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Governo Temer: Legitimidade, natureza, objetivo e ideologia

O colunista analisa aspectos do governo Temer.

17/5/2016

O sinal de alguma luz nos direciona.

O réquiem para o governo da (ainda) presidente Dilma Rousseff é significativo do ponto de vista político, vez que provavelmente representará do ponto de vista material o fim do mais importante partido de esquerda, desde a inauguração da República. Ao abraçar a corrupção e as teses atrasadas da velha esquerda populista da América Latina, o PT traiu o eleitorado que tinha conquistado (em treze anos), a classe média, bem como as fileiras dos intelectuais e profissionais independentes. Os tais movimentos calcados nas redes sociais são a "novidade" do momento, mas não conseguem arregimentar ideias que possam ser organicamente prosperadas. Acabam por protestar sem nada de concreto a propor e a dialogar com a sociedade.

O certo é que a política brasileira vai de mal a pior. O sistema está carcomido por amplo processo de corrupção, nepotismo, patrimonialismo e outras mazelas que distorcem a democracia. Em Brasília não há que não tenha chegado pelo voto, mas isto não é elemento de legitimação concreta para o razoável exercício do poder político da representação. É meio para a obtenção de favores que repulsam a mais desinformada opinião pública. O cenário não é apenas árido, é verdadeiramente desértico.

Em relação ao governo do presidente interino Michel Temer é preciso que nos concentremos naquilo que de concreto nos defrontamos. As muitas especulações, sem conteúdo analítico, sobre as suas ações e a composição do governo acabaram por obscurecer a essência do governo.

Em primeiro lugar, temos a discussão de sua legitimidade. Ora, aqui o tema nos parece cristalino. Michel Temer tem, sem dúvida, a legitimidade legal para o exercício da presidência, mas sem os votos populares da titular. Terá de alcançar a legitimidade política por meio do carisma de sua liderança. Aqui, dois aspectos estão claros: (i) ele adquire imediatamente amplo apoio da mídia local a qual parece estafada pelo combate ao governo anterior e (ii) as primeiras medidas econômicas serão relevantes (e não decisivas, como se propaga) e são de boa cepa. Tudo leva a crer que a figura presidencial será bem trabalhada e que resultados consistentes virão do lado de seus índices de popularidade.

O segundo aspecto a ser observado diz respeito à natureza do governo. Parece claro que Michel Temer e seu staff ponderaram bem as possibilidades de constituição do governo e os objetivos a serem atendidos. De um lado, a proposição imagética de um governo de notáveis, de constituição social plural e influente, mas poucos links no Congresso. De outro, um governo parlamentarista, para controlar as ações necessárias à economia e à política, nessa ordem. Chegou-se à conclusão óbvia de que com o atual modelo político é melhor chegar "inteiro" ao final do termo presidencial que ser espedaçado por uns irrelevantes decretos presidenciais, conforme Dilma Rousseff foi. Com efeito, Michel Temer instalou no Brasil o parlamentarismo sem que tivesse de mudar a Constituição Federal. O que temos é isso aí: o Congresso sobre o qual se teme a representatividade, tomou conta da administração pública. Viveremos com isso o que requererá mais atenção à pauta legislativa e ao andamento das matérias no Congresso. Para quem tem interesses a defender, vale contratar um bom correspondente em Brasília.

O terceiro ponto diz respeito ao objetivo primordial do governo. É necessária e, portanto, límpida, a convicção que, sem consertar a economia não há concerto na política. Aqui, a escolha de Temer, sobre a qual já comentamos neste espaço, é tecnoempresariocrática. Temer não veio para corrigir problemas controversos, é bom lembrar. Veio corrigir o inegável analfabetismo do governo anterior em assuntos econômicos. Erros crassos – com a devida escusa ao romano Marcus Licinius Crassus que apesar do erro histórico, tinha ares de estadista – foram cometidos por Dilma Rousseff e seus vários auxiliares econômicos naquilo que é básico para as identidades econômicas. Assim, a correção da economia depende muito mais da política que das concepções acrobáticas dos economistas. Os ajustes no orçamento e a redução gradual da taxa de juros trará a economia para o crescimento medíocre de 1% ou 2%, nível próximo da produtividade normal da economia brasileira. Dilma et caterva geraram em vinte e quatro meses, 9% de queda no PIB e 10% de queda de receita consolidado do setor público. Se a economia crescer, o lado fiscal melhora. Simples assim. Com efeito: o olhar de Temer é que a política econômica seja "certinha" (técnica), voltada para o empresariado que forma a "opinião pública" na matéria. Daí o governo tecnoempresariocrático.

O quarto e último aspecto que merece observação intensa ao governo Temer é o seu teor ideológico – aqui não há de se falar em natureza ideológica em um governo fragmentado posto que é parlamentarista.

Ao escolher o lema Ordem e Progresso Michel Temer não retornou aos primórdios da Republica para atrair a visão positivista para dentro do governo. De fato, a fachada demonstra a tentativa de produzir uma catarse na qual a Ordem se opõe frontalmente à desordem anterior, seja na economia, seja na política. Dessa forma, Temer procura inocular o distinto público, arisco com os políticos em geral e ao petismo, em particular, contra os possíveis arroubos relativamente às medidas de sua política econômica. Greves, passeatas, protestos e a pregação sobre o golpe aplicado no governo anterior, tem de ser vistos pela população como uma agressão à Ordem. Esta última é necessária à paz social, mas muito mais útil ao governo. Já o Progresso tem o objetivo de incensar o ambiente de melhora gradual da economia com o cheiro bom do desenvolvimento. Aqui o jogo do governo em exercício é trazer para o meio empresarial a noção de que a política econômica é sustentável. Além do governo trazer a economia para a trilha da boa gestão, esquecida por Dilma, é preciso alimentar os investimentos. O tempo é curto, mas faz sentido já que a taxa de investimento no Brasil é deplorável, especialmente após a derrocada da Petrobras. Assim, o lema poderia facilmente ser substituído por Segurança e Desenvolvimento.

Apesar de todas as dúvidas existentes e das nuvens carregadas que exasperam aqueles que pensam a democracia brasileira, parece razoável que se tenha certo otimismo com Temer. Haverá crescimento contínuo e gradual. No início é difícil acreditar, assim como foi difícil verificar que o PIB caiu para o nível atual. Para justificar o otimismo, não se deve exercitar o gosto pessoal para a apreciação política do (novo) governo. Muito menos olhar os titulares das pastas ministeriais como se fossem notáveis aristocratas. Estamos em Waste Land, como no poema sombrio de T.S. Eliot. O sinal de alguma luz nos direciona. Não há alternativa, essa é a verdade. O resto é sociologia de espécie desconhecida num cenário político devastado.

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Colunista

Francisco Petros Advogado, especializado em direito societário, compliance e governança corporativa. Também é economista e MBA. No mercado de capitais brasileiro dirigiu instituições financeiras e de administração de recursos. Foi vice-presidente e presidente da seção paulista da ABAMEC – Associação Brasileira dos Analistas do Mercado de Capitais e Presidente do Comitê de Supervisão dos Analistas de Investimento. É membro do IASP - Instituto dos Advogados de São Paulo e do Corpo de Árbitros da B3, a Bolsa Brasileira, Membro Consultor para a Comissão Especial de Mercado de Capitais da OAB – Nacional. Atua como conselheiro de administração de empresas de capital aberto e fechado.