Criptogalhas

Austrália e Taiwan colocam VASPs sob novas regras

Novas regras de Taiwan e Austrália impõem maior regulação a VASPs, buscando alinhar criptoativos com normas financeiras tradicionais e internacionais.

25/10/2024

Contexto 

Novas regras de Taiwan e da Austrália para VASPs1 refletem o movimento  regulatório de diversos países em direção a normas mais rígidas para provedores de serviços de ativos virtuais.

FSC de Taiwan aplicará novos regulamentos AML para VASPs em 2025

FSC - Comissão de Supervisão Financeira de Taiwan aplicará novos regulamentos AMLAnti-Lavagem de Dinheiro para provedores de serviços relacionados à criptoativos a partir de 2025, exigindo licença para CEXs2 e compliance obrigatórios.

As medidas atualizadas foram divulgadas3 no dia 2 de outubro pela FSC, que em 2021 havia proposto melhorar as regras de regulamentação de criptomoedas do país. Esses novos regulamentos estão em discussão desde março deste ano.

Principais pontos dos novos regulamentos cripto em Taiwan

As novas regras exigem que VASPs se registrem no governo até setembro de 2025, sob pena de sofrerem duras penalidades.

Para se ter uma idéia, pela falta de compliance ou eventual falha no servidor das plataformas de negociação, a multa pode chegar4 até 5 milhões de dólares taiwaneses – o equivalente a US$ 155.900 –, ou ainda, pena de prisão de dois anos para os representantes da empresa no país.

A nova estrutura de conformidade também estipula que VASPs apresentem Relatórios Anuais de Avaliação de Risco à agência governamental competente. 

Aqueles que já aderiram aos padrões AML anteriores também devem cumprir os novos procedimentos de conformidade e se registrar no órgão competente.

Quando os novos regulamentos entram em vigor em Taiwan?

Os novos regulamentos substituirão5 o sistema atual de VASPs taiwaneses a partir de 1º de janeiro de 2025. 

As empresas foram aconselhadas a esperar até que o novo sistema estivesse operacional e enviar seus documentos para evitar confusão causada por diferentes requisitos regulatórios.

Esforços regulatórios buscam competitividade com países vizinhos

Com os novos regulamentos, o governo taiwanês busca cumprir as recomendações do GAFI6 e, ao mesmo tempo expandir seu envolvimento na indústria cripto.

Nesse passo, em 30 de setembro, a FSC se aventurou no domínio do mercado de ETFs de ativos digitais, autorizando investimentos via Fundos de Índice, voltados para investidores profissionais locais.

Esta iniciativa é parte de esforços mais amplos para criar mais impulso no mercado de criptoativos de Taiwan, numa tentativa de se alinhar com centros financeiros vizinhos, como Hong Kong e Singapura, que são considerados centros de negócios para blockchain e criptoativos.

Assim como em Taiwan, os provedores de VASPs - serviços de ativos virtuais na Austrália, se sujeitarão a um  novo regime regulatório que alguns no setor definiram como “ambíguo”.

CVM da Austrália quer equiparar CEXs a bancos

As corretoras centralizadas de criptoativos (CEX) australianas já operam sob um regime regulatório específico criado para a indústria cripto, mas a ASIC - Comissão Australiana de Valores Mobiliários e Investimentos planeja7 ampliar os requisitos de licenciamento para exigir que VASPs obtenham as mesmas licenças para serviços financeiros.

A ASIC pretende atualizar8 o "the Corporations Act's Information Sheet 225" para dar mais clareza sobre como determinados tokens9 e certos produtos devem ser tratados a partir de uma perspectiva regulatória.

A CVM australiana acredita10 que a lei das Sociedades Anônimas do país abrange a maioria dos principais ativos digitais. Isso exige a inclusão das corretoras que realizam suas negociações sob esta lei.

O que levou ao endurecimento de postura pela ASIC?

A Austrália tem estado sob os holofotes nos últimos anos por causa de alguns golpes de grande monta, praticados com ativos digitais - o que atraiu críticas à ASIC e sua conduta regulatória, classificadas por alguns como negligentes.

Quando a corretora de criptomoedas FTX Group entrou em colapso nas Bahamas em novembro de 2022, suas subsidiárias locais FTX Australia Pty Ltd e FTX Express Pty Ltd também foram atingidas11.

Em 16 de novembro de 2022, a ASIC - Comissão Australiana de Valores Mobiliários e Investimentos suspendeu12 a licença australiana de serviços financeiros que a FTX Australia possuía desde março daquele ano.

O fato de a FTX Australia ter um serviço financeiro australiano foi uma surpresa para algumas pessoas.

Por conta disso, colapsos como o do Grupo FTX pressionaram a ASIC a se tornar mais rigorosa, especialmente no licenciamento de VASPs, em prol confiança do consumidor e da integridade do mercado.

Contudo, muitos não vêem o endurecimento da CVM australiana com bons olhos.

Críticas à Comissão Australiana de Valores Mobiliários

Alguns legisladores e partes interessadas da indústria acreditam que a ASIC pode estar apertando demais, e estrangulando um setor nascente.

Caroline Bowler, CEO da mais antiga corretora "cripto" da Austrália – o BTC Markets –, reclamou que as próximas regras sobre quais atividades exigirão uma licença não são claras, o que aumentará a confusão existente para os VASPs. Nas suas palavras13:

“É super amplo, a ambiguidade na linguagem, se alguma coisa, apenas cria mais perguntas do que fornece”.

De outro lado, o senador Andrew Bragg14 também criticou a nova postura regulatória, que ele afirma ter empurrado a Austrália “de líder em criptomoedas para retardatária em criptomoedas”. Acrescentando que o país perdeu a oportunidade de alavancar tendências interessantes como tokenização, sufocando a inovação e negando aos australianos as oportunidades de colher os benefícios que a tecnologia blockchain oferece.

Aqui, vale lembrar que em 2023 a Comitê de Legislação Econômica do Senado da Austrália rejeitou o “Projeto de Lesobre Ativos Digitais (Regulamentação do Mercado)” 15, apresentado pelo Senador.

O movimento regulatório global em direção a VASPs

Como dito no início deste artigo, Taiwan e Austrália seguem o movimento regulatório global de endurecimento das regras relativas a VASPs.

Aqui estão alguns das principais razões - dadas pelas autoridades monetárias e reguladores - que impulsionam essas mudanças regulatórias:

1. Aprimorar a conformidade e a confiança no mercado

Nessa linha, no último dia 9 de outubro, a VARA - Autoridade Reguladora de Ativos Virtuais de Dubai multou16, empresas cripto não licenciadas por violações de marketing e operação sem autorização, enfatizando a necessidade de conformidade para garantir a confiança do mercado.

2. Proteção de investidores e consumidores

Aqui, vale lembrar que a lei de Proteção ao Usuário de Ativos Virtuais da Coreia do Sul exige que VASPs mantenham 80% dos depósitos de criptomoedas e tokens dos usuários em armazenamento a frio (cold storage), e obtenham seguro contra hackers, com foco na proteção do usuário.

3. Prevenção de atividades ilícitas

Nessa toada, o UNODC - Relatório do The United Nations Office on Drugs and Crime17 de outubro de 2024, destaca o uso de criptomoedas na facilitação de atividades ilícitas no Sudeste Asiático, exigindo maior monitoramento e melhor treinamento para as autoridades monetárias.

4. Abordando a conformidade e a evasão fiscal

Os EUA finalizaram18 novas regras relatcionadas aos relatórios fiscais prestados pelas CEXs a fim de melhorar a conformidade fiscal e abordar os riscos de evasão fiscal.

Regulamentações propostas19 nos EUA para regular o setor de DEFI podem exigir que os aplicativos descentralizados coletem informações dos usuários, com o objetivo de limitar a evasão fiscal.

5. Resposta às normas internacionais

Novas leis estão sendo desenvolvidas como resposta20 aos padrões internacionais estabelecidos pelo GAFI, estabelecendo requisitos de licenciamento e registro para VASPs.

Perspectivas finais

O cenário regulatório para VASPs ainda está evoluindo.

Nesses últimos meses, os formuladores de políticas tem demonstrado o desejo de enquadrar o setor de criptoativos em antigas estruturas regulatórias e forçar os prestadores de serviços de ativos virtuais (VASPs) a se comportarem como instituições financeiras.

Na prática, contudo, o esforço de acelerar uma convergência nas normas de compliance entre o setor de cripto e as finanças tradicionais pode produzir resultados mistos.

Por um lado, uma maior clareza sobre normas regulatórias também possibilita que instituições financeiras e outros atores institucionais regulados lancem produtos e serviços de ativos virtuais.

De outro, exigir que VASPs cumpram o mesmo conjunto de práticas de compliance que serviços financeiros já adotam – confiando em estruturas regulatórias de longa data projetadas para governar bancos, podem acabar criando mais obstáculos à tentativa de solucionar questões mais complexas do espaço de criptoativos, tais como DeFi - Finanças Descentralizadas22DAOs - Organizações Autonomas Descentralizadas22.

________

1 Virtual Assets Service Providers [Provedores de Serviços Relacionados a Ativos Virtuais].

2 Centralized Exchange [CEX] é um tipo de corretora de valores que opera sob uma organização centralizada, e atua como intermediária entre compradores e vendedores de criptoativos [criptomoedas e tokens].

3 Disponível aqui: https://shorturl.at/NaWm4/

4 Idem Nota 3

5 Idem Nota 3

6 Disponível aqui.

7 Disponível aqui.

8 Disponível aqui.

9 Disponível aqui.

10 Idem Nota 3

11 Disponível aqui.

12 Disponível aqui.

13 Disponível aqui.

14 Disponível aqui.

15 Disponível aqui.

16 Disponível aqui.

17 Disponível aqui.

18 Disponível aqui.

19 Disponível aqui.

20 Disponível aqui.

21 Disponível aqui.

22 Disponível aqui.

 

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Colunista

Tatiana Revoredo é representante do "European Law Observatory on New Technologies" no Brasil. Especialista em Direito Digital e Professora de Blockchain para Negócios no Insper. Especialista em aplicações de negócios Blockchain pelo MIT Sloan School of Management, em Inteligência Artificial pelo MIT CSAIL, em estratégia de negócios em Inteligência Artificial pelo MIT Sloan School of Management e em Cyber-Risk Mitigation pela Harvard University. Estrategista Blockchain pela Saïd Business School, University of Oxford. Convidada pelo Parlamento Europeu e pelo Congresso Nacional para palestrar sobre blockchain, criptoativos e legislações correlatas. Membro-fundadora da Oxford Blockchain Foundation. LinkedIn Top Voice em Tecnologia e Inovação. Coautora do livro "Criptomoedas no Cenário Internacional: qual o posicionamento de autoridades, Bancos Centrais e Governos". Autora dos livros "Blockchain: Tudo o que você precisa saber"; e "Bitcoin, CBDC, DeFi e Stablecoins".