Os candidatos não estão conseguindo postular
objetivos que sejam razoavelmente possíveis
Se tem uma coisa que está a acontecer ao longo desses últimos anos e, especialmente, desde o lançamento dos candidatos às eleições de outubro e dezembro é que largos segmentos da sociedade dita organizada e o povo desorganizado estão recolhidos em relação ao mundo exterior. Num momento tão crucial ao Brasil, a ausência de ação política impressiona. A renúncia em relação à ação implica que talvez as pessoas possam acreditar que os resultados eleitorais nada tem a haver com a vida cotidiana dos brasileiros. Ledo engano.
Não se pode confundir, de um lado, o fato de que o próximo presidente da República será a representação da fragilidade institucional brasileira com, de outro lado, o devaneio de que se pode escapar ileso da tragédia nacional. O Brasil está cercado de robusta crise financeira que inviabiliza o desenvolvimento econômico somado à inóspita condição social que inviabiliza o aumento da produtividade. Jamais esteve tão cristalino que a produtividade do país não pode se erguer sem treinamento, educação, saúde, infraestrutura, ética nas relações entre o Estado e o setor privado e assim vai. Em tempos de digitalização dos processos e da industrialização 4.0 o gap estrutural entre as nações aumenta em velocidade inédita. A recomposição do crescimento mínimo que empregue a multidão dos 13 milhões de desempregados e os 34 milhões que frequentam diariamente a informalidade será tarefa hercúlea, quiçá impossível, para o governo que despontará das urnas. Um trabalhador pode ganhar a vida "por conta própria", mas esse não é o caso de um país – esse depende de seus cidadãos.
Não vale a pena gastar tempo escutando, assistindo, lendo e questionando os candidatos aos cargos eletivos. Nem mesmo os presidenciáveis escapam da certeza de que pouco podem e quase nada sabem. O cenário é muito pior do que aquele que permite "escolher o menos pior....".
Mais interessante ainda é o comportamento oscilantes dos pesquisadores sobre as tendências do momento: aqui vale tudo, mas as questões mais certeiras sobre o eleitorado não estão sendo colecionadas pelas pesquisas. De fato, há profunda ignorância de parte dos candidatos sobre a sociedade, mas não há dissonância cognitiva: o povo é igualmente ignorante – simplesmente abandonou à política e foi comprar sabão na esquina.
O que está bastante transparente é que com a existência de um governo fraco no próximo mandato, a possibilidade de uma crise institucional "aberta" é grandiosa. Seria uma mutação quase que natural para um país onde se vê que os agentes internos ao Estado, especialmente no Judiciário, ocupam descabidamente os espaços deixados pelo Executivo e Legislativo. De fato, o patrimonialismo, as oligarquias e o corporativismo jamais estiveram tão soberanos na história brasileira. Os tempos são sombrios e, até mesmo, a liberdade é apenas aparente. O debate está reduzido aos diagnósticos errados e as saídas não são as soluções para as nossas feridas. Afora isso, em grande parte do país o cidadão teme sair a noite, pegar o ônibus e conversar nas ruas. A violência é sinal de que sequer o interesse vital da liberdade de ir e vir subsiste à análise mais atenta do cenário.
Nessa combalida conjuntura e considerada a absoluta paralisia social na busca de soluções, o cenário dos diversos segmentos do mercado financeiro e de capital começa a mostrar os seus caninos. A taxa de câmbio desvalorizada (USD 1 = R$ 4,00) talvez esteja no seu melhor patamar nos próximos meses. Da mesma forma, talvez a moeda nacional permaneça assim por longo período, até que as expectativas de um futuro melhor volte a raiar no horizonte. Nesse contexto, a taxa de juros terá de sair de seu bom comportamento atual e gravitar alguns pontos acima. Não acho um absurdo que a taxa real de juros volte para algo entre 8% a 10%, pelo menos. O estrago fiscal de uma taxa de câmbio mais desvalorizada pode não ser tão grande quanto no passado (final dos 1990 e início dos anos 2000), mas parece pouco provável que a taxa de juros possa se manter fora do equilíbrio num cenário de elevada volatilidade cambial. A desvalorização dos ativos reais é própria desse cenário que correlaciona câmbio e juros em elevação. Logo, dos imóveis aos valores mobiliários (ações, debêntures, etc.), o desempenho deve ser sofrível, além de volátil.
Está claro que é muito melhor para o leitor ver o analista da cena política e econômica tecendo considerações sobre probabilidades que estejam em um espectro de razoabilidade. Ocorre que, quem estiver a fazer esse tipo de exercício, não encontra repouso de suas ideias em alicerces que sejam possíveis de serem considerados como confiáveis. A incerteza não é apenas elevada. Em verdade, ela é quase que absoluta. O medo está vencendo a esperança, o reverso do que certo candidato pregava anos atrás.
Os candidatos não estão conseguindo postular objetivos que sejam razoavelmente possíveis. Da mesma forma, não conseguirão governar concatenados com o que pregam na campanha. Alguém acha que a aliança eleitoral servirá de base para a aliança de governo?
Do ponto de vista do eleitor não há no cenário nenhuma razão que os impulsione na direção de um candidato: a fragmentação política é espelho direto da fragmentação social. Nesse cenário prevalecem os grupos econômica e politicamente mais organizados. Estaremos, com efeito, sob o domínio do passado. Mesmo formando uma maioria eleitoral, nenhum candidato terá maioria congressual que permita ao governo, simplesmente governar. Todos terão direito a veto, a dizer não. O "sim" que dirá?
Por fim, sem objetivos claros e viáveis e uma razão política para motivar a ação, não teremos sequer princípios orientadores que sirvam à sociedade: jamais liberais e esquerdistas estiveram tão parecidos. São capazes de dividir a sociedade com seus proselitismos, mas não são capazes de construir unidade mínima necessária ao governo que vem.
A vida pública caminha celeremente para o anonimato, para o obscurantismo e a realidade mais presente é a fuga. Sinceramente.