A discussão fiscalista do governo está centrada apenas no orçamento equilibrado
Os repetidos e obscuros conflitos comerciais, especialmente com a China, provocados pelos presidente dos EUA Donald Trump, a redução continuada da taxa de investimento nas principais economias centrais, o baixo desempenho da criação de empregos ao redor do mundo, a adoção de políticas populistas em importantes economias como o Reino Unido e os EUA, bem como, a pressão incomum e sem resultados sobre os bancos centrais, são, individualmente e no seu conjunto, fatos suficientes para colocar nuvens carregadas sobre a economia mundial.
O crescimento ainda constatado não poderá mais ser sustentado dentro dos padrões atuais da política econômica adotada pelos principais policy makers. O problema é que para mudar o status quo da gestão da finança e da política monetária ainda não se encontrou apoio político equivalente. Ao contrário: o establishment político ora adota um padrão meramente ideológico cujas consequências são indecifráveis, ora combate o debate mudancista sob o argumento de que "forças retrógradas" estão a atuar no cenário.
Essa dinâmica pode ser facilmente vislumbrada no debate sobre a política fiscal. Vejamos.
Se está claro que a demanda enfraquece e a taxa de juros já está baixa demais para ser ferramenta útil ao estímulo do consumo e do investimento, a recomendação mais clássica que se pode fazer nesse momento é a de se considerar seriamente a utilização da política fiscal para se evitar um quadro de risco considerável para a economia mundial – provavelmente equivalente ao cenário de 2008. Ocorre que decisões sobre política fiscal dependem em larga medida de debates parlamentares e de aprovações internas nas instâncias dos próprios proponentes das políticas. Nesse caminho, além da usual morosidade processual, há tortuosa mitigação dos objetivos iniciais traçados, fruto dos interesses instalados nos caminhos pelos quais tramitam as medidas. Ao final, é possível que a efetividade das políticas seja menor ou, até mesmo, inócua.
Afora a questão do processo decisório há a incorporação ideológica no debate econômico de questões pouco relacionadas com a realidade visível: liberais se esgoelam para argumentar sobre os riscos de que o grande leviatã fiscal possa levar a todos para serem devorados pelo Poseidon do Estado. Do lado da esquerda renasce o discurso menos preocupado com o emprego e mais preocupado com o domínio da máquina estatal, da manutenção de privilégios organizados.
Enquanto isso, a economia despenca. Dados do Federal Reserve, o banco central dos EUA, mostram que desde 2011 a diferença acumulada entre as estimativas de mercado para o PIB do país e o dado efetivamente constatado é de quase dez pontos percentuais. Ou seja, mesmo nesse período de bonança que vivemos recentemente o PIB cresceu certa de 20% quando deveria ter crescido (segundo os investidores) ao redor de 30%. O "mercado", como se vê, não é tão sábio quando o assunto é previsão. Ademais, os investidores são os maiores formadores de opinião do mundo moderno e pouco falam de fenômenos que realmente importam para a vida dos cidadãos comuns. Um exemplo disso, é o fato de que em meio a euforia dos mercados o que se viu desde nos últimos dez anos (2009-2019) foi um aumento continuado e relevante da poupança sem que isso se tornasse real investimento em capital. Outro aspecto muito relevante é o fato de que as empresas, sobretudo as mais monopolistas estão produzindo mais lucros com menos investimentos, até mesmo por que estão pressionadas para pagar dividendos e bônus para os seus diretores: investir virou um pecado capital, sem trocadilhos. Mesmo diante de estímulos fiscais – e.g. menos tributação corporativa nos EUA– o que se verificou é que esses recursos não foram investidos na produção, mas para pagar mais dividendos. Enquanto isso os trabalhadores americanos, não isentados de mais tributos, não aumentaram seus gastos. Resultado: nem aumentou o investimento e nem o consumo.
Obviamente, esses são apenas alguns exemplos dos dilemas modernos da economia que quando confrontados com argumentos tipicamente ideológicos estão carregando o debate para um impasse e a economia para um cenário de mais e mais riscos.
Aqui no Brasil, esse debate seria ainda mais gritante. Afinal, a taxa de emprego, de desalento e de subemprego são tão elásticas que já deveria haver um "comitê de emergência nacional" para cuidar dessa situação. É o que fariam os americanos, para citar um exemplo que tanto agrada aos círculos informados de nosso país. No entanto, parecemos completamente rendidos a certas expectativas duvidosas. Acreditamos piamente que a reforma da previdência será capaz de alavancar o crescimento na magnitude suficiente para nos tirar do atraso. Com o devido respeito à reforma, isso é um pouco mais que uma miragem no deserto de ideias que povoa o país.
De outro lado, a discussão fiscalista do governo está centrada apenas no orçamento equilibrado. Ou seja, se este "equilíbrio" for construído sobre o lamaçal da economia a coisa parece boa para o governo. Pergunto: e o crescimento? Virá de onde? De nossas exportações não-competitivas? De investimentos externos que não são feitos nem nos países centrais? Da privatização de ativos que já existem?
Os fatores de produção do nosso país estão desocupados, a taxa de juros ainda é alta, não há crédito para alavancar o crescimento, a produtividade é baixa e, mesmo com tudo isso, há uma lógica construída que sugere que iremos crescer de forma sustentada? Bom, se for para ser otimista....
Ao que parece, precisamos desinterditar o debate e pelo menos testar as hipóteses keynesianas de aumentar os gastos em investimentos. As obras paradas de infraestrutura das quais tanto se fala que serão retomadas são apenas o começo da necessária retomada da economia brasileira. As famílias desesperadas agradecem.