O cenário de crescente instabilidade institucional
conspira contra a manutenção da paz social a longo prazo.
Há cada vez menos "formadores de opinião" estão a pregar que não há crise institucional no Brasil e que "as instituições funcionam". Está claro que estamos diante de uma confusa crise das instituições do Estado. Todavia, é preciso que qualifiquemos essa crise atual sob pena de permanecermos com entendimento parcial que, de um lado, impede a reflexão mais apurada sobre o futuro e, de outro, impossibilita ação mais equilibrada em busca de um avanço positivo para o país.
O primeiro aspecto que desejo lançar à reflexão diz respeito à capacidade do Estado de formular normas que organizem a vida política, econômica e social do Brasil. Creio que nesse aspecto o Estado brasileiro persiste, por meio de suas divisões funcionais (o Legislativo, o Executivo e o Judiciário), com capacidade de demonstrar a sua "superioridade normativa". Não à toa pôde o governo aprovar reformas, tal qual a trabalhista, e agilizar a máquina legislativa para ajustar fiscalmente o Erário. Há inclusive quem louve Michel Temer e seus asseclas como providos de certa e notória "sabedoria política", outrora tão saudável ao cumprimento dos fins construtivos por meios nem sempre muito republicanos. Aqui não vem ao caso questionar essas "ilações" para usarmos palavra da moda.
Essa constatação aparentemente saudável sobre o "imperativo" estatal na criação normativa tropeça em delicado tema que, a meu ver, necessita de maior exploração e detalhamento: a capacidade de impor normas por parte do Estado está crescentemente atentando contra a manutenção da liberdade e a igualdade no longo prazo. Com efeito, a estabilidade das regras e o ajustamento da sociedade e/ou indivíduos quando não cumpridores daquilo que estabelece o ordenamento jurídico está em crescente e perigoso risco. Ou seja, o Estado detentor do Poder soberano ao estabelecer regras acaba implicando a sociedade em crescentes anomalias e ausência de funcionalidade de tais normas. A parte saudável do Estado está sendo carcomida pelo conteúdo anômalo das normas e decisões estatais. O meio destrói o fim. Vejamos.
Cito inicialmente a continuada distorção dos "pesos e contrapesos", bem como a funcionalidade dos organismos do Estado. A desmoralização do instituto jurídico das delações ("colaborações com a Justiça") por parte do Judiciário, a construção de perigosa jurisprudência do STF relativa ao aprisionamento de criminosos com elevado poder de organização e influência social, a capacidade de nomeação de atores políticos ligados à atividade criminosa para órgãos de controle, como no caso do Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro, o questionamento político-jurídico de normas como a "Lei da Ficha Limpa", a "compra de votos" no Congresso Nacional para a aprovação de medidas, etc. são alguns exemplos evidentes de que a direção social e política que o Estado imprime via a sua soberania jurídica está sob elevado risco.
Alguém poderia argumentar que o que é aqui apontado empiricamente (os fatos) sempre aconteceram. Verdade. Todavia, a estabilidade na relação de poder do Estado no que tange à sua superioridade normativa e a direção que as normas impõem à sociedade nunca estiveram na história brasileira sob tanto risco.
Normalmente, a distorção na equação "soberania normativa versus ação diretiva" do Estado resulta em crises de enorme potencial destrutivos. Na Europa durante a primeira metade do século XX podemos encontrar os exemplos mais gritantes dos efeitos dessa distorção, destacadamente a República de Weimar, cuja constituição progressista e moderna jamais foi revogada, mesmo quando imperou o nazismo que montava fábricas para matar homens e mulheres.
A ausência de estabilidade jurídica ao sistema político agora leva a incerteza sobre a manutenção da liberdade e da estabilidade social no médio prazo. Note-se que os desequilíbrios do momento são apenas o "aperitivo" do perigo vindouro. Os rompantes criminosos nos morros da Cidade Maravilhosa e o entra-e-sai dos políticos das penitenciárias são apenas prenúncios de instabilidade mais aguda à frente.
Em meio à crise por dentro das instituições teremos em 2018 o pleito eleitoral quase que geral. Elegeremos do presidente da República até os deputados estaduais. O que se pode verificar nas pesquisas eleitorais é que há imenso "vazio político" no denominado centro partidário. O eleitor brasileiro já demonstrou em inúmeras eleições que o seu voto sempre é destinado ao centro, à busca da estabilidade social, política e econômica. Sempre que o eleitor encontrou promessas de estabilidade contra visões de "rupturas" a opção sempre foi a favor da moderação. Ocorre que o povo sempre foi mais sábio que os políticos, esses sim os que radicalizaram de lado a lado em muitas ocasiões– Collor é o melhor exemplo.
Lula somente alcançou o Poder quando emitiu sinais de aggiornamento e moderação, figurativamente o "Lula paz e amor". Senão, o governo não teria lhe ocorrido.
Pois bem: no cenário atual de crescente instabilidade institucional que, por detrás de calma aparente no curto prazo, conspira contra a manutenção da paz social no longo prazo será necessário que o centro político "vá ao povo" com discurso firme contra os desmandos e a irresponsabilidade dos atores políticos. Que pregue a ordem na campanha e a imponha no governo. Fazer alianças partidárias, ganhar tempo de TV, fazer aliados na Federação, lançar programas de governo em gabinetes, manter-se acanhado, longe do povo, perante os grandes temas nacionais são estratégias muito limitadas para momento tão desafiador. A "pequena política" nunca foi tão minúscula. (Difícil os políticos tradicionais acreditarem, eu sei!)
Feita a campanha será necessário não trair o povo. O risco de descontrole é real, justificado e, por enquanto, pouco debatido publicamente. A crise é por dentro das instituições, algo menos aparente, mas muito mais profundo.