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A economia sem a política não anda

A economia sem a política não anda.

21/11/2018

Sem uma agenda comum entre essas duas vertentes não haverá prosperidade

As eleições, no caso as ocorridas em outubro no Brasil, projetaram novo consenso majoritário no Brasil. Talvez seja algo realmente novo, do ponto de vista histórico, quando se verifica que destruiu de forma relativamente retumbante o consenso anterior aglutinado em partidos que exerceram papéis de governo e oposição, o PT e o PSDB. O recado das urnas foi de que o eleitor não estava nada feliz. O caráter dicotômico e plebiscitário do pleito último dá vastas evidências dessa afirmação, seja pela nova distribuição geográfica, ideológica, partidária, dentre outras, da nova formação das casas legislativas e dos executivos em todos os planos, seja pelo cuidadoso exame do proselitismo dos oponentes na cena eleitoral. Jair Messias Bolsonaro surge como inegável fenômeno eleitoral face ao simbolismo que incorporou, bem como, em função do elevado grau de expectativa que atraiu para seu governo.

Fenômenos eleitorais são, muitas vezes, sinais de tempos turbulentos a partir dos quais as sociedades buscam de forma mais frenética e intensa o preenchimento de suas ansiedades políticas, sociais e econômicas. De repente, surge nesse tipo de horizonte novas lideranças que corporificam as ideias ordinárias do eleitorado de forma ideológica e, na maioria das vezes, demagógica. Enquanto a “nova política” deita raízes no eleitorado a “velha guarda” sucumbe, perdida no próprio status quo. De outro lado, os fenômenos eleitorais não necessariamente conseguem estruturar equações políticas, dentro da ordem política e jurídica vigente, que sejam capazes de viabilizar as demandas sociais e econômicas. Quando a estrutura política necessária ao processo de mudanças se forma em suficiência, aí o “novo poder” está habilitado a fazer avanços. Tudo dentro da democracia, está claro. Caso contrário, nada anda ou até regride do ponto de vista social e econômico. A frustração, nesse último caso, pode resvalar ou adentrar na instabilidade política que sempre pode afetar a democracia. Vezes não raras cai no autoritarismo ou na ditadura.

A partir do contexto exploratório e teórico que acima descrevo, vejamos os fatos (políticos) já passíveis de serem analisados da nova administração que vem.

Em primeiro lugar, cabe registrar que Jair Bolsonaro até agora consegue manter estreita coerência com seu projeto pregado nas ruas. Nada contradiz o que falou para o eleitorado. Do ponto de vista econômico o futuro presidente está zeloso de que a tecnocracia liderada por seu guru econômico Paulo Guedes faça prevalecer seus projetos e líderes na consecução da prometida política econômica liberal ou, até mesmo, ultraliberal. Economista nenhum das cercanias de Chicago seria capaz de reclamar do ex-capitão. Da formação do núcleo da equipe econômica até o espalhamento de suas ideias no campo da diplomacia, da regulação econômica, da direção das estatais, do controle das áreas sociais, ambientais e culturais, passando pela justiça, há um todo relativamente organizado na superestrutura do governo que virá. Será uma nova experiência verificar como esse ambicioso projeto tecnocrático adentrará no sedimentado patrimonialismo, corporativismo e na oligarquia do país, ou mesmo, na crise institucional crônica que vige no Brasil, na qual os poderes estatais conspiram contra o bom funcionamento da sociedade.

Todavia, não há de se perder de foco que esse projeto abrangente ainda não é um projeto político. Trata-se em verdade apenas de um “plano diretor” que engendra nova ideologia acima da sociedade, mas que para ganhar força social terá de andar por dentro das estruturas políticas do Planalto Central e da Federação. Provavelmente, terá de arrancar volumosa quantidade de mato daninho, vísceras e esqueletos que repousam dentro do Estado e larga série de benefícios e privilégios bem duvidosos, inclusos os de parcela substancial do poder econômico. Vale dizer que essa infraestrutura política está viva e ativa, bem representada e organizada dentro e fora dos partidos políticos vencedores. Há até corrida frenética dentre estes para aderir ao governo no intento de direcioná-lo para seus próprios interesses.

É igualmente notável que, apesar da existência de organizados interesses econômicos, políticos e sociais que se chocam com o projeto tecnocrático de Bolsonaro, não há conhecimento razoável de como Bolsonaro terá apoio de facto nas casas legislativas, necessárias a suportar politicamente o novo governo. A incrível (e inesperada) renovação congressual não permite previsões acuradas de como a nova maioria se formará em favor do governo. (Imagino que essa maioria exista porquanto ansiosas e esperançadas estão as ruas em relação ao governo da “nova direita” de Bolsonaro). Será uma maioria formada sob à égide dos partidos políticos ou será construída por meio de convencimento em favor de certos temas e assuntos da agenda brasileira? Aqui vale relembrar a salada de frutas que é o sistema político-partidário do Brasil. Sigla partidária é negócio de franquias.

Como se verifica, se até agora o ex-capitão foi explícito quanto às ambições econômicas por meio da terceirização do trabalho de realizar em favor de Paulo Guedes, no campo político ainda há um quadro opaco no qual o único brilho é que todos os (novos) políticos estão fascinados com a nova presidência e suas possibilidades concretas. O deputado gaúcho Onyx Lorenzoni até consegue passar alguns recados, mas ainda não parece habilitado a informar ao presidente eleito como se dará a execução política do projeto econômico.

Ninguém em pleno uso das razões mentais será capaz de negar que os desafios brasileiros são enormes. Muito se fala da previdência social e dos tributos como barreiras mediatas ao crescimento. Todavia, o conjunto dos problemas é muito mais intrincado e sem força motriz vigorosa e abrangente a dinâmica da produtividade do país não vai mudar para melhor. O Brasil é um país que se tornou medíocre, seja pela baixa qualidade de seu capital humano deseducado, seja pela distância que o país está dos canais de suprimento de tecnologia e acesso aos principais mercados mundiais. Somos um país incompetente para competir no mundo moderno. Assim sendo, para fugir do ostracismo econômico, o Brasil precisa mudar o sinal negativo, em termos de processos, poupança e investimento, organização, infraestrutura, tecnologia, etc. E isso não pode se resumir aos ajustes das contas públicas, redução de ministérios ou à própria privatização dos ativos. Estamos a falar de algo bem mais submerso na realidade que aquilo que foi dito na campanha eleitoral. Aqui é onde se une a complexidade do desenvolvimento econômico com a fiação embrulhada e igualmente complexa da política: sem uma agenda comum entre essas duas vertentes não haverá prosperidade. Ou Bolsonaro demonstra que seu projeto econômico é politicamente viável ou a permanência dessa dúvida se transmutará em esfinge e o devorará. Afinal, a promessa foi enorme.

Há, finalmente, outro detalhe que merece observação. A conjuntura mundial favorável desde 2010, ano no qual vislumbrou-se que a grande recessão de 2008 seria superada, está sob forte escrutínio por parte dos agentes econômicos dos países centrais. Há sinais suficientes originados pelos indicadores econômicos e de mercado (bolsas e mercado de renda fixa, e.g.) que dão sustentação a expectativa de uma economia internacional menos vigorosa e, até mesmo, estagnada em 2019 e 2020. A sorte, a partir dessa constatação, já não sorri tanto quanto na era de Dilma e Temer quando desperdiçamos bons anos de tranquilidade na economia mundial por causa de nossos tropeços políticos.

Está claro que os tecnocratas nos arredores de Bolsonaro já avisaram o presidente dessa realidade e agirão considerando essa variável de risco.

Esperemos que a formação da nova maioria no Brasil seja saudável ao nosso processo civilizatório, que a democracia seja processo proveitoso de avanços no nosso desenvolvimento social e político. Sem macular a minoria política e seus contraditórios. Já perdemos tempo demais.

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Colunista

Francisco Petros Advogado, especializado em direito societário, compliance e governança corporativa. Também é economista e MBA. No mercado de capitais brasileiro dirigiu instituições financeiras e de administração de recursos. Foi vice-presidente e presidente da seção paulista da ABAMEC – Associação Brasileira dos Analistas do Mercado de Capitais e Presidente do Comitê de Supervisão dos Analistas de Investimento. É membro do IASP - Instituto dos Advogados de São Paulo e do Corpo de Árbitros da B3, a Bolsa Brasileira, Membro Consultor para a Comissão Especial de Mercado de Capitais da OAB – Nacional. Atua como conselheiro de administração de empresas de capital aberto e fechado.