade que a situação de fragilidade econômica, social e educacional da população como um todo contribui para esse estado de letargia. Por sua vez, a mesma letargia retroalimenta o estado de dominação e de concentração de privilégios.

Grave, ainda, é a constatação de que mesmo dentro do quadro das elites brasileiras – a parcela da população que tem condições de compreender os problemas - essa indiferença em relação aos privilégios e regalias de castas e corporações se faz presente.

Por vezes, as elites escolhem lados, lutam por nomes, sem perceber que o sistema continua sendo o mesmo. Uma luta que não costuma produzir resultados positivos.

Somos um país formado de cima para baixo, com baixíssima capacidade associativa. Os que se organizam, ainda que representando minorias, quando se ancoram em garantias e privilégios, jamais aceitam deles de descolar, sufocando as maiorias silenciosas.

Em suma, a indiferença da população atrai a indiferença dos políticos, que dela se aproveitam e o estado de coisas não muda, sendo que por vezes até piora.

Deve-se perceber, o mais brevemente possível, que uma república nunca fará jus ao nome, enquanto não existir um sentimento mínimo que condicione a ação do poder público a um dever mínimo de moralidade, igualdade e eficiência.

Somente por meio de reformas institucionais profundas as grandes desigualdades brasileiras poderão ser combatidas. E essas reformas começam pela depuração da representação política, tarefa que atrai uma enorme responsabilidade para o eleitorado nacional.

Ocupar cargos públicos eletivos no Brasil, sobretudo nos planos federal e estadual, mostra-se quase como um sonho, considerando a quantidade de benefícios, poder e possibilidades que a função proporciona.

Para muitos, a política torna-se uma profissão – a mais atrativa possível. Deixa de ser uma oportunidade para proporcionar o bem comum, dando lugar à realização do bem-estar meramente pessoal.

É bem verdade que existem exceções, nas quais se inserem políticos que de fato estão comprometidos com o bem comum, que sempre merecem ser louvados, quando descobertos. Contudo, o quadro geral deixa claro que a regra não é essa.

Um sistema ruim, que espalha regalias de forma desproporcional, custeadas pela população, tende a atrair um perfil de pessoas que lá ingressa atraído por vantagens pessoais e não pelo sentimento de fazer a diferença.

As possibilidades de reeleição contribuem, em larga escala, para desconfigurar a boa política. Tudo gira em torno da reeleição e as prioridades do povo – se é que podem ser visualizadas em algum momento pela classe política em geral – deixam de existir.

A luta pela reeleição gera a indiferença dos políticos em relação à população e a indiferença da população em face dos que lá estão retroalimenta esse círculo. Em anos de disputa eleitoral essa realidade vem à tona de forma cristalina.

Quem discorda, basta lembrar os valores que o Congresso Nacional destina aos seus, ano após ano. Orçamentos bilionários em tempos de crise severa. Fundos eleitoral e partidário. Proteção das elites econômicas e por aí vai.

Dificilmente teremos reformas construtivas, consistentes e necessárias em um ano eleitoral, pois tudo que atrapalhar os planos para reeleição da classe política dominante tende a ser afastado.

Acabar com a possibilidade de reeleições nos Poderes Executivo e Legislativo, nos moldes como hoje são praticadas, é uma pauta que não pode mais ser desconsiderada. Diga-se o mesmo em relação ao mandado de oito anos para Senadores.

Introduzir um sistema eleitoral distrital, com baixo custo de campanha, possiblidade de recall e reduzir o número de representantes eleitos, bem como seus benefícios, são assuntos, dentre outros, que não deveriam encontrar maior resistência em uma sociedade minimamente politizada.

A atual configuração do sistema político-institucional como um todo aduba o corporativismo, a indiferença e a rede de regalias custeada com o trabalho do contribuinte.

Alimenta, acima de tudo, a desigualdade, nos distanciando de qualquer meta de justiça social, pouco importa o lado do espectro ideológico que se posicione. O sistema vence a todos.

Se não entendermos a nossa responsabilidade como eleitores, o ano de 2022 tende a ser, mais uma vez, o retrato de períodos anteriores, nos quais houve eleições gerais.

Enquanto a população não se der conta do poder que tem, para frear essa engrenagem de indiferença, dificilmente nos afastaremos do abismo.

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Colunista

Marcelo Schenk Duque é doutor em Direito do Estado pela UFRGS/ed. Ruprecht-Karls-Universität Heidelberg, Alemanha. Foi pesquisador convidado junto ao Europa Institut da Universidade de Saarland, Alemanha. Professor do programa de pós-graduação stricto sensu da Faculdade de Direito da UFRGS (mestrado e doutorado); Pesquisador do Centro de Estudos Europeus e Alemães (CDEA). Professor da Escola da Magistratura Federal do Estado do Rio Grande do Sul - ESMAFE/RS, onde exerce a coordenação da matéria de direito constitucional; Professor de diversos cursos de Pós-graduação lato sensu. Professor da Faculdade Dom Bosco de Porto Alegre. Professor da Escola Superior de Advocacia da OAB/RS. Membro da Associação Luso-alemã de Juristas: DLJV. Presidente da Comissão Especial de Reforma Política da OAB/RS (CERP). Segunda formação superior: engenharia química. Instagram: @marschenkduque