Mesmo que não seja evidente para parte substancial da classe política, empresarial e sindical, a premissa de que um orçamento equilibrado é condição necessária para qualquer política econômica não causa grandes divergências entre aqueles que lidam com política públicas. Trata-se de uma das identidades mais básicas da economia: déficits nas contas públicas devem ser momentâneos, pois a sua existência continuada gera inflação, seja pela via do aumento da demanda geral, seja pelo aumento do endividamento público. O Estado transfere recursos, não os cria do nada.
Quando existem situações extremas de ausência de demanda (desemprego muito acima do equilíbrio, ausência de crédito bancário, etc.) como ocorreu em 1929 e 2008, justifica-se a adoção de déficits fiscais mais acentuados e continuados. Quando a demanda está superaquecida, como em 1999 (bolhas das empresas de tecnologia) ou em 1994 (pós-adoção do Plano Real) justifica-se a adoção da denominada política fiscal anticíclica, aquela que reduz déficits ou produz superávits para conter o excesso de demanda e, com efeito, a inflação futura.
A "natureza econômica" do ajuste promovido pelo governo, no qual pontifica Joaquim Levy na economia, está ligada à necessidade básica de reequilibrar a demanda via ajuste fiscal. Em princípio, este ajuste deveria/poderia ser rápido (dois anos), mesmo que tenha certa profundidade – superávit primário de 1,2% do PIB em comparação ao déficit em 2014 de 4% do PIB.
Obviamente, tal ajuste fiscal vem acompanhado pela redução do déficit nas contas externas e pela elevação da taxa de juros, sendo esta última altamente discutível em relação ao nível necessário de alta dos juros remunerados diariamente (overnight). Todavia, neste artigo abdico da discussão sobre taxa de juros.
O ponto que quero chamar a atenção é que o Congresso Nacional, sejam os partidos de oposição ou do governo, deveria se engajar na redução do déficit fiscal por duas razões básicas: (i) esta é inevitável para o sucesso de qualquer política econômica e (ii) porque se trata de oportunidade rara de "meter a colher" no orçamento e repensá-lo à luz do denominado interesse público. Em palavra mais direta, o Congresso Nacional, ao invés de verbalizar e praticar proselitismo político altamente duvidoso, deveria examinar conta a conta do orçamento e, assim, tomar a vanguarda do ajuste, ao invés de ficar na retaguarda dele. Vale lembrar que o orçamento deveria ser a peça-chave para o exercício da função parlamentar. Basta analisar os fundamentos que já emanados da Magna Charta em 1215, oitocentos anos atrás.
Eis a chance para o Congresso Nacional recuperar a sua soberania de facto. Feito isso, os congressistas poderiam começar a sair do abecedário da economia e se exercitar na aritmética básica da política econômica com o objetivo de responder uma perguntinha mais relevante que todo o debate infrutífero sobre o ajuste fiscal: como construir uma política econômica sustentável para desenvolver um país em processo de evidente desindustrialização, sem capacidade de superar o paradigma tecnológico do mundo moderno, com desigualdade social campeã mundial, analfabeto, sem acesso razoável à saúde, sem infraestrutura, com carga tributária considerável, um déficit previdenciário preocupante, sem moradias razoáveis e incrivelmente violento?
Como se pode verificar, a tal "perguntinha" básica e que realmente importa não é nada simples e é multifacetada. Diante de um orçamento público e das alternativas de política econômica (no campo da política externa, monetária e social), os senhores deputados e senadores se empenhariam em abrir picadas e estradas para tais discussões e pressionar o governo frágil e perdido da atual presidente para se engajar em algo consistente. Ou o país não merece isso?
Obviamente, os nossos eventuais leitores devem estar pensando em quão tola e "sonhática" é esta provocação que faço. Afinal de contas, este é o país no qual o presidente da Câmara dos Deputados se empenha em construir um shopping center anexo ao Congresso Nacional, o Presidente do Senado pagava as contas de uma amante via empreiteiras e pegava o avião da FAB para tratar as suas madeixas no Recife, o líder da oposição construiu um aeroporto na fazenda de sua família, e o Partido dos Trabalhadores é liderado por um palestrante de empreiteiras e está mergulhado até nas profundezas com a corrupção de seus líderes (e.g. Dirceu et caterva).
Tenho de reconhecer que este é o país que vivemos, mas ainda brota no coração uma ponta de esperança de que a sociedade se mobilize, com verdadeira liderança, e não por meio de manifestações inócuas em avenidas das capitais e grandes cidades do país. Um Brasil que reconheça que o Congresso Nacional em Brasília foi eleito e não está por acaso naquela cidade. É preciso fazê-lo funcionar no sentido correto. Isto só acontecerá quando a sociedade destampar os seus ouvidos.
Oportunidade para o Congresso
O orçamento deveria ser a peça-chave para o exercício da função parlamentar.