Está evidente que o governo da presidente Dilma Rousseff acabará de forma trágica. A presidente cairá sob o patrocínio do Congresso Nacional em função de sua extraordinária incapacidade para comandar o país, do ponto de vista institucional, econômico e político. Vale ressaltar que estritamente do ponto de vista ético a primeira mandatária do país permanece bem acima de seus algozes. Neste sentido, o Congresso Nacional, inicialmente na Câmara dos Deputados, aplicará um golpe institucional dos mais ferozes. Os fundamentos legais e constitucionais para o desencadear do processo de impeachment são frágeis. Mais: a pressa e a insistência dos agentes políticos, inclusos os localizados no Poder Judiciário, em afirmar que 'impeachment não é golpe' evidencia a dor da consciência jurídica que o tema arrasta. Todavia, parece certo que o fantasma da presidente Dilma Rousseff será puxado para as profundezas, tal qual Eurídice, e o PT cantará com sua harpa desafinada entre as sombras o golpe sofrido tal qual Orfeu.
Com a queda da presidente Dilma Rousseff, comenta-se abertamente, surgirá uma administração composta pelos melhores – seria o retorno da aristocracia? Uma coalizão de partidos daria suporte ao novo presidente, o atual vice Michel Temer. Como decorrência deste processo, a economia retornaria ao doce leito da racionalidade. Os efeitos seriam altamente benéficos: a inflação declinaria para dentro do túnel da meta de inflação, o déficit fiscal seria controlado engendrando a condição básica de redução do estratosférico juro básico da economia brasileira, o crédito do país melhoraria em direção da recuperação do grau de investimento (daqui a alguns anos) e o crescimento econômico seria o corolário deste processo. Será?
Aqui temos de ser cuidadosos. Vejamos.
No que diz respeito à racionalidade econômica é bastante provável que a reação dos agentes seja muito favorável à nova administração de Michel Temer. A economia está cambaleante desde o final do primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff vez que houve seguidos abusos às identidades básicas da economia, sobretudo no que diz respeito ao déficit fiscal e à política monetária, cujos pressupostos mais singelos foram conflagrados pela presidente e seu secretário do Tesouro Arno Augustin. Foi essa incompetência que atraiu crescentes hordas de adversários, antes silenciosos ante o "fenômeno Lula", para o centro das manifestações para derrubar o governo de Dilma o qual, mesmo ungido pelo processo eleitoral, permaneceu hostilizado por parcelas majoritárias dos mais importantes agentes econômicos.
Não há possibilidade visível, a não ser no imaginário petista, de que a presidente possa voltar a comandar a economia. Se permanecesse, Dilma Rousseff continuaria fustigada pelos atuais algozes. Sua administração não tem mais confiabilidade. Simples assim.
Com Michel Temer, não será difícil fazer a economia ganhar tração, seja de atividade, seja de otimismo. A mera restituição de credibilidade resolve boa parte do problema fiscal. Grande parte dos rombos das contas públicas, seja na federação, seja nos Estados e municípios, se deve à dramática queda da atividade. Ademais, não há crise cambial iminente e, apesar da taxa elevada, a inflação está sob o controle (inseguro) da recessão galopante. Com Armínio Fraga ou outro de igual quilate na liderança da economia, o país voltará a caminhar para frente. Ou seja, o tal do ajuste necessário à economia será relativamente rápido no que concerne ao controle das variáveis mais relevantes, algo entre seis meses (mínimo) e um ano e meio (máximo), dependendo do grau de entusiasmo que os novos líderes econômicos atraiam para as suas propostas. A pregação em relação ao caos econômico é exagerada pelas condições políticas deploráveis do momento.
Agora, precisamos visitar a outra variável deste processo: a política.
A queda da presidente Dilma será feita por uma classe política que está profundamente mergulhada nas mazelas da corrupção, do nepotismo, do uso dos bens públicos para fins privados, pelo tráfico de influência, pela chantagem política, pela ausência de propostas de concreto interesse público, pela incoerência ideológica, pelo patrimonialismo, pelo compadrio e outras corrupções da política. O que está a ocorrer agora é apenas uma recolocação das forças políticas no campo de Michel Temer. Tais forças são as mesmas que estão engalfinhadas pelas acusações do juiz Moro e do STF. Conceitualmente, são as mesmas que sustentaram, até mesmo, o hoje imortal José Sarney e os seus noventa por cento de inflação!
Seria ingenuidade qualquer analista apostar que esta mudança de campo se dá, na falta de outra palavra, "gratuitamente". Certamente, o novo pacto de poder terá de visitar os penosos assuntos que loteiam a vara Federal de Curitiba e as escrivaninhas dos ministros do STF. Alguém minimamente versado nos comportamentos que prevalecem em Brasília sabe que há várias "moedas de troca" na política e isso inclui negociações sobre ações policiais e judiciais nas ativas Cortes Superiores. Ou será que tudo será feito na base do patriotismo e do supremo interesse público?
Chamou a atenção dos iniciados o fraseado cuidadosamente alocado na entrevista do Senador José Serra ao jornal "O Estado de São Paulo" (21/3/2016). In verbis: "O outro ponto é não retaliar o passado. O governo não deve realizar nenhum tipo de retaliação. Seja das que participam, sejam das que foram derrotadas". Ao que estaria se referindo o senador paulista? A que passado? Quem poderia retaliar? O que retaliaria?
O certo é que novo paradigma econômico não pode existir sem novo paradigma político. Ou será que o Congresso Nacional que tendo sido ocioso em implementar reformas nos últimos trinta anos, será firmemente reformista após a derrocada da presidente Dilma Rousseff? O que teria mudado no atual contexto? Ainda mais quando se sabe do ambiente de "corra que a política vem aí..." que reina desde os gramados do Congresso Nacional e ao redor da cimentada Praça dos Três Poderes. Improvável, simplesmente improvável um novo paradigma econômico sem o político.
Por tudo isso, o que veremos nos próximos seis meses será uma abrupta mudança econômica para melhor fruto da implementação da racionalidade na gestão que se perdeu ao longo dos últimos três anos e que provocou a desgraça instalada hoje.
De outro lado, pensar em reformas profundas e sérias no país seria apenas um devaneio. Nenhum paradigma político está a se formar em meio a essa crise na qual o país está atolado.
Norberto Bobbio informou-nos que "[...] os fins da política são tantos quantas forem as metas a que um grupo organizado se propõe, segundo os tempos e as circunstâncias". O que temos no Brasil é um grupo desorganizado na política. Os seus tempos e circunstâncias estão sob a lama, sobre a qual não nasce sequer única flor de lótus.