Muito se comenta no mercado financeiro e de capital, bem como em segmentos profissionais especializados (e.g., consultorias financeiras, empresas de auditoria independente, etc.), sobre "valor justo" de um ativo/passivo e/ou empresa. Neste caso, "valor justo" poderia ser resumidamente definido como aquele valor calculado por meio de um modelo de avaliação geralmente aceito e baseado num conjunto de premissas específicas aplicáveis ao caso concreto.
Como se pode verificar um conceito como este é bastante amplo, muito embora seja o que de fato é a prática financeira moderna. No que se refere aos modelos, de uma forma geral, pode-se dizer que estes levam em consideração (i) expectativas de retorno (e.g., fluxos de recursos futuros relacionados aos ativos) e (ii) variáveis de risco (e.g. risco específico dos fluxos de caixa e o risco de mercado). No que se refere às expectativas de retorno, estas são formadas por variáveis com múltiplos inter-relacionamentos (e.g., avaliação de produtos e seus respectivos custos) e não relacionadas (e.g., o crescimento setorial ou do PIB). No que tange às variáveis de riscos estas podem ser "extraídas" de dados de mercado (e.g., taxas futuras de juros, volatilidades implícitas dos ativos, etc.) ou serem inerentes à natureza do próprio setor/produto (e.g., eventuais mudanças tecnológicas). Observados estes conjuntos de variáveis de retorno e risco percebe-se claramente que se trata de um emaranhado de dados objetivos e subjetivos que, uma vez "emoldurados" por um modelo que calcula o seu "valor presente" (que é o valor futuro dos fluxos estimados de caixa descontados por uma taxa de juros e por uma taxa de risco). Usualmente, compara-se o resultado deste cálculo de "valor justo" com o valor praticado no mercado para se identificar o quão um ativo/passivo está caro ou barato (ou subavaliado e superavaliado).
Toda esta complexa modelagem serve para "interpretar o futuro", o qual é opaco senão imprevisível. Foi uma construção histórica que consolidou estes modelos de avaliação os quais passam por revisões "científicas" de tempos em tempos que, por sua vez, geram um novo estado da arte no tema.
É sob esta aura de elevada complexidade metodológica e de dados que devemos analisar a incorporação de ativos numa empresa para fins de aumento de capital.
Apesar de toda a complexidade do tema, não é preciso ser um expert em finanças para se perceber que, não sendo elementar o cálculo de um "valor justo", é muito elevado o risco de se construir, a partir deste cálculo, uma operação de incorporação de ativos que produza efeitos sobre o capital de uma determinada empresa. Por meio da incorporação de ativos e sua correspondente alteração do capital (e.g., via aumento de capital) pode-se se onerar desigualmente os acionistas que (i) incorporam ativos e recebem novas ações, (ii) os que não incorporam e subscrevem novas ações em dinheiro e (iii) os que tem a sua participação no capital diluída e, em mesma medida (iv) a companhia. Não bastasse esta possibilidade, há que se frisar que os efeitos deste tipo de operação se propagam no tempo, pois quase sempre o que se estima em relação ao futuro de fato acaba por apresentar diferenças, às vezes substanciais.
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O artigo 115 da lei 6.404/76, reza que "o acionista deve exercer o direito a voto no interesse da companhia; considerar-se-á abusivo o voto exercido com o fim de causar dano à companhia ou a outros acionistas, ou de obter, para si ou para outrem, vantagem a que não faz jus e de que resulte, ou possa resultar, prejuízo para a companhia ou para outros acionistas".
No parágrafo 1º do mesmo artigo consta que "o acionista não poderá votar nas deliberações da assembleia-geral relativas ao laudo de avaliação de bens com que concorrer para a formação do capital social e à aprovação de suas contas como administrador, nem em quaisquer outras que puderem beneficiá-lo de modo particular, ou em que tiver interesse conflitante com o da companhia".
Note-se que no caso do caput do referido artigo, o legislador faz uma menção de natureza geral sobre o que é um voto abusivo (aquele que causar dano à companhia ou a outros acionistas). No caso, a lei não distingue se o acionista faz parte ou não do controle da empresa, bem como distingue claramente a companhia de seus acionistas. Protege assim certos acionistas de outros e a companhia de quaisquer destes. Trata-se de uma tutela geral que incorpora os modernos conceitos e postulados da literatura de finanças que distingue claramente os interesses corporativos (em razão da "função social da empresa") dos interesses entre acionistas (controladores ou não).
De outro lado, no § 1º do artigo 115 da lei das Sociedades Anônimas, o legislador construiu uma proteção específica em relação à aprovação de "avaliação de bens com que concorrer para a formação do capital". Trata-se de uma tutela cristalina que levou em consideração o fato de que a avaliação de ativos, ao concorrer para a alteração do capital social, põe em risco a relação entre os acionistas e a própria empresa. Intrinsecamente, o legislador também reconhece que a complexidade dos laudos de avaliação de ativos, por conterem variáveis sobre um "futuro opaco", de natureza objetiva e subjetiva, merecem redobrada atenção, razão pela qual aqueles que alteram o capital por meio de incorporação de ativos não podem votar nas assembleias realizadas para tornar efetiva tal incorporação. Trata-se não apenas de uma prevenção em relação ao visível conflito de interesses envolto na matéria. Há que se observar que, afora este conflito de interesses, tais laudos merecem um olhar independente daqueles acionistas que não se utilizam desta avaliação de bens para subscrever capital. Como se vê, não se trata de se verificar se há dolo ou culpa, se o laudo é positivo ou negativo, se o método adotado é o adequado, etc. Trata-se de uma restrição protetiva objetiva, aplicável diante de uma realidade factual, normalmente de fácil verificação (a incorporação de bens para a formação de capital). Com efeito: não há muito que se interpretar em relação à vedação, mesmo que haja muito que se interpretar em relação às suas causas (conflitos de interesse, prejuízos possíveis à companhia, complexidade dos laudos de avaliação, etc.)
Observados os aspectos acima e brevemente enunciados, é à luz destes que se deve analisar a autorização dada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM) de 25/3/14 que autorizou que os acionistas controladores da Oi votassem na Assembleia de Acionistas que aumentará o capital da empresa por meio de incorporação de ativos. Parece-nos que os limites contidos no artigo 115 da lei das S.A. foram transpassados injustificadamente. Enormes riscos de prejuízos à companhia e aos outros acionistas foram criados, além da evidente prova de que a proteção aos acionistas é um assunto "muito flexível" no país, a despeito de todo arcabouço legal e regulatório sobre o tema.