As instituições estão em frangalhos.
Verificada a gravidade do momento político e econômico do Brasil, vê-se duas visões em curso cujas pretensões são a de ativar o país. A primeira é o reflexo direto (a partir do Executivo) do caráter tecnoempresariocrático do governo Temer. Trata-se da visão prescritiva sobre aquilo que deve ser feito para a superação da crise. A segunda é a perspectiva derivada da realidade política do que pode ser alcançado.
No que se refere à visão prescritiva verifica-se que o governo está a pregar e elaborar propostas de políticas econômicas cuja natureza é completamente aderente aquilo que se acredita ser o estado da arte da solução dos problemas brasileiros – talvez não seja tanto assim! A principal dessas medidas é a reforma da previdência social de cuja fonte brota um imenso déficit. As contas previdenciárias estão abaladas pela conjuntura depressiva da atividade econômica que jogou na rua milhões e milhões de famílias, sem emprego e sem a possibilidade de se arranjarem do ponto de vista de renda disponível em outra posição. Há, verdade seja dita, desesperada corrida pelo emprego. De fato, o trabalhador brasileiro acaba tropeçando no subemprego ou em atividades nas quais a renda é mais esporádica e escassa. Do lado do capital vê-se um desempenho igualmente irregular e oscilante em relação à recuperação da produtividade perdida desde a desastrada adoção do analfabetismo econômico de Dilma Rousseff. A ocupação da capacidade ociosa tem sido mais lenta que o esperado e a queda bastante lenta da taxa de juros é erro grosseiro da política econômica. Poucos ousam criticar essa mazela monetária vigente vez que se pode associar o distinto analista com a feição dilmista da irresponsabilidade com a inflação e finança pública. Ademais, a taxa de câmbio se valorizou por força dos dinheiros voláteis que passeiam no mundo atrás de arbitragens que lhes sejam favoráveis. Trata-se do financismo puro e simples: problema brasileiro e mundial.
No contexto econômico acima delineado o Brasil nem é competitivo e, nesse momento, nem é barato para abrigar volumes razoáveis de verdadeiro investimento (capital para expandir a infraestrutura, apenas para citar um exemplo emblemático).
Também sai do ventre governamental uma certa gama de medidas, digamos, estruturais. Aqui vê-se que o setor de petróleo ocupa certo espaço para se recuperar face às medidas que facilitam a formação de grupo de investidores, independentemente da Petrobras. Também os setores de concessões de estradas e aeroportos e, quiçá, portos, estão a vislumbrar esperança de investimentos – não me refiro a simples transferência de propriedade de ativos públicos, mas a construção de outros mais, isso é verdadeiramente "investimento".
De modo geral, a visão prescritiva conta com o apoio do capital e, infelizmente, está às cegas, por parte do trabalhador. Especificamente no caso da previdência social a coisa é grave, pois a modificação das regras de aposentadoria e de direitos presentes e futuros no que tange à concessão de outros benefícios previdenciários está sob os obstáculos congressuais e a propaganda sindical, ambas imbuídas de racionalidade imediatista e irresponsável que exploraremos a seguir. A proposta de Temer e seus asseclas é razoável, mesmo que reparos relevantes no que tange às regras de transição entre o regime ancião e o proposto mereçam substanciais melhorias.
Já no campo derivado da política a coisa toda vai mal. A corrupção espalhada por todo o sistema somada ao financiamento de campanhas eleitorais (e de políticos e partidos) está sob cerrada contestação judicial e sem nenhuma solução prospectiva. A lista de delações premiadas vai trazer mais notícia para a tela da televisão, mas não trará propriamente "novidades" políticas. Sabe-se de antemão sobre o conteúdo essencial que as cortes do Judiciário, notadamente o STF, analisa. Há duas artimanhas graves que estão a rondar o cenário. A primeira é que a ausência de funcionalidade política-estatal dissocia cada vez mais a política real (aquela que é) e a Política necessária (aquela que deveria ser com "p" maiúsculo). Ora, num país como o Brasil verifica-se que a dissociação entre Política e Poder é muito mais grave que aquela que se verifica sob Trump ou Hollande, apenas para citar dois nomes que explicam bem o que se deseja expressar. Por essa lógica (ou ausência dela) a sociedade não adere às pretensões prescritivas desse governo ou de qualquer outro que venha a substitui-lo a partir da mesma base estrutural cuja origem é o Congresso Nacional. Não à toa que a denominada elite hesita em derrubar institucionalmente o atual presidente, via um julgamento na corte eleitoral, por exemplo. O que virá pode ser ainda mais incerto, diga-se.
Feito esse raciocínio, vê-se que as chances das prescrições (mais acertadas que erradas) do governo encontrarão do lado derivado insuperável barreira. Ou seja, os políticos do Congresso, os quais detêm o poder formal, usarão suas armas (votos e proselitismo de toda natureza) para conter o poder real (da sociedade) para fazer o país andar para frente. Com isso não há progresso material que possa se sustentar diante dessa inequação. A consequência é que a conjuntura do país será de, do ponto de vista econômico, social e político, no mínimo, errática. Para a solução racional dos problemas econômicos, a classe política expressará e formulará as suas prescrições para que estas lhes sirvam e as resgatem do calabouço judicial. A desigualdade entre o poder real e o poder formal será preenchida por múltiplas e, possivelmente, incompatíveis propostas de políticas. Não há suicídio em matéria política, saibam os navegantes do mercado: políticos buscam soluções para si e para o país, nessa ordem de preferência.
Há saída para esse quadro dificílimo? Sim, há! Depende da mobilização da sociedade, desde que interessadamente e no sentido certo. Uma nova Constituição pode ser a forma para tirar o país desse lamaçal.
As instituições estão em frangalhos, mesmo que não estejamos sob o Ato Institucional nº 5, o diploma-símbolo da ditadura militar.
Constituinte já!