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EAU: Isenção tributária e cooperação entre reguladores torna Dubai um hub cripto

Tatiana Revoredo comenta atuação de SCA e a VARA para regular o setor cripto nos Emirados Árabes Unidos, promovendo segurança, compliance e crescimento sustentável do mercado.

11/10/2024

O papel da SCA na regulamentação do setor cripto dos Emirados Árabes Unidos

Em 2022, a SCA - Securities and Commodities Authority1 assumiu a responsabilidade de supervisionar e regulamentar o setor de ativos virtuais nos EAU - Emirados Árabes Unidos. 

Com o objetivo de aprimorar a estrutura legislativa do setor, fiscalizar as atividades associadas e provedores de serviços, tinha como objetivo proteger direitos e deveres de todas as partes envolvidas, garantindo a conformidade com as obrigações internacionais aplicáveis.

Mas paralelamente a SCA, Dubai designou uma autoridade dedicada apenas a criptoativos.

A competência da VARA, a Autoridade Reguladora de Ativos Virtuais em Dubai

A VARA é fundamental no desenvolvimento da estrutura legal, na governança da indústria de ativos virtuais de Dubai. Ela tem como foco a proteção do investidor e o suporte a uma visão de economia sem fronteiras dos EAU.

Desde março de 2022, a VARA2 foi designada como responsável pela regulamentação e supervisão de ativos virtuais e atividades relacionadas em Dubai, incluindo as zonas especiais de desenvolvimento e zonas francas, excluído o DIFC - Dubai International Financial Center.

A atuação de DIFC e VARA é complementar, não competitiva

Enquanto o DIFC é uma zona franca financeira para empresas localizadas no seu território, a VARA é destinada aos participantes do continente, bem como às demais zonas francas do Emirado de Dubai, oferecendo assim aos fundadores e investidores a opção de escolha.

Quando exploramos as competências relacionadas à criptoativos3 (criptomoedas  e tokens) no Emirado Árabe de Dubai, vimos que “uma empresa cujo negócio tenha natureza de TradFi pode optar por obter uma licença fornecida pelo DIFC, enquanto outra, que exerce atividades relacionadas a DeFi, pode buscar uma licença da VARA, se assim desejar”4.

Mas como fica a atuação da Securities and Commodities Authority e da Autoridade Reguladora de Ativos Virtuais de Dubai?

O acordo de cooperação entre SCA e VARA

No dia 5 de setembro, a SCA assinou5 acordo de cooperação com a VARA para reforçar a posição dos Emirados Árabes Unidos como um centro global líder em ativos virtuais, em alinhamento com os "The Principles of the 50" e as aspirações visionárias do governo6 de construir a melhor e mais dinâmica economia do mundo. 

A cerimônia de assinatura, que ocorreu na filial da SCA em Dubai, contou7 com a presença do presidente da SCA, sua excelência Mohamed Ali Al Shorafa, e do presidente do Conselho Executivo da VARA, sua excelência Helal Saeed Al Marri. 

O acordo foi assinado pela CEO da SCA (Dra. Maryam Buti Al Suwaidi) e pelo CEO da VARA (Sr. Matthew White), na presença de altos funcionários de ambas as organizações.

Em seu discurso na cerimônia de assinatura, o presidente da SCA, Mohamed Ali Al Shorafa, disse:

“Nós nos esforçamos para estabelecer estruturas eficazes em cooperação com nossos parceiros para promover o crescimento e a estabilidade do setor de ativos virtuais nos Emirados Árabes Unidos, garantindo assim a aplicação da legislação antilavagem de dinheiro e reforçando a confiança no ecossistema de investimentos dos Emirados Árabes Unidos”. 

A presidente da VARA, a Sra. Helal Al Marri, definiu a colaboração como um marco que demonstra a coesão regulatória nos Emirados Árabes Unidos. 

Marri disse8 que a força da colaboração entre parceiros federais como a SCA "permite a portabilidade perfeita e eficiente de serviços regulamentados, ao mesmo tempo em que garante uma garantia de risco de mercado sem comprometimentos nos Emirados Árabes Unidos".

Qual é o principal objetivo dessa cooperação?

O objetivo é consolidar o status de Dubai como um hub de ativos virtuais. 

Ambos os reguladores trabalharão juntos para manter a confiança do mercado, e garantir a conformidade com as leis antilavagem de dinheiro.

Principais pontos do acordo

Os termos do documento de cooperação, assinado pelos dois principais reguladores com sede em Dubai, traz o seguinte:

  1. A descrição dos requisitos de licenciamento para VASPs. 
  2. A definição dos mecanismos de supervisão mútua.
  3. Direcionamento para promover um setor de ativos virtuais estável e regulamentado nos EAU.

Supervisão conjunta de VASPs

Segundo declaração oficial conjunta9, o texto do acordo de cooperação obriga os VASPs - provedores de serviços de ativos virtuais, que operam em ou a partir de Dubai ou aqueles que buscam atingir o mercado de Dubai, a obter uma licença da VARA. 

Uma vez que a licença tenha sido concedida pela VARA, o VASP também pode ser aprovado pela SCA para operar em outro Emirado Árabe. 

Isto é, se o VASP quiser operar em qualquer outro Emirado, além de Dubai, precisará ser licenciado pela SCA.

O acordo também abrange o mecanismo de supervisão mútua de VASPs, imposição de penalidades e multas, troca de informações e estatísticas e cooperação em treinamento e qualificação de funcionários.

Regras de procedimento

Tanto a SCA, quanto a VARA estabelecerão regras e procedimentos para o licenciamento e supervisão de VASPs ou quaisquer atividades, serviços ou transações associadas relacionadas. 

Isso será feito de acordo com as disposições da decisão do gabinete 111 de 2022 e 112 de 2022 (Regulamentação de Ativos Virtuais e Seus Provedores de Serviços) e dentro da respectiva jurisdição de ambas as partes, acrescentou a declaração.

A importância da cooperação entre diferentes autoridades regulatórias

Os investimentos em ativos virtuais continuam a ter interesse e crescimento exponenciais, o que exige esforços conjuntos de reguladores para construir estruturas unificadas e eficazes que promovam o desenvolvimento sustentável e a estabilidade necessária a um setor vital para qualquer país que deseje atrair investimentos e consolidar sua economia.

Como destacou o presidente da SCA, o acordo de cooperação está alinhado com as diretrizes do governo de Dubai para regular o setor de ativos virtuais locais, controlar suas atividades e aprimorar o monitoramento geral para proteger os investidores, aumentar a confiança no mercado cripto exercido nos Emirados Árabes Unidos e sua resiliência diante dos desafios globais.

Ainda, com bem lembrou a presidente da VARA, este acordo ressalta um compromisso nacional conjunto para alavancar regulamentações como um facilitador para garantir a habilitação de negócios dentro do ecossistema de ativos virtuais, para que a indústria global possa evoluir de forma sustentável para se tornar uma pedra angular para a nova economia. 

A nova economia a que ela se refere foi definida na “Agenda Econômica de Dubai para 2033”.

Essa “agenda” é um roteiro definido para se tornar o centro global para a economia de inovação do amanhã – e tal colaboração regulatória e clareza são fundamentais para garantir aos consumidores, investidores e à comunidade empresarial internacional a posição dos Emirados Árabes Unidos como um centro líder mundial para o futuro das finanças.

Mas além dessa cooperação entre reguladores, EAU foram além, e também fizeram uma mudança histórica na sua legislação tributária.

A mudança nos regulamentos do IVA 

Com uma alteração introduzida pela FTA - Autoridade Tributária Federal, os Emirados Árabes Unidos isentaram todas as transações de criptomoeda do IVA - Imposto sobre Valor Agregado.

Dentre os principais aspectos das alterações do IVA, estão:

1. Isenção de IVA sobre ativos virtuais

Uma das alterações mais significativas introduzidas pela nova lei é a isenção total do IVA nas transações que envolvem ativos virtuais, incluindo criptomoedas. Esta isenção abrange todas as transferências e conversões de moedas digitais, eliminando efetivamente o IVA de todas as atividades relacionadas a criptoativos –  tanto para indivíduos como para empresas. 

Notavelmente, a isenção se aplica retroativamente a partir de janeiro de 2018, o que significa que as empresas que anteriormente pagavam IVA em transações com criptomoedas podem precisar ajustar os registros de IVA anteriores por meio de divulgações voluntárias.

Essa mudança é vista como um grande impulso para o setor cripto nos EAU, aumentando o apelo do país como um “hub” (centro global de inovação) em criptoativos.

2. Serviços financeiros e gestão de fundos de investimento

As novas alterações alargam as isenções de IVA a uma gama mais vasta de serviços financeiros. O regulamento Executivo atualizado isenta de IVA a gestão de fundos de investimento, a transferência de propriedade de ativos virtuais e a conversão de ativos virtuais (art. 42). Esta medida irá provavelmente reduzir os custos dos gestores de fundos e das empresas envolvidas na gestão de fundos de investimento licenciados pelos EAU, reforçando o estatuto dos EAU como centro financeiro.

3. Reavaliação das obrigações de IVA para empresas cripto

Com essa mudança, as empresas que oferecem produtos e serviços relacionados a criptoativos devem reavaliar suas obrigações de IVA. 

As empresas que pagaram IVA sobre transações de ativos virtuais no passado devem apresentar divulgações voluntárias para corrigir suas declarações fiscais. A autoridade tributária Federal espera que todas as empresas cumpram o novo quadro e efetuem os ajustes necessários às suas posições em matéria de IVA.

Perspectivas finais

Tanto o acordo de cooperação entre a SCA e a VARA, quando as atualizações nos regulamentos do IVA dos EAU fazem parte da estratégia mais ampla dos EAU para simplificar o seu sistema fiscal, reduzir os encargos comerciais e criar um ambiente mais favorável, se posicionando como facilitador de mercado através da construção de um ecossistema abrangendo Web3, o metaverso, blockchain e IA, com ativos virtuais servindo como estrutura de conexão.

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1 Disponível aqui.

2 Disponível aqui.

3 “Ativos digitais são ativos que podem ser comercializados e armazenados em formatos digitais. Quando os ativos digitais são comercializados via tecnologia blockchain, eles são chamados de criptoativos – gênero que possui duas espécies: criptomoedas e tokens”. Revoredo, Tatiana. In: “Games, Blockchain e modelos de negócio na Web3.”, MIT Sloan Management Review, disponível aqui.

4 Revoredo, Tatiana. In: “Dubai [VARA]: O primeiro regulador do mundo dedicado apenas a criptoativos.”, Migalhas, disponível aqui.

5 Disponível aqui.

6 Idem Nota 2.

7 Idem Nota 7.

8 Idem Nota 7.

9 Disponível aqui.

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Colunista

Tatiana Revoredo é representante do "European Law Observatory on New Technologies" no Brasil. Especialista em Direito Digital e Professora de Blockchain para Negócios no Insper. Especialista em aplicações de negócios Blockchain pelo MIT Sloan School of Management, em Inteligência Artificial pelo MIT CSAIL, em estratégia de negócios em Inteligência Artificial pelo MIT Sloan School of Management e em Cyber-Risk Mitigation pela Harvard University. Estrategista Blockchain pela Saïd Business School, University of Oxford. Convidada pelo Parlamento Europeu e pelo Congresso Nacional para palestrar sobre blockchain, criptoativos e legislações correlatas. Membro-fundadora da Oxford Blockchain Foundation. LinkedIn Top Voice em Tecnologia e Inovação. Coautora do livro "Criptomoedas no Cenário Internacional: qual o posicionamento de autoridades, Bancos Centrais e Governos". Autora dos livros "Blockchain: Tudo o que você precisa saber"; e "Bitcoin, CBDC, DeFi e Stablecoins".