Por esses dias lembrei-me do brilhante ensaio do eminente sociólogo de "esquerda" Francisco (Chico) de Oliveira que em 1972, portanto escrito há quarenta e cinco anos, intitulado de "Crítica à Razão Dualista". Neste clássico da economia/sociologia política brasileira, Chico analisa com profundidade o conflito do desenvolvimentismo brasileiro da época que combinava as raízes arcaicas do capitalismo brasileiro com o vigor do desenvolvimento capitalista de então.
Pois bem: parece-me que, depois de mais de quatro décadas, o ensaio não perdeu vigor teórico no que tange à metodologia analítica que na veia marxista-cepalina (de CEPAL – Comissão Econômica para América Latina da ONU) é capaz de jogar ao debate os temas mais atuais do Brasil. Todavia, há dois aspectos notáveis a serem incorporados na equação de Chico que inclui o arcaísmo social e político com a modernidade econômica dos anos 1970. O primeiro é que não há mais vigor industrial ou, até mesmo, industrializante. O que temos hoje na economia brasileira é um setor de serviços tão representativo quanto os países mais ricos em termos de participação no PIB. A indústria brasileira não apenas perdeu a dinâmica dantes: de fato, é um setor arcaico, superado, não-competitivo e que, ainda, capenga na busca de subsídios e favores do Estado. Do arrojado edifício da avenida Paulista, 1313 o que sai da toca tem o rosto de Paulo Antonio Scaf sobre quem nada se recorda em termos de empreendimento industrial relevante. Ficamos aparentemente mais ricos quando se vê o setor de serviços, mas isso é apenas uma miragem: a ausência de um setor industrial mais moderno é marca do atraso, do subdesenvolvimento.
O segundo aspecto é que do ponto de vista político temos, de fato, as instituições em frangalhos, com a chaga profunda da corrupção, do clientelismo, do favorecimento descabido e da ausência de projeto nacional mínimo que insira este país adormecido no cenário mundial, quiçá no latino-americano.
Essa breve digressão serve para alertar aos passantes pelas tais mídias sociais que eventualmente passam os olhos nesse artigo e aos eventuais leitores de verdade que esse pano de fundo precisa ser revisitado para que não nos percamos na análise da atual conjuntura. O Brasil está começando um ciclo de crescimento do PIB que se parece com a abertura política do governo Geisel: lenta e gradual. Falta-lhe, por certo, os adjetivos "seguro", "sustentável" e "longevo". Isso porque a política esfrangalhada, feita por canalhas de espécie conhecida, não fornecerá a tração necessária à economia. A denominada "elite política" está quase toda engalfinhada pelas delações da Odebrecht. Pouquíssimos escaparam da sina do que chamam de "caixa dois" ou da corrupção aberta, descarada, imoral, irresponsável e, até a Lava Jato, subterrânea.
Diante desse cenário como deixar de pensar de que hostes sairão os próximos representantes do povo e do governo? Do PMDB, PT, PSDB e demais partidos? Da velha oligarquia industrial? Ou da mídia, no estilo Trump? Vê-se que a menos de dois anos das eleições presidenciais e congressuais, não se sabe minimamente o que será da política do país. Sequer se sabe se esse governo sobreviverá à "inconfidência da imoralidade" de Marcelo Odebrecht et caterva. Aquilo que as pesquisas mostram é o cordial Lula, patrono de uma administração corrupta e populista, de um lado, e o tresloucado Jair Bolsonaro, de outro. É cedo para afirmar qualquer coisa, mas é o que se vê. Não despreze.
Há, por incrível que possa parecer e para surpresa de qualquer analista sério, a crença sobre a solidez das instituições brasileiras. Fico pensando: se nos EUA, país extraordinário em termos de solidez institucional, a elite política e econômica teme Donald e sua turma, o que se pode dizer desse nosso país? Ou será que estou a argumentar um absurdo? Sugiro que revejam como foi sabatinado no Senado Federal, o então ministro da Justiça Alexandre de Moraes, aquele que foi ungido para receber parcela do denominado Poder Estatal, no caso, localizado no STF.
Também não posso deixar de especular o que pensam os detentores do poder econômico. Como pode estar minimante tranquilo um banqueiro ou um empresário quando se vê o caos político do país? Vale dizer que, numa linguagem típica do mercado financeiro, o risco político não é diversificável em termos do portfólio de oportunidades que o Brasil oferece. A opção, como se sabe, é fazer como o detento Eduardo Cunha e investir no exterior, quem sabe, via um trust na Suíça.
A recuperação da demanda que ora se espalha pelos setores e segmentos econômicos é verdadeira, mesmo que tênue. Teremos um crescimento "estatístico", entre 1,0% e 1,5%. A inflação cai porque a demanda despencou e porque os alimentos estão caindo depois de elevação de preços por anos. As finanças públicas não se equilibrarão sem reformas e, também, porque a taxa de juros é desequilibrada – finalmente, parece raiar algum debate sobre o tema. O setor externo melhora porque as commodities subiram e somos um país agrícola competitivo, diante de nosso atraso tecnológico e industrial.
Deveríamos estar um pouco mais otimistas, não é mesmo? Até mesmo essa entidade, o mercado, deveria caminhar por vielas mais ensolaradas. Todavia, a muralha da política não deixará ninguém ultrapassá-la se não for por meio de mudanças estruturais, o que não se vislumbra, assim como na economia. Ademais, o povo sofrido e ignorante deve repetir os votos nas urnas eleitorais na mesma espécie de políticos que se constituem em grupo armado a assaltar o Estado e a Nação.
Não dá para ficar otimista, perdoem-me. A ficção pode fazer sentido, mas a verdade não deixa o delírio prosseguir.