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Alemanha, França e Lituânia: status da regulação cripto pós MiCA

Tendo a MiCA e os fatores político-econômicos como pano de fundo, o artigo de hoje explora o status regulatório da Alemanha, França e Lituânia.

22/11/2024

Contexto

The Markets in Crypto-Assets – MiCA1 –  é a estrutura normativa abrangente da União Europeia criada para padronizar as regras destinadas a regular o mercado de criptoativos nos estados membros do bloco. Ela busca melhorar a proteção do consumidor, garantir a integridade do mercado e promover a inovação no setor de criptoativos.

Tendo a MiCA e os fatores político-econômicos como pano de fundo, o artigo de hoje explora o status regulatório da Alemanha, França e Lituânia.

Alemanha

A Alemanha enfrenta desafios significativos na implementação da MiCA devido à instabilidade política.

O colapso da coalizão governamental da Alemanha paralisou a aprovação de um projeto de lei crucial necessário para designar o BaFin – o órgão regulador financeiro da Alemanha – como a autoridade licenciadora. Isso resultou na impossibilidade do BaFin conceder licenças a empresas alemãs que desejam atuar no mercado de criptoativos europeu.

E essa situação criou uma lacuna regulatória que afeta a capacidade das empresas locais de cumprir a MiCA, que exige dos estados-membros da União Européia a implementação de medidas nacionais específicas – como por exemplo a designação de um órgão regulador.

Assim, por causa da situação política na Alemanha, referida lacuna regulatória cria uma disparidade em que as empresas estrangeiras podem operar sem as mesmas restrições enfrentadas pelas empresas locais.

Isto é, a falta de clareza regulatória coloca empresas cripto alemãs em desvantagem competitiva em comparação com as empresas com sede em países que já estão em conformidade com a MiCA.

Aqui, vale destacar que essa situação gera prejuízo não só a empresas cripto nativas, mas também a instituições financeiras e as empresas de valores mobiliários alemãs que não podem estender suas licenças para se qualificarem como provedores de serviços de criptoativos [CASPs] devido à ausência da estrutura legislativa necessária.

Neste cenário, quando olhamos para as possíveis consequências econômicas, percebemos que o atraso na implementação da Lei de Supervisão Alemã de Mercados de Criptoativos [KMAG]2 leva à incerteza jurídica, e tem o potencial de levar os empregos do setor cripto da Alemanha para outros países.

França

A França está liderando a implementação da MiCA na União Européia, com empresas como a Circle3 já atingindo a conformidade. O órgão regulador francês, AMF, têm atuado intensamente na liberação de licenças para Provedores de Serviços de Criptoativos [CASPs].

A conformidade com a MiCA posiciona as empresas francesas como alvos de aquisição atraentes devido à sua infraestrutura robusta e ao alinhamento regulatório, o que pode gerar uma onda de fusões e aquisições. 

Explicando isto melhor, as empresas que estiverem de acordo com os padrões da MiCA não apenas protegerão suas posições no mercado, mas também ganharão uma vantagem competitiva, aproveitando as credenciais de conformidade para atrair parceiros, investidores e compradores. A consolidação será uma resposta natural ao aumento dos custos operacionais, com os participantes menores buscando alianças para sobreviver e prosperar.

Além disso, as empresas em conformidade com a MiCA também são alvos atraentes para empresas não pertencentes à UE que buscam uma entrada mais fácil no mercado europeu. Sem uma licença de compliance com a MiCA, as empresas não pertencentes à UE correm o risco de serem totalmente excluídas da UE, já que o princípio da solicitação reversa deve ser entendido como muito restrito e, como tal, deve ser considerado uma exceção; e não pode ser assumido nem explorado para contornar a MiCA.

No entanto, apesar de sua liderança regulatória, a França enfrenta desafios políticos que podem afetar sua atratividade como um “hub cripto”.

As recentes propostas de mudanças fiscais e a instabilidade política podem levar as empresas a se mudarem para jurisdições mais estáveis4.

Claro que é direito essencial de um país determinar quais impostos são mais adequados para proporcionar a mais alta qualidade de vida para seus cidadãos. No entanto, devido ao caráter transnacional dos criptoativos, se as novas propostas para aumento de tributação forem implementadas na legislação, as empresas cripto provavelmente considerarão outras jurisdições em vez da França.

Lituânia

A Lituânia planeja5 implementar requisitos mais rigorosos de licenciamento para provedores de serviços de criptoativos [CASPs], que devem estar totalmente em vigor até 2025 e pode levar a uma redução do número de empresas  cripto em operação no país.

Essa abordagem visa fortalecer as regulamentações de combate à lavagem de dinheiro [AML] e alinhar-se aos padrões da MiCA.

Com uma estrutura jurídica historicamente favorável ao setor, a Lituânia atraiu6 muitas empresas cripto. Agora, a uma nova postura regulatória mais rigorosa pode levar a uma consolidação do mercado no país, favorecendo empresas maiores e em conformidade.

Breve análise comparativa

Quanto ao rigor regulatório, a Lituânia e a França estabeleceram estruturas regulatórias claras que equilibram a supervisão com a promoção da inovação. Em contrapartida, o ambiente regulatório da Alemanha é atualmente instável, o que pode impedir a inovação.

Quando olhamos para fatores políticos e econômicos, observamos que a instabilidade política na França e na Alemanha apresenta desafios para uma implementação regulatória consistente, enquanto a abordagem proativa da Lituânia oferece um ambiente mais estável para as empresas que oferecem produtos ou prestam serviços relacionados a criptoativos.

Sob a ótica do impacto regulatório na inovação, embora os três países tenham o objetivo de se alinhar às regulamentações da MiCA da UE, a Lituânia e a França parecem mais preparadas para promover a inovação por meio de medidas regulatórias claras e de apoio.

Perspectivas finais

De modo geral, espera-se que a implementação da MiCA nos países do bloco europeu impulsione a consolidação do mercado de criptoativos no continente, favorecendo as empresas que podem atender a seus rigorosos padrões.

No contexto geral, a Lituânia e a França estão adotando abordagens mais proativas e estruturadas para a regulamentação do mercado de criptoativos em comparação com a Alemanha, que atualmente enfrenta desafios legislativos e políticos que podem afetar sua capacidade de promover a inovação, com perda de competitividade no setor.

__________

1 Disponível aqui.

2 Que visa alinhar as regras nacionais da Alemanhã com a MiCA.

3 Disponível aqui.

4 Kiddle, Tom; In: Is France’s crypto je ne sais quoi no more? Disponível aqui.

5 Nagarajan, Shalini In: Lithuania’s Fintech Haven to Cull Crypto Firms Under New Licensing Rules. Disponível aqui.

6 Bloomberg; In: A European Fintech Hub Prepares to get tough on Crypto Companies. Disponível aqui.

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Colunista

Tatiana Revoredo é representante do "European Law Observatory on New Technologies" no Brasil. Especialista em Direito Digital e Professora de Blockchain para Negócios no Insper. Especialista em aplicações de negócios Blockchain pelo MIT Sloan School of Management, em Inteligência Artificial pelo MIT CSAIL, em estratégia de negócios em Inteligência Artificial pelo MIT Sloan School of Management e em Cyber-Risk Mitigation pela Harvard University. Estrategista Blockchain pela Saïd Business School, University of Oxford. Convidada pelo Parlamento Europeu e pelo Congresso Nacional para palestrar sobre blockchain, criptoativos e legislações correlatas. Membro-fundadora da Oxford Blockchain Foundation. LinkedIn Top Voice em Tecnologia e Inovação. Coautora do livro "Criptomoedas no Cenário Internacional: qual o posicionamento de autoridades, Bancos Centrais e Governos". Autora dos livros "Blockchain: Tudo o que você precisa saber"; e "Bitcoin, CBDC, DeFi e Stablecoins".