Decifra$

Depois do impeachment

Veja como fica a economia após o impeachment.

23/8/2016

Alguém realmente pode acreditar que a presidente Dilma Rousseff poderá sobreviver ao processo de impeachment? Pois é: a resposta parece ser óbvia, mas o comportamento atual do governo parece coincidir com a sua condição formal de "interino". Assim, o presidente Michel Temer persistiu em esperar pela efetivação do que sabe acontecerá no Senado Federal para lançar a sua "verdadeira política econômica". Aqui vale registrar que a visão interna dos palacianos sobre um fato pode ser apenas "mais uma" informação a ser acrescida ao processo decisório ou é "a" informação que acaba por definir a ação governamental. O segundo modo prevaleceu em Brasília.

Também está claro ao país que o processo de impeachment é das coisas mais atrasadas na política brasileira: a convivência de fundamentos políticos com processamento penal na Constituição de 1988 e na lei 1079/50 simplesmente paralisa o país por pelo menos dois anos, senão por um mandato presidencial inteiro. Melhor um recall bem concebido que joga responsabilidade para o Congresso e para o Executivo. Quem fará a alteração?

Enquanto a "verdadeira política econômica" de Temer não pode ser implementada por completo, está evidente que o desempenho da economia brasileira já tomou o leito que tínhamos delineado neste espaço. Vejamos.

Neste ano, quando já estava evidente que Dilma Rousseff seria afastada, o risco-país, calculado com base nas cotações de títulos soberanos brasileiros com prazo de vencimento de cinco anos, descontados pela taxa de juros equivalente dos títulos do Tesouro dos EUA, já caiu mais de 50% para 252,55 pontos (ou, 2,53% ao ano). Apenas em agosto o risco-país caiu cerca de 13%.

Na margem, ou seja, ao longo dos próximos 12 meses, a economia brasileira está crescendo entre 1,5% e 2,0%. A taxa de juros já incorpora o início de um ciclo de afrouxamento monetário no último trimestre de 2016. A taxa de câmbio que ameaçava ir a R$ 4,00 por dólar sob Dilma Rousseff, caiu para R$ 3,20-R$3,30 na breve gestão de Michel Temer. Em breve teremos o fim do crescimento do desemprego e o início da recuperação do consumo, em particular, e da atividade industrial, em geral.

O grande problema desse processo positivo não é propriamente a sua "'sustentabilidade" como se tem debatido por aí. A meu ver o maior problema é o da tração do crescimento do PIB. Não consigo imaginar o governo Temer tomando o rumo de Sarney nos anos 1980 o que levou o país à bancarrota e à hiperinflação obras mais importantes daquele imortal acadêmico. O paulista de Tietê sabe que a utilização da economia como alavanca de ocasião terá vida curtíssima num mercado globalizado como o atual. Sarney viveu sob a égide da economia fechada, na qual a solvência interna poderia ser financiada pela inflação desmensurada. Hoje, a hiperinflação levaria o crédito ao sistema financeiro à lona e haveria contaminação difícil de se prever. Vale notar que hipoteticamente se pode especular sobre qualquer coisa em matéria de economia. Já no campo da realidade factual poucas especulações teóricas sobrevivem. Não foi a irracionalidade econômica que levou Dilma ao impeachment? Ou há quem creia que tenha sido, de fato, as "pedaladas"? Confundir análise material com argumento formal é erro crasso.

Apesar do desperdício de tempo que é discutir se Dilma sobrevive, creio que o governo insiste no erro ao não agir mais agudamente para viabilizar maior tração do crescimento do PIB. A mitigação da política fiscal em troca de apoio (apenas formal) no Congresso é destes equívocos que demonstram que governos não agem com base em expectativas racionais, mas com base em expectativas políticas o que é um pouco mais que racionalidade strictu sensu. A redução cabal do déficit primário é condição básica para reduzir a taxa de juros real de algo em torno de 8% para, digamos 4%. Considerando um resultado externo (conta corrente) neutro, o crescimento poderia voltar, na margem para algo entre 3,0 e 3,5%. Vale notar que maior crescimento melhora a arrecadação que, assim, pode alavancar o resultado fiscal, se a tentação do gasto corrente não for atendida pelo governo e pelo Congresso. Daí a importância de se aprovar o tal do "teto dos gastos públicos".

Há ainda outra questão política de maior peso que o imaginado: a desconfiança de que Henrique Meirelles será candidato ao Planalto em 2018 tem jogado água fria nas discussões entre o PSDB e o governo. Ministro-candidato retira credibilidade da Fazenda e joga para as traças da política partidária a discussão da política econômica. Vale dizer que Meirelles não poderá, não saberá e não conseguirá esconder suas ambições. Logo, o seu compromisso com a política econômica de Michel Temer e não com a candidatura terá de ser mais que mera negativa via o Facebook.

Por fim, é preciso que o Planalto se prepare para outra luta: a ideológica. Lula e o seu PT conceberam e levarão à prática a ideia genérica de que se fossem mantidas as balizas econômicas do lulismo tudo estaria diferente. Por esse discurso, as dores de parto que a política econômica atual emite não existiriam sob a batuta do ex-metalúrgico grevista que se tornou metamorfose ambulante.

É erro crucial do governo não estar preparado para o confronto ideológico e não se estruturar para tal. Na política é preciso ganhar mentes e braços para executar as pretensões das políticas governamentais. Logo, será preciso sair a campo e demonstrar que o lulismo foi política ocasional sustentada pelo bônus externo das commodities e que, por ora, não é possível executar o que naquela hora foi feito. Ademais, é preciso convencer o distinto cidadão-eleitor que políticas insustentáveis custam caro e o exemplo é aqui e agora: estamos a pagar o custo do dilmismo que pode ser definido como o "lulismo sem o bônus externo, com pleno analfabetismo econômico".

Por fim, temos a operação Lava Jato. Nesse ponto, Lava Jato rima com política de juros do Federal Reserve. Qualquer especulação sobre o curso futuro dos fatos não passa de mera inutilidade. Melhor jogar os búzios e saber a respeito, com o devido respeito.

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Colunista

Francisco Petros Advogado, especializado em direito societário, compliance e governança corporativa. Também é economista e MBA. No mercado de capitais brasileiro dirigiu instituições financeiras e de administração de recursos. Foi vice-presidente e presidente da seção paulista da ABAMEC – Associação Brasileira dos Analistas do Mercado de Capitais e Presidente do Comitê de Supervisão dos Analistas de Investimento. É membro do IASP - Instituto dos Advogados de São Paulo e do Corpo de Árbitros da B3, a Bolsa Brasileira, Membro Consultor para a Comissão Especial de Mercado de Capitais da OAB – Nacional. Atua como conselheiro de administração de empresas de capital aberto e fechado.