A recessão, cuja marca é a queda acima de 3% do PIB – meu número é de 3,5% - é sinal de que havia muito de errado na política econômica do primeiro mandato da presidente Dilma, bem como o fato de que o "bônus dos elevados preços das commodities" já tinha passado.
Todavia, este sinal é claramente exagerado pela profunda crise política do Brasil, essa de caráter estrutural tanto quanto às variáveis econômicas que pesam sobre a nossa competitividade. A (i) ausência de representatividade política coerente com os votos recebidos, (ii) a baixíssima qualidade dos congressistas para propor, exercer e fiscalizar políticas públicas, (iii) a elevadíssima taxa de nepotismo, patrimonialismo e corrupção, bem como, (iv) a "estrutura parlamentarista" da Constituição que favorece um ineficiente "presidencialismo de coalizão" para sustentar o presidente de plantão, são algumas das causas políticas do aprofundamento da recessão.
O que impressiona é que a sociedade brasileira aceite com significativa passividade a derrocada da atividade e dos negócios. Nem o capital, em tese mais organizado e comandado por interesses econômicos e nem o trabalho, cujo sistema sindical é atrasado, corrupto e incompetente, conseguem se mobilizar para que os políticos de Brasília se comportem um pouquinho melhor. O que se viu até agora foi um bloqueio sistemático de iniciativas legítimas e razoáveis do governo para fazer o tal do ajuste fiscal. Os políticos atordoados com as "bordoadas de jato" por conta da lavagem que andaram fazendo com o dinheiro público bloqueiam as ações governamentais e congressuais para criar um clima desfavorável à governabilidade em prol de certa amenização (nem sempre possível por parte do governo) de seus crimes de toda ordem. Goste-se ou não de Dilma Rousseff e sua administração, é fato que Eduardo Cunha, Renan Calheiros e outros segmentos políticos tem feito o que podem para chantagear o governo. Ou não é?
Com este quadro, a recessão, a qual poderia ser bem mais branda, está atingindo patamares muito acima do que deveria/poderia. Além disso, as condições e previsibilidade para o médio prazo (de seis meses a dois anos) estão em franca deterioração. Tudo sob os auspícios da classe política, inclusa a oposição que andou votando pelo caos fiscal. A sociedade quietinha espera que algo aconteça. E nada acontecerá de bom sem mobilização.
Agora o PMDB, conhecido pela sua formação rochosa que combina várias camadas e facções, se prepara para fazer o congresso da Fundação Ulysses Guimarães nesta terça-feira (17/11/15). A mídia tem dado enorme atenção a esse convescote, especialmente a respeito de um "plano" ou "projeto" denominado de "Uma Ponte para o Futuro". Interessante que todos se apressam para elogiar a iniciativa dos pemedebistas, mas há pouca reflexão sobre a natureza e a coerência do partido em relação a tais propostas. Terão lido o que lá está escrito?
As primeiras linhas do documento a ser discutido no congresso informam que:
"O Brasil encontra-se em uma situação de grave risco. Após alguns anos de queda da taxa de crescimento, chegamos à profunda recessão que se iniciou em 2014 e deve continuar em 2016. Dadas as condições em que estamos vivendo, tudo parece se encaminhar para um longo período de estagnação, ou mesmo queda da renda per capita. O Estado brasileiro vive uma severa crise fiscal, com déficits nominais de 6% do PIB em 2014 e de inéditos 9% em 2015, e uma despesa pública que cresce acima da renda nacional, resultando em uma trajetória de crescimento insustentável da dívida pública que se aproxima de 70% do PIB, e deve continuar a se elevar, a menos que reformas estruturais sejam feitas para conter o crescimento da despesa".
Ora, ora! Este é um diagnóstico já marcado, feito a pelo menos há vinte anos, sendo que o PMDB está e continua no poder durante todo esse tempo. Por que agora o partido mudaria a sua trajetória recente, qualificada por muitos como "fisiológica"? Vejamos as propostas (em itálico) e os meus comentários as principais propostas do PMDB :
a) construir uma trajetória de equilíbrio fiscal duradouro, com superávit operacional e a redução progressiva do endividamento público; Meu comentário: o equilíbrio fiscal que o partido prega para o futuro poderia começar a ser construído imediatamente. E por que não é?
b) estabelecer um limite para as despesas de custeio inferior ao crescimento do PIB, através de lei, após serem eliminadas as vinculações e as indexações que engessam o orçamento; Meu comentário: as principais e recentes propostas do partido no governo foram no sentido inverso da proposta agora feita, incluso o apoio aos maiores gastos na previdência social e para pagamento de servidores;
c) alcançar, em no máximo 3 anos, a estabilidade da relação Dívida/PIB e uma taxa de inflação no centro da meta de 4,5%, que juntos propiciarão juros básicos reais em linha com uma média internacional de países relevantes – desenvolvidos e emergentes – e taxa de câmbio real que reflita nossas condições relativas de competitividade; Meu comentário: que o desejo do partido seja realizado!
d) executar uma política de desenvolvimento centrada na iniciativa privada, por meio de transferências de ativos que se fizerem necessárias, concessões amplas em todas as áreas de logística e infraestrutura, parcerias para complementar a oferta de serviços públicos e retorno a regime anterior de concessões na área de petróleo, dando-se a Petrobras o direito de preferência; Meu comentário: o partido é a representação de nosso patrimonialismo e hoje faz odes à iniciativa privada. Que bom!
e) realizar a inserção plena da economia brasileira no comércio internacional, com maior abertura comercial e busca de acordos regionais de comércio em todas as áreas econômicas relevantes – Estados Unidos, União Europeia e Ásia – com ou sem a companhia do Mercosul, embora preferencialmente com eles. Apoio real para que o nosso setor produtivo integre-se às cadeias globais de valor, auxiliando no aumento da produtividade e alinhando nossas normas aos novos padrões normativos que estão se formando no comércio internacional; Meu comentário: É isso aí! Vamos globalizar. Estamos de acordo!
f) promover legislação para garantir o melhor nível possível de governança corporativa às empresas estatais e às agências reguladoras, com regras estritas para o recrutamento de seus dirigentes e para a sua responsabilização perante a sociedade e as instituições; Meu comentário: o PMDB foi um dos que mais indicaram, inclusive recentemente, para as diretorias das estatais, inclusa a Petrobrás. Vários diretores indicados do PMDB estão presos em Curitiba. Incluso o "operador do PMDB", o tal do Fernando Baiano.
g) reformar amplamente o processo de elaboração e execução do orçamento público, tornando o gasto mais transparente, responsável e eficiente; Meu comentário: viva!
h) estabelecer uma agenda de transparência e de avaliação de políticas públicas, que permita a identificação dos beneficiários, e a análise dos impactos dos programas. O Brasil gasta muito com políticas públicas com resultados piores do que a maioria dos países relevantes; Meu comentário: vamos rever tudo! Estamos de acordo!
i) na área trabalhista, permitir que as convenções coletivas prevaleçam sobre as normas legais, salvo quanto aos direitos básicos; Meu comentário: já conversaram com o Paulinho da Força, deputado do Solidariedade que é aliado eventual do partido e de Eduardo Cunha?
j) na área tributária, realizar um vasto esforço de simplificação, reduzindo o número de impostos e unificando a legislação do ICMS, com a transferência da cobrança para o Estado de destino; desoneração das exportações e dos investimentos; reduzir as exceções para que grupos parecidos paguem impostos parecidos; Meu comentário: o PMDB no Congresso e nos estados nos quais governa é um dos maiores empecilhos à reforma tributária.
k) promover a racionalização dos procedimentos burocráticos e assegurar ampla segurança jurídica para a criação de empresas e para a realização de investimentos, com ênfase nos licenciamentos ambientais que podem ser efetivos sem ser necessariamente complexos e demorados; Meu comentário: interessante a menção do partido aos "licenciamentos ambientais". Estaria a atender a ala agrária do partido, uma das mais conservadoras do Congresso?
l) dar alta prioridade à pesquisa e o desenvolvimento tecnológico que são a base da inovação. Meu comentário: bingo!
Como se vê essas propostas do PMDB são verdadeiras wishful thinking, ou seja, o desejo mais profundo de Alice alcançar o país das maravilhas. Mais: este documento não escreve nada sobre os sacrifícios necessários para alcance das propostas pemedebistas. Quem paga a conta? Quem há de sofrer os maiores efeitos da "modernização" proposta pelo velho partido de oposição ao regime militar?
Apesar da insignificância, digamos, "ontológica" do programa, não sejamos infantis e tolos: essas foram colocadas com amplo apoio do vice-presidente da República e presidente do partido Michel Temer, grifado neste último fim de semana pela mídia nacional com destaque para a capa de Veja. Consta que o vice de Dilma Rousseff se coloca como alternativa stand by, vívida e capaz de substituir a presidente a qualquer momento. Seria o caso de perguntar quem apoia este magnífico programa? As forças produtivas do país? A ativa sociedade brasileira? O aliado Paulo Scaf da FIESP, futuro candidato ao governo paulista? Não se sabe ao certo.
Por fim, não se conhece a posição do mais importante prócer pemedebista no Congresso Nacional. Eduardo Cunha ainda não despejou suas opiniões balizadas sobre o programa de seu partido. Logo ele, um exportador de carne.