Há razões substantivas para se ter esperança no desenvolvimento tecnológico
O inverno frio dos Alpes Suíços é tempo quente de discussão no Fórum Econômico Mundial (FEM). Essa organização não-governamental tem prestado serviços relevantes para a discussão de temas candentes de natureza econômica, mas também social e política, desde 1971 – de fato, desde 1987 tem o perfil atual.
Nesse artigo reporto-me a publicação do FEM, exatamente o livro Shaping The Fourth Industrial Revolution, de 2018, coordenado pelo fundador e presidente executivo do FEM Klaus Schwab. Trata-se de obra bastante abrangente, holística desde os seus fundamentos até as suas conclusões e reflexões mais profundas. Representa, a partir de sua leitura, uma oportunidade para se pensar nas variáveis econômicas, políticas, sociais e jurídicas sobre a denominada revolução industrial de quarta geração, ou a Revolução 4G.
Para início de conversa o leitor interessado nas coisas de nosso país sente-se arrepiado quando confrontado com a realidade vigente e a vindoura. No Brasil, a discussão, do meio acadêmico ao político, passando pelas elites econômicas, sobre o nosso futuro é de uma primariedade impressionante. Por aqui ainda estamos discutindo se regimes previdenciários devem ser universais (um para toda a sociedade), privilégios de elites burocráticas, crimes inacreditáveis e controle de finanças públicas. Realmente uma pobreza considerável de pensamento. Ademais, agora estamos embebidos pela crença de que a recuperação do pensamento liberal do século XIX é a salvação da lavoura – sem trocadilhos. Temos também os sussurros inacreditáveis sobre o globalismo, o tratamento dos direitos de minorias e a influência de religiosidade mais interessada nas coisas comezinhas da política e da atividade social. As práticas sectárias da esquerda mudaram de sinal e, agora, estão na direita barulhenta e com feições castrenses. Ainda há a violência verbal e de suas políticas. Já da esquerda temos a bobagem generalizada, a negação de preceitos econômicos básicos e a ausência de aggiornamento econômico, social e político de sua prática política. Além da falta de mea culpa pela corrupção perpetrada em seus governos. A figura de Gleise Hoffmann, presidente do PT na posse de Maduro na Venezuela é de doer...Estamos mal.
Quem espera em Shaping The Fourth Industrial Revolution um livro ideológico acaba por verificar a reflexão realmente profunda e ilustrada sobre o futuro em suas dimensões mais enraizadas. Não há maniqueísmo. Ao tempo em que conclui o livro que há razões substantivas para se ter esperança no desenvolvimento tecnológico e industrial, há sérios questionamentos sobre a capacidade de distribuição dos benefícios desse progresso para a sociedade. Mesmo porque, está evidente que o crescimento até agora tende a formação de perigosos oligopólios que exercem enorme controle social. Os modelos jurídicos atuais não são ainda capazes de decifrar todos os efeitos factuais desse relevante processo. Exemplos: baseado em dados de 2017, o Google já controla 90% da participação global no mercado de negócios de publicidade de buscas, o Facebook 77% do tráfico social móvel e a Amazon tem quase 75% do mercado de e-books.
Ao largo de forte percepção sobre a democratização do conhecimento e da informação vê-se a morte do modelo tradicional de emprego: 94% dos novos postos de trabalho criados no período de 2005 a 2015 nos EUA são de “formas alternativas de trabalho”, sem proteção social. Por aqui, ainda estamos discutindo se juízes do trabalho são úteis no uso da nossa CLT dos anos 1940 e se eles podem continuar penhorando on-line bens de pessoas que algumas vezes nada tem com os litígios e julgando casos à luz de um mundo que caminha para esse tipo de transformação.
Essa realidade também pode ser avaliada dentro da óptica de valores (axiologia) de enorme repercussão no mundo do direito. A conclusão de Klaus Schwab, paradoxal a meu ver, é que “todas as tecnologias são políticas”, não no sentido de “governos”, mas, pelo contrário, em função de sua repercussão social, cujo efeito institucional é grandioso. Com efeito: a identidade antropológica dos indivíduos e da sociedade, os valores e princípios, os poderes, as estruturas, etc. afetam e são afetados pelo desenvolvimento de tecnologias cada vez mais avançadas. Nesse sentido, o avanço da biotecnologia, da Internet das Coisas e da Inteligência Artificial (IA) trazem à tona dilemas éticos profundos e que precisaram de escrutínio social e jurídico intenso. As instituições políticas estão prontas para dirimir essas questões?
O jogo todo requererá democrático processo, seja em termos de meios (como fazer), seja de fins (para onde ir), que não pode ser calcado em ideologias que pretendem a dominação da sociedade. Afinal de contas, sem plenitude das ações das partes interessadas não há como prosseguirmos no debate e na consecução de políticas em prol do avanço tecnológico. Educação renovada, nesse ponto, é fator vital para esse processo.
Os tempos que estão vindo velozmente deveriam ser marcados pela valorização das pessoas, enquanto seres diferentes que, por sua vez, valorizam coisas diferentes. A prioridade, portanto, é transformar os valores nessa perspectiva e não pela opressão ou pela criação de obstáculos a essa dinâmica democrática.
A governança, de países, de empresas, das comunidades locais, etc. deve ser ágil e responsável em liderar. Naturalmente que os sistemas jurídicos e seu ordenamento deontológico e processual não deve ser dogmático. A estabilidade sistêmica decorrerá da capacidade de dirimir e organizar a sociedade com graus de flexibilidade aceitáveis, com códigos de ética mais evoluídos e modelados para a educação da sociedade e dos indivíduos. Mudam os fatos, muda o Direito. Aqui há um aspecto muito importante do ponto de vista econômico e muito bem delineado no livro: as necessidades de infraestrutura mudarão não somente em termos de funcionalidade (utilização), mas também em modelos cada vez mais compartilhados sob pena de inviabilização de toda a supraestrutura que se forma no contexto 4G. Os contratos, assim, precisam ser revisitados e o conceito de propriedade sofrerá mudança essencial (ontológica) e não apenas de forma.
Finalmente, não se pode subestimar as externalidades de toda essa mudança. Nesse aspecto, o tema das mudanças climáticas ganha enorme relevância. A energia limpa, a sua distribuição organizada entre as instâncias sociais e econômicas, o papel da colaboração e da educação, o aquecimento global como risco estruturante e estrutural, a forma de legislar, fiscalizar, punir e, sobretudo, governar serão determinantes para a humanidade e não mais para países. Os pactos globais, nesse item, ganham relevância enorme. As empresas, portanto, não podem ser vistas apenas como organizações econômicas com objetivos limitados aos seus acionistas: revoluções de certas empresas podem significar fracasso em ambientes mais amplos e além da visão contábil-econômica.
Esse é o ambiente que prepondera em Davos, o local da conferência do FEM. Por lá, o capitão Jair Messias Bolsonaro, nosso presidente, não deveria desfilar discursos sectários e promessas particulares e primárias demais. O mundo é do multilateralismo, da liderança da tecnologia, de novos e velhos valores repensados e discutidos democraticamente, em integração e não-exclusão de partes interessadas dentro de uma visão moderna do capitalismo, da integração de fronteiras e do tratamento sério, determinado, aguerrido na defesa do meio ambiente. O arcaísmo de lideranças como Trump não devem ser referências quando se pensa em revoluções industriais como a que estamos a passar e adentrar todos os dias. O custo é mais atraso. Chega.