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UE: atrasos na implementação da MiCA

MiCA é o marco regulatório cripto da UE, mas atrasos na implementação em 2024 podem impactar projetos e operações no bloco.

13/12/2024

Contexto

MiCA1 é a estrutura regulatória de criptomoedas mais abrangente que existe até agora sobre o mercado de criptoativos no mundo, e sua implementação total está prevista para entrar em vigor em 30 de dezembro de 2024.

Contudo, vários estados-membros da União Européia, incluindo Bélgica, Chipre, Irlanda, Itália, Lituânia, Malta, Polônia, Portugal, Luxemburgo e Romênia, ainda não adaptaram suas leis locais para implementar o MiCA.

Por que isto é importante?

Para que a regulamentação seja aplicada em toda a União Européia, apesar de ter sido aprovada pelo Parlamento Europeu, os países precisam alinhar as leis locais com os requisitos operacionais necessários à total implementação definitiva da Markets in Cripto Assets [MiCA].

Assim, esse atraso na implementação da estrutura regulatória pelos Estados-Membros do bloco europeu pode desacelerar o ímpeto cripto na União Européia por algum tempo, levando projetos, investimentos e empregos para outras jurisdições como, por exemplo, Hong Kong2 e Emirados Árabes Unidos3.

Requisitos operacionais para a MiCA entrar totalmente em vigor

1. Estrutura organizacional: Estruturas de governança robustas, incluindo estruturas organizacionais claras e procedimentos eficazes.

2. Proteção dos ativos dos clientes: Medidas para proteger os criptoativos dos clientes, incluindo protocolos de segregação e segurança.

3. Tratamento de reclamações: Estabelecimento de procedimentos para o tratamento imediato e justo das reclamações dos clientes.

4. Políticas de conflito de interesses: Identificação e gerenciamento de possíveis conflitos de interesse.

5. Terceirização: Obrigações para garantir que os acordos de terceirização não prejudiquem a qualidade dos controles internos e a capacidade das autoridades de supervisão de monitorar a conformidade.

Regras de transição até a entrada em vigor

As disposições transitórias da MiCA estabelecem um período de anterioridade e as hipóteses de exclusão nacional.

Isto significa que os CASPs [também conhecidos como VASPs, Virtual Asset Service Providers], que já prestam serviços de acordo com as leis nacionais existentes, podem continuar operando até 31 de dezembro de 2025 ou até receberem autorização nos termos da MiCA – o que ocorrer primeiro.

Também, significa que os estados membros podem optar por não participar do período de proteção, exigindo conformidade antecipada.

O procedimento de implementação em duas etapas

Após sua provação pelo Parlamento Europeu em 9 de junho de 2023, iniciou-se seu procedimento de implementação que é composto de duas fases.

Etapa 1: Aplicação de regras relacionadas a stablecoins [ARTs4 e EMTs5]

Etapa 2: Aplicação total da MiCA a outros ativos de criptografia e CASPs.

A primeira etapa ocorreu em 30 de junho de 2024, quando os emissores de stablecoins tiveram que garantir a autorização correta para operar nos países do bloco.

A segunda — cujo prazo final é em 30 de dezembro de 2024 — diz respeito aos Provedores de Serviços de Criptoativos (CASPs), como exchanges, provedores de carteiras [wallets] e custodiantes, e exige que tais empresas estejam registradas e sediadas em pelo menos um país da União Europeia para solicitar uma licença sob a MiCA que lhes permita operar comercialmente em todo o bloco europeu.

As razões para o atraso na implementação

Um grande problema para alguns reguladores nacionais está no prazo para o registro dos CASPs junto à autoridade nacional competente [NCA, National Competent Authority].

Devido ao curto período de tempo entre a data limite dessa segunda fase e o término da primeira fase em outubro - quando certos padrões técnicos regulatórios foram finalizados.

Apenas dois meses é um tempo muito exíguo para os países lidarem com a documentação e toda a complexidade exigida e, no caso de alguns países como a Alemanha6, dificuldades geopolíticas agravam essa situação.

Orientações adicionais à vista?

No mês passado, alguns órgãos representativos da indústria, como Blockchain for Europe, the European Crypto Initiative, a Electronic Money Association e a International Association for Trusted Blockchain Applications [INATBA], enviou uma carta7 à ESMA8 para alertar sobre a dificuldade das  autoridades nacionais competentes [NCAs] conseguirem administrar os registros dos provedores de criptoativos até o deadline no final de 2024, o que é crucial para o lançamento de uma supervisão eficaz com base em um relacionamento regulatório bem estabelecido.

Por isso, no documento, foi solicitada uma suspensão da atividade de execução para que as empresas que ainda não receberam autorização não incorram em sanções se continuarem operando.

Tal pedido foi negado pela ESMA.

Diante da falta de alternativas além do inevitável acúmulo de registros, algumas empresas poderiam ser forçadas a interromper suas operações e serviços relacionados a criptoativos na Europa.

Para se ter uma ideia do que estamos falando aqui, as corretoras de criptomoedas na Europa já estão se preparando para retirar da lista - de negociação em suas plataformas – as stablecoins que não estão em conformidade local9, dado que a MiCA está próxima do prazo final de aplicação. A Coinbase Europe, a “Coinbase Germany” e a “Coinbase Custody International” retirarão de negociação o USDt da Tether em sua plataforma.

Todavia, ontem, em uma reunião, a ESMA analisou o prazo final de implementação da MiCA, e muito provavelmente "orientações" adicionais sobre o cronograma serão divulgadas em breve.

Perspectivas

Faltando apenas três semanas, quase um quarto dos 27 países que constituem o bloco não estão prontos para cumprir todas as exigências da segunda fase de implementação da MiCA.

Mesmo órgãos reguladores nacionais com uma estrutura avançada em criptoativos têm apontado o dedo para seus governos, culpando o procedimento legislativo como sendo o gargalo na implementação.

O BaFIN, órgão regulador financeiro da Alemanha, por exemplo, já permite que instituições financeiras custodiem criptoativos sob uma estrutura que foi inicialmente baseada nas regras da MiFID (Markets in Financial Instruments). Mas agora, precisa se adequar aos padrões estabelecidos pela MiCA, percorrendo todo um processo político, que leva tempo, e não tem data certa para acabar.

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1 Disponível aqui.

2 Disponível aqui.

3 Disponível aqui.

4 Asset-Referenced Tokens [ARTs] são tokens que mantêm um valor estável ao fazer referência a vários ativos.

5 Electronic Money Tokens [EMTs] são tokens que fazem referência a uma única moeda fiduciária.

6 Disponível aqui.

7 Disponível aqui.

8 European Security Markets Authority, disponível aqui.

9 Disponível aqui.

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Colunista

Tatiana Revoredo é representante do "European Law Observatory on New Technologies" no Brasil. Especialista em Direito Digital e Professora de Blockchain para Negócios no Insper. Especialista em aplicações de negócios Blockchain pelo MIT Sloan School of Management, em Inteligência Artificial pelo MIT CSAIL, em estratégia de negócios em Inteligência Artificial pelo MIT Sloan School of Management e em Cyber-Risk Mitigation pela Harvard University. Estrategista Blockchain pela Saïd Business School, University of Oxford. Convidada pelo Parlamento Europeu e pelo Congresso Nacional para palestrar sobre blockchain, criptoativos e legislações correlatas. Membro-fundadora da Oxford Blockchain Foundation. LinkedIn Top Voice em Tecnologia e Inovação. Coautora do livro "Criptomoedas no Cenário Internacional: qual o posicionamento de autoridades, Bancos Centrais e Governos". Autora dos livros "Blockchain: Tudo o que você precisa saber"; e "Bitcoin, CBDC, DeFi e Stablecoins".