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Itália e Turquia tem planos opostos para tributação de criptoativos

Enquanto Itália quer aumentar a alíquota do imposto sobre ganho de capital com bitcoin, a Turquia suspende planos de tributação para criptoativos.

1/11/2024

A Itália planeja aumentar a alíquota do imposto sobre ganhos de capital em bitcoin de 26% para 42%. O anúncio1 foi feito pelo vice-ministro da economia, Maurizio Leo, em uma coletiva de imprensa no dia 16 de outubro.

A proposta de aumento da alíquota ocorre no momento em que a União Europeia está se preparando para implementar totalmente a MiCA2 - a nova legislação de criptoativos da União Européia -, no final deste ano.

Para justificar a medida, Leo classificou o medida como uma resposta à crescente popularidade do bitcoin, referindo-se a ele como um “fenômeno de disseminação”.

No entanto, tal medida parece fazer parte dos esforços para financiar as custosas promessas eleitorais de Giorgia Meloni e, ao mesmo tempo, reduzir o déficit fiscal.

Note que esse novo plano tributário parece divergir das promessas anteriores feitas pela primeira-ministra Meloni, que garantiu aos cidadãos que não haveria aumentos amplos de impostos. Como ela própria afirmou3 em sua conta no X:

“Como prometemos, não haverá novos impostos para os cidadãos. Além disso, faremos com que o corte de impostos sobre os trabalhadores seja estrutural, e 3,5 bilhões de bancos e seguradoras serão alocados para a área de saúde e para os mais vulneráveis para garantir melhores serviços que estejam mais próximos das necessidades de todos.”

Mas qual seria o real impacto do aumento de impostos sobre ganho de capital em criptoativos?

O caso da Índia e a efetividade do aumento da tributação cripto

Esforços anteriores de outros países para tributar o mercado de criptomoedas nem sempre renderam muito aos cofres estatais.

A Índia - atual lider4 no ranking de adoção cripto da Chainalysis5 - introduziu uma mudança significativa em sua política tributária em fevereiro de 2022, ao impor6 um imposto de 1% deduzido na fonte sobre a transferência de ativos digitais virtuais, juntamente com um imposto fixo de 30% sobre a renda dessas transações. A mudança na tributação buscava monitorar as transações cripto, desencorajar o comércio especulativo e garantir uma receita fiscal estável.

Entretanto, análises recentes mostraram que tais objetivos não foram atingidos. Pelo contrário, segundo o relatório7 “TDS on Virtual Digital Assets:  A report on the effect of the 1% TDS on tax revenue and user trends” - que analisou o efeito das mudanças tributárias sobre a receita tributária e as tendências dos usuários - o volume total de criptoativos negociados nas CEXs indianas caiu aproximadamente 97% entre 1º de fevereiro de 2022 e 31 de janeiro de 2024.

Um dos principais motivos para esse declínio é a migração de traders para corretoras offshore.  Essa mudança não apenas prejudicou a intenção original de rastrear as transações de VDA, mas também resultou em uma perda significativa de receita para o governo indiano.

Além disso, aumentos excessivos de impostos podem levar investidores a considerar a migração para países com ambientes fiscais mais favoráveis, como Dubai – na semana passada, os Emirados Árabes Unidos isentaram8 todas as transações de criptoativos do pagamento de imposto sobre valor agregado.

Por outro lado, essa inexistência de fronteiras para as negociações com criptoativos tem preocupado a ESMA - Autoridade Europeia de Valores Mobiliários e Mercados.

A preocupação da CVM Européia com a inexistência de fronteiras para negociações de criptoativos

A ESMA recentemente, emitiu9 parecer sobre as licenças de empresas prestadoras de serviços de criptoativos com alcance global.

O parecer aborda os riscos associados a essas empresas que buscam autorização da UE e, ao mesmo tempo, mantêm operações significativas fora do escopo regulatório da União Européia.

A ESMA expressa preocupações sobre estruturas complexas, como CEXs autorizadas pela UE que encaminham ordens para locais fora da UE, o que pode afetar a proteção do consumidor. Ela aconselha as autoridades nacionais competentes a avaliar essas estruturas cuidadosamente e enfatiza uma avaliação caso a caso da execução, conflitos de interesse e obrigações de custódia.

Agora que já sabemos dos planos da Itália em relação à tributação de criptoativos, vejamos por quê eles são opostos aos planos da Turquia.

A pausa nos planos de tributação de criptos na Turquia

Na Turquia, o governo arquivou10 os planos de tributar a renda de ativos digitais e ações, o que gerou um alvoroço entre os investidores.

O vice-presidente Cevdet Yilmaz disse que o foco do governo agora é "reduzir as isenções fiscais".

"Não temos um imposto sobre ações em nossa agenda. Ele foi discutido anteriormente e saiu de nossa agenda." – disse ele.

A suspensão dos planos tributários aconteceu, porque o pacote tributário proposto em junho deste ano - que também se estendia aos ganhos com criptoativos - não foi bem recebido pelos investidores turcos.

O aumento tributário criado pelo Ministério das Finanças buscava aumentar o imposto sobre ganhos do mercado de capitais, e não deixar nenhuma área sem tributar, sob a justificativa de “fornecer justiça e eficácia na tributação".

No entanto, o pacote tributário proposto rapidamente levou a uma enorme queda nos volumes de negociação nas corretoras turcas, o que levou o Ministro das Finanças Mehmet Simsek a reverteu o curso11.

“Estamos adiando a minuta do estudo tributário para a bolsa de valores por um tempo para reavaliá-lo à luz do feedback de todas as partes relevantes”, disse Simsek.

Apesar das garantias do ministro — e agora do vice-presidente — de que nenhum novo imposto será implementado, o mercado de ações da Turquia ainda não se recuperou, com o volume mensal de negociação caindo quase 50%.

Para ativos digitais, o governo do presidente Recep Tayyip Erdogan tentou impor um imposto de 0,03%12 em todas as transações. O ministério das finanças projetou que isso adicionaria 3,7 bilhões de liras (US$ 110 milhões de dólares) aos cofres da agência tributária.

A Turquia é um dos maiores mercados de ativos digitais do mundo. Ela ficou em 12º lugar em termos de adoção no ano passado, com um relatório da bolsa KuCoin em setembro passado afirmando que mais da metade de todos os turcos adultos possuem algum ativo digital.

Perspectivas finais

A Itália já vinha demonstrando que pretendia adotar uma linha mais dura na regulacão de criptoativos, como já exploramos13  nesta coluna.

No entando, parece que os formuladores de políticas públicas italianos não fizeram a lição de casa, e estão fazendo movimentos legais e regulatórios sem olhar para as experiências práticas de outros países.

Quanto à Turquia, cumpre destacar que com a suspensão de seus planos tributários, ela  se junta à Coreia do Sul no adiamento de impostos sobre ativos digitais.

A nação asiática pretendia inicialmente impor um imposto de 20% sobre ganhos anuais de ativos digitais em 2021. No entanto, as críticas de traders de ativos digitais levaram o Partido do Poder Popular a adiá-lo duas vezes14, e agora está programado15 para 1º de janeiro de 2028.

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1 Disponível aqui.

2 Disponível aqui.

3 Disponível aqui.

4 Disponível aqui.

5 Disponível aqui.

6 Disponível aqui.

7 Disponível aqui.

8 Disponível aqui.

9 Disponível aqui.

10 Disponível aqui.

11 Disponível aqui.

12 Idem Nota 11

13 Disponível aqui.

14 Disponível aqui.

15 Disponível aqui.

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Colunista

Tatiana Revoredo é representante do "European Law Observatory on New Technologies" no Brasil. Especialista em Direito Digital e Professora de Blockchain para Negócios no Insper. Especialista em aplicações de negócios Blockchain pelo MIT Sloan School of Management, em Inteligência Artificial pelo MIT CSAIL, em estratégia de negócios em Inteligência Artificial pelo MIT Sloan School of Management e em Cyber-Risk Mitigation pela Harvard University. Estrategista Blockchain pela Saïd Business School, University of Oxford. Convidada pelo Parlamento Europeu e pelo Congresso Nacional para palestrar sobre blockchain, criptoativos e legislações correlatas. Membro-fundadora da Oxford Blockchain Foundation. LinkedIn Top Voice em Tecnologia e Inovação. Coautora do livro "Criptomoedas no Cenário Internacional: qual o posicionamento de autoridades, Bancos Centrais e Governos". Autora dos livros "Blockchain: Tudo o que você precisa saber"; e "Bitcoin, CBDC, DeFi e Stablecoins".