A presidente da República Dilma Rousseff caiu por força da desastrada administração da economia no seu primeiro mandato – no segundo sequer chegou a presidir de fato o país em função da crescente tsunami parlamentar e popular que se formou contra o seu mandato presidencial. Simples assim. Do ponto de vista meramente teórico, esta derrocada não seria possível por ausência de evidente crime que justificasse o feito do processo de impeachment. Dada a amplidão das possibilidades desse processo, realizou-se o destino histórico da presidente. Caiu sob pesada votação contrária a seu governo o que deve se confirmar no Senado Federal.
O novo presidente da República Michel Temer terá escasso tempo para informar à população sobre as suas pretensões como novo chefe do Executivo. Todavia, o reduzido espaço de manobra é maior que sugerem os analistas. Vejamos.
A economia brasileira está em estado de depressão. Não propriamente a depressão ocasional, fruto de crises sistêmicas, mas aquela que decorre da ausência absoluta de perspectiva política. Sem horizonte, o consumo e, sobretudo, o investimento se acovardam e, assim, instala-se um processo em espiral de redução da demanda agregada. Foi assim que, no ano passado, as previsões de queda do PIB de apenas 1% nas pesquisas junto ao mercado financeiro foram desmentidas pela constatação de que a recessão era muito mais profunda – perto de 4% de queda da atividade econômica. Este ano, o PIB cairá mais 2,5%, mas há perspectiva. No caso essa perspectiva vem de Temer.
A formação do governo Temer será de caráter "tecnoempresariocrático", ou seja, com formação majoritária de tecnocratas, tais como, Henrique Meirelles, Armínio Fraga, Nelson Jobim e outros fortemente apoiados pela classe empresarial (mesmo que parlamentares). Isso porque o pacto de Temer será com as elites que podem lhe proporcionar virada espetacular nas expectativas políticas e econômicas. Ademais, contará com mídia pouco crítica no curto prazo dado o trauma pelo qual o país se defronta desde 2014. Da mesma forma, as movimentações nas avenidas, com o povo de camisa amarela, devem refluir substancialmente, mesmo que o governo permaneça "sob velha direção".
Do ponto de vista político não restam dúvidas de que o Congresso Nacional será escrutinado com duras medidas econômicas vindouras do Executivo, inclusos possíveis aumentos de tributos, há pouco negados à presidente que tombou. Suspeito que, mesmo com muita marola, os senhores deputados e senadores não hesitarão em assinar medidas como essa. Governo novo tem extraordinário poder de atração de parlamentares esperançosos por espaços para os seus apaniguados e acalantos para os seus projetos que oneram o Erário e eventualmente param em bolsos alheios à res publica. Esse "poder de atração" dará legitimidade para Temer agir rápido e, possivelmente, com eficácia.
Restaurada a confiança, mesmo que parcialmente, se verá que a espiral negativa pode se tornar um processo construtivo para que a demanda retorne. Maior demanda, menor risco fiscal, menor taxa de juros, câmbio menos valorizado e menor inflação. Vale dizer que quanto a este último item há que se recordar que não há mais nenhum preço em forte desequilíbrio na economia brasileira: o dólar está valorizado, as tarifas públicas foram ajustadas, os salários estão deprimidos e, de forma geral, não há mais as pressões de custos oriundos do ajuste promovido pelo governo no último ano e meio para corrigir as mazelas que ele mesmo provocou. Há que se ressaltar também que o nível satisfatório das reservas internacionais, por ora, compensam a lastimável situação de crédito pós-rebaixamento do grau de investimento.
Como se vê, não estou pessimista com a economia no curto prazo (seis a dezoito meses). Creio que o novo protagonista da nação deve encontrar tempero certo para promover os (óbvios) ajustes que a presidente Dilma Rousseff não foi capaz de promover.
Os grandes riscos do país são estruturais e aí a lista é tão enorme que não é o caso de começar com digressões sobre o analfabetismo generalizado até a ausência de tecnologias competitivas. O Brasil precisa decidir se quer ser um player global ou se almeja ser um gigante com postura de anão. Essa decisão, por óbvio, está muito acima das capacidades deste novo governo Temer. Seu caráter "tampão" e a ausência de legitimidade política imediata lhe retira, pelo menos pelo que é possível se vislumbrar, a possibilidade de que tenhamos uma virada histórica para o país. Isso seria tarefa para Churchill, Roosevelt ou De Gaulle, a meu ver.
Do ponto de vista político teremos de ter muita atenção aos tais "movimentos sociais". Sinceramente, acredito que essa gente pode até perturbar o andamento do novo governo, mas tenho severas dúvidas se esses movimentos têm representatividade para engendrar aventuras maiores que as passeatas que executam. Se nas avenidas de "verde-amarelo" temos multidões sem programa e sem liderança, os "movimentos sociais" tem liderança sem multidões. De toda a forma é ponto de atenção.
Por último, a tal da operação Lava Jato. Até agora este operação policial-judicial tem sido uma caixinha de surpresas na qual, paradoxalmente, a presidente tombada não foi pega, mesmo que a sujeira do PT tenha resvalado para o Palácio do Planalto e da Alvorada. Ocorre que parte relevante das lideranças que ocuparam o microfone da Câmara dos Deputados nesse domingo estão nos anais da Lava Jato, a começar pelo presidente da casa baixa do Congresso Nacional, Eduardo Cunha.
É a descoberta da rapinagem o maior risco para a estabilidade da política formal de Brasília. A coisa é séria. Já vimos.
Todavia, o cenário, digamos, "alternativo" para a Lava Jato é a possibilidade concreta do "abafa". É difícil fazer considerações sobre como se dá um "abafa", mas temos de reconhecer que a história destes "tristes trópicos" comprova que a possibilidade é considerável e, quiçá, concreta. Digo mais: o "abafa" já faz sucesso hoje, pois afinal como alguém pode justificar que Eduardo Cunha sequer tenha sido julgado na tal da "Comissão de Ética" da Câmara dos Deputados? Ele está lá, sua esposa deve estar jogando o tênis aprendido em Miami com a filha do parlamentar fluminense na ampla casa do Lago Sul. Esta é a realpolitik do Brasil. Não devemos esquecer.
Temer é o sinal de melhora no curto prazo. A penca de problemas, por enquanto, ficará estacionada na garagem, no caso, na nossa garagem.