Existiam, até o final de 2012, cerca de 63.000 companhias de capital aberto ao redor do mundo. Até 2020, devem chegar a 95.000, segundo estimativas do Institute of International Finance. Desde total, aproximadamente 1/3 das empresas com ações e títulos com cotações em bolsas de valores estão localizadas nos EUA. Os outros 2/3 se dividem entre o Velho Continente, Ásia e, em muito menor proporção, na América Latina e África. O Brasil tinha 353 empresas de capital aberto ao final de 2012, equivalentes ao mercado de capitais da Mongólia e Vietnã. Em 1998, existiam 599 empresas brasileiras com cotações nas bolsas locais e internacionais. Dez anos depois eram 432 empresas. Ou seja, o número de empresas no mercado caiu a despeito da propalada entrada de investidores internacionais no mercado local.
Em termos de mercado de capitais o Brasil é um país subdesenvolvido, apesar de ser um promissor destino de investimentos dos investidores do primeiro mundo. Mercados de países como a Austrália e o Canadá tem aberturas de capital com valores iniciais de emissão da ordem de USD 30-40 milhões. Por aqui, as emissões normalmente têm volume médio entre US$ 500-1000 milhões. Ou seja, não há na prática nenhum espaço para as pequenas e médias empresas brasileiras participarem do mercado de capitais brasileiro. Para a maioria destas empresas só há recursos disponíveis do sistema bancário.
O raquitismo do mercado de capitais brasileiro tem causas conhecidas. Mesmo assim, as políticas governamentais e as práticas e regulações dos agentes participantes do mercado têm evoluído como se vivêssemos no primeiro mundo. Pouco se fez para atacar as principais barreiras para que emissões de capital ou dívida aumentassem e minimamente representasse o potencial do Brasil no que tange ao seu mercado de capitais. Obviamente, este tema requer uma ação holística, integrada e estratégica para que o desenvolvimento seja ao mesmo tempo significativo e seguro – não se pode construir um mercado deslocado de regulação adequada e competente. Portanto, as ações não dependem apenas do Estado, no exercício de sua função desenvolvimentista e regulatória, para que o mercado dê uma arrancada. Também os agentes privados precisam agir para a consecução de um projeto comum de mercado. Vejamos alguns destes aspectos que precisam ser atacados em prol do mercado de capitais brasileiro.
Do ponto de vista macro, relaciono três dos principais empecilhos para o desenvolvimento do mercado: (i) a elevada taxa de juros básica. Logo, desequilíbrios presentes ou prospectivos da inflação conspiram contra o mercado, na medida em que se espera que a autoridade monetária entre em campo aumentando a taxa básica de juros. Note-se, mais uma vez , que o Brasil é campeão mundial do juro alto; (ii) elevada tributação. Não é compreensível, inclusive do ponto de vista do interesse público, a razão de a tributação das companhias abertas não ser inferior a das outras empresas. A abertura de capital tem relação direta com a propensão para o investimento e é exatamente isso que o Brasil necessita; (iii) desburocratização na abertura e fechamento de empresas: é o Estado o maior empecilho para que as empresas sejam constituídas e encerradas no Brasil. Um exemplo: não é incomum um simples CNPJ ser “emitido” após seis meses de solicitado à Receita Federal por um empreendedor. Não à toa, a abertura e fechamento de empresas enseja práticas arcaicas e, eventualmente, duvidosas do ponto de vista ético. Além disso, temos a questão da complexidade dos tributos brasileiros, não apenas em termos de base (e justiça) do cálculo, mas também a existência de uma infinidade de obrigações acessórias que inibem o empreendorismo.
Do ponto de vista micro, exclusive os riscos inerentes a cada um dos segmentos de negócios, os principais problemas estão relacionados a qualidade da gestão das empresas. Muitas vezes os empreendedores ou empresários (às vezes de empresas de maior porte) têm pouca preocupação com aspectos essenciais da gestão. Dos controles mais básicos da gestão, tais como, o planejamento e execução do fluxo de caixa, até a introdução de sistemas gerenciais e estratégicos mais avançados, inclusas as demonstrações financeiras em padrões contábeis internacionais (US GAAP e IRFS, por exemplo), as empresas muitas vezes negligenciam estas tarefas, como se fossem secundárias. Um mercado de capitais moderno não autoriza níveis insuficientes de transparência e competência gerencial. Para ter sócios ou captadores de títulos de dívidas é preciso transmitir e conferir confiança. O meio pelo qual se faz isso é por meios de uma área de gestão contábil e financeira confiável, bem como relatórios da administração que sejam confiáveis. Além de profissionais especializados na relação com investidores. Os custos da introdução deste “sistema” são muito inferiores à economia direta e visível entre custo da dívida e/ou capital ex ante e ex post à emissão de ações ou títulos de dívida.
O acesso ao mercado de capitais tem custos, mas os seus benefícios são amplos, seja do ponto de vista estratégico (possibilidade de fusões e/ou aquisições, parcerias tecnológicas e comerciais, atração de investidores financeiros, etc.), bem como do ponto de vista financeiro (custo menor). Vale dizer que setores mais demandantes de capital, tal qual o de tecnologia, deveriam encarar a entrada no mercado de capitais na fase primeva, inicial. O volume de recursos existentes nos segmentos de venture capital e private equity é gigantesco. A maior barreira para os gestores de fundos desses segmentos é a falta de qualidade da gestão das empresas-alvos de investimentos. Estimo que, mesmo quando as negociações entre as partes interessadas no investimento têm sucesso, os empreendedores “entregam” entre 30%-40% do valor potencial do negócio por conta da falta de competência gerencial, informações financeiras confiáveis, falta de planos estratégicos confiáveis, etc. Os gestores dos fundos "descontam" os riscos financeiros e de gestão do valor intrínseco das empresas. Pior para quem está na posição de vendedor.
Não cabe esgotar o assunto num breve artigo como este, mas creio ser essencial que o mercado de capitais volte a ser parte do "plano estratégico do país", especialmente quando florescem projetos e planos eleitorais. É comum associar o mercado à especulação. É raro associá-lo ao desenvolvimento. Uma breve passada de olhos nos números do mercado de capitais ao redor do mundo nos ensinará a lição dura e simples de que onde há desenvolvimento, houve um mercado de capitais que foi propulsor deste desenvolvimento e que se tornou símbolo das sociedades avançadas, econômica e socialmente.