Dados Públicos

O projeto de lei 2630/2020 e a importância de se garantir segurança nas plataformas digitais

Outro ponto importante é a preservação da liberdade de expressão e o risco de censura, já que a possibilidade de que esta venha a ocorrer foi uma preocupação levantada preliminarmente.

15/6/2023

O avanço tecnológico, a rápida expansão das plataformas digitais e o crescente uso da internet em todo o mundo resultaram em importantes reflexões no campo econômico, jurídico, político, e sobretudo social, onde é possível verificar uma adesão global incontestável às  plataformas digitais junto ao aumento da interação virtual entre os indivíduos durante suas atividades cotidianas, em uma espécie de hiperconexão, condição na qual as pessoas estão constantemente conectadas à internet e interagindo com outras pessoas através de dispositivos eletrônicos, como smartphones, tablets e computadores seja em redes sociais, aplicativos de mensagens, videochamadas e plataformas de compartilhamento de conteúdo.

Pessoas e Organizações dependem das plataformas digitais para se comunicar, buscar informações, realizar transações financeiras, acessar serviços e entretenimento, e até mesmo para realizar tarefas do cotidiano, como fazer compras ou agendar compromissos. A interação virtual tornou-se tão integrada às nossas vidas que muitas vezes é difícil separar o mundo online do mundo offline.

A hiperconexão traz várias vantagens, como facilitar a comunicação instantânea e o acesso rápido à informação, e também permite que as pessoas se conectem e interajam com outras ao redor do mundo, transcendendo barreiras geográficas e culturais. No entanto, também gera preocupações como questões ligadas à privacidade, a segurança dos dados pessoais e a dependência excessiva da interação online que pode levar ao isolamento social, à diminuição da interação face a face e a problemas de saúde mental, como ansiedade e depressão.

Mudanças são necessárias principalmente para conferir segurança no uso destas plataformas, coibindo sua utilização de forma ilícita e antiética em prol de uma existência harmônica junto ao ordenamento jurídico vigente. Por isso, a regulamentação das plataformas digitais é um dos temas trazidos à discussão pelo PL 2630/2020, que popularmente tem se tornado conhecido como o “Projeto de Lei das Fake News”.

O projeto, originado no Senado Federal, cria a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, e vem sofrendo mudanças no seu texto original ao longo da sua tramitação na Câmara dos Deputados, onde inclusive, foi posto e retirado da pauta do regime de urgência de votação.

Traz como principal propositura a regulação das plataformas digitais tais como Google, Meta (Instagram e Facebook), Twitter e TikTok, bem como dos serviços de mensageria instantânea dos quais destacamos o WhatsApp e o Telegram. Entre seus objetivos ressaltamos: (i) a prevenção e o combate a disseminação de conteúdos falsos ou manipulados que possam causar danos individuais ou coletivos; (ii) a promoção da transparência e da responsabilização das plataformas digitais sobre as políticas de moderação de conteúdo; (iii) a promoção do controle na difusão de notícias falsas e discursos de ódio no ambiente virtual; (iv) a proteção da liberdade de expressão e do direito à informação dos usuários, e (v) a garantia ao direito à privacidade e à segurança dos dados pessoais dos usuários.

Trazendo como meta lidar com um problema sério e complexo, enfrentará uma série de desafios como a definição do que constitui uma "fake news" de maneira clara e objetiva, já que o termo abrange uma ampla gama de informações enganosas, desde notícias falsas deliberadas até informações imprecisas ou tendenciosas. Logo, determinar o que é falso e o que é verdadeiro pode ser um processo complicado, especialmente quando se lida com conteúdo complexo ou sujeito a diferentes interpretações.

Outro ponto importante é a preservação da liberdade de expressão e o risco de censura, já que a possibilidade de que esta venha a ocorrer foi uma  preocupação levantada preliminarmente. Um forte argumento foi o de que a interpretação ampla da lei seria uma carta permissiva para que o governo ou outras autoridades proibissem a veiculação de conteúdos online com base em critérios subjetivos. Também há preocupação de que as próprias plataformas removam conteúdos legítimos de forma excessiva por medo de punições.

Compreendemos que para combater a disseminação de informações falsas faz-se necessário uma abordagem mais abrangente, que inclui a educação do público para desenvolver habilidades de pensamento crítico e alfabetização midiática, o fortalecimento das políticas internas das plataformas de mídia social para reduzir a disseminação de informações falsas, e a promoção de uma cultura de verificação de fatos e transparência cabendo a cada um de nós checar a fonte das notícias que recebemos e, em caso de dúvida se o assunto é verdadeiro ou não, o melhor a ser feito é não compartilhar.

Para prevenir e combater a disseminação de conteúdos falsos nas redes sociais, o PL conta com uma série de medidas, entre elas: (i) exigência de cadastro com documento de identidade para a criação de contas nas redes sociais e nos serviços de mensagens; (ii) proibição do uso de contas falsas obrigando que as plataformas adotem medidas para identificar e coibir contas inautênticas, automatizadas ou usadas para disseminar desinformação;(iii) criação de um conselho de transparência e responsabilidade na internet, formado por representantes do governo, da sociedade civil e das empresas para regulamentar e fiscalizar os provedores;(iv) obrigatoriedade de manutenção de um registro de mensagens encaminhadas em massa durante três meses por parte das empresas;(v) obrigatoriedade de rotular e limitar o alcance de conteúdos considerados enganosos ou manipulados; (vi) possibilidade de exclusão ou suspensão de contas que viole os termos de uso ou a legislação vigente; (vi) exigência de identificação dos usuários que patrocinam conteúdos publicados.

A criação do Conselho de Transparência e Responsabilidade na Internet como entidade fiscalizadora dos provedores de internet, é uma grande novidade trazida pelo PL, sendo a mesma responsável pelos processos administrativos contra os provedores de conteúdo que resultarão na aplicação de sanções no caso de descumprimento da lei. Curioso é que a legislação proposta não aplicará sanções a empresas cujas atividades sejam comércio eletrônico, jogos e apostas online, tampouco a plataformas de reuniões fechadas por vídeo ou voz, nem a enciclopédias online sem fins lucrativos, ou repositórios de natureza científica ou educativa.

Outrossim, cabe destacar que o texto do PL traz em sete artigos que compõem o Capítulo III que trata da atuação do Poder Público. Interesse público e os princípios da Administração Pública devem ser considerados pelas entidades e órgãos públicos quando da gestão de contas em redes sociais. Reforça a responsabilização para que o agente político indique uma  conta que represente oficialmente seu mandato ou cargo, sendo as demais eximidas das obrigações deste artigo. 

Outro ponto de destaque é acerca do Princípio da Publicidade que trata da publicização nos portais de transparência sobre a contratação de empresas que oferecem serviços de publicidade e propaganda e/ou impulsionamento de conteúdo por meio da internet. Importante ênfase também para a publicização em sites e redes sociais para conteúdos sensíveis que promova a incitação à violência ou a discriminação sobre raça, cor, etnia, sexo, características genéticas, convicções filosóficas, deficiência física, imunológica, sensorial ou mental, por ter cumprido pena ou por qualquer particularidade ou condição que possa trazer danos irreparáveis à pessoa humana.

E por fim, cabe ao Estado a promoção de campanhas educativas, em todos os níveis de ensino e de forma integrada que promova o uso ético, consciente, responsável e transparente das redes sociais e de conteúdos patrocinados, com respeito ao diálogo e à liberdade de expressão.

Assim, entendemos que legislação sobre o combate às fake news e à desinformação é um assunto complexo, que envolve um equilíbrio delicado entre a proteção da sociedade contra informações falsas e a garantia dos direitos fundamentais, como a liberdade de expressão, o direito à proteção de dados e a privacidade.

Acompanhar a evolução do Projeto de Lei 2630/2020 e as discussões em torno dele são fundamentais para entender os impactos que a legislação pode ter na liberdade de expressão e possíveis questões relacionadas à censura e à liberdade de expressão, sendo importante considerar os diferentes pontos de vista e opiniões. O debate público e a participação da sociedade civil são cruciais para garantir que a legislação seja equilibrada e respeite os direitos e liberdades dos cidadãos.

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Alisson Possa Advogado. Mestre em Direito Constitucional. Doutorando em Direito. Professor do IBMEC e IDP. Membro da Comissão de Proteção de Dados da Corregedoria do CNJ.

Fabrício da Mota Alves é advogado, sócio-coordenador em Direito Digital e Proteção de Dados do Serur Advogados. Conselheiro Consultivo da ANPD. Conselheiro e membro fundador da Associação Brasileira de Governança Pública de Dados Pessoais (govDADOS.br). Instagram: @motaalves.fabricio

Rodrigo Borges Valadão é procurador do Estado do Rio de Janeiro. Consultor no Terra Rocha Advogados. Membro do Comitê de Governança em Privacidade e Proteção de Dados do Estado do Rio de Janeiro. Presidente e Membro Fundador da Associação Brasileira de Governança Pública de Dados Pessoais (govDADOS). Mestrando em "Privacy, Cybersecurity, Data Management, and Leadership" pela Universidade de Maastricht (Países Baixos). Especialista em Advocacia Pública pela FGV/RJ. Mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC/RJ. Doutor em Direito Público pela Albert-Ludwigs-Universität Freiburg (Alemanha), em cotutela com a USP. Instagram: @rodrigobvaladao