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Japão: Evolução da regulação cripto e atual tratamento tributário

O regulador financeiro do Japão divulgou planos para uma revisão abrangente do código tributário para o ano fiscal de 2025, incluindo disposições sobre criptoativos que podem reduzir impostos.

13/9/2024

A relação entre o Japão e criptoativos vem de longa data

Apesar de ser um país que preza por suas tradições milenares, o Japão se manteve aberto às inovações tecnológicas, principalmente depois do final da Segunda Guerra Mundial.

Este equilíbrio entre tradição e inovação permitiu que o país desempenhasse papel de destaque em duas áreas essenciais para a indústria blockchain-cripto: Ciência da computação e criptografia.

Não à toa, os japoneses foram dos primeiros a reconhecer o potencial de um ecossistema digital descentralizado, enquanto outros países apenas acompanhavam o crescimento do mercado cripto.

Como se diz no jargão cripto, "quando tudo ainda era mato", o Japão emergiu como o centro de criptomoedas do mundo.

Em 2013, a terra do sol nascente detinha 70% do volume global de transações de bitcoin. Muitos japoneses começaram a minerar1 bitcoin quando a criptomoeda ainda tinha pouco valor real, e o volume de transações de bitcoin na maior corretora cripto do mundo, a Mt. Gox, girava na casa dos milhões de dólares. 

Mesmo após a falência da Mt. Gox2  em 2014, contudo, o governo japonês não endureceu totalmente em relação à indústria de criptoativos. Pelo contrário, tomou medidas para proteger os consumidores, e permitiu o renascimento das exchanges3 no Japão.

Após aprovar 11 corretoras de criptomoedas em setembro de 2017, admitiu que outras 17 criptomoedas – além de $BTC, $ETH, $XRP, e $LTH – fossem negociadas nas exchanges com sede no país.

Mas não foi só isto que aconteceu. Também em 2017, o Japão alterou o The Payment Services Act – que faz parte do Banking Act  – para tornar bitcoin e outras criptomoedas uma forma legal de pagamento.4

Apesar da “aprovação oficial” das criptomoedas pelo governo japonês e das políticas restritivas5 nos países vizinhos terem ajudado a elevar o preço do bitcoin e o volume de negócios em ativos digitais para cerca de 60% - mesmo após o colapso da Mt. Gox –, em 2019 os pagamentos digitais representaram apenas 26,8% do total, segundo o Ministério da Economia, Comércio e Indústria do Japão. 

Em 2020, pesquisa do Statista revelou que apenas 4% dos residentes japoneses usavam ou possuíam criptomoedas, enquanto China, Índia e Vietnã relataram 7%, 9% e 21%6, respetivamente.

Com o advento da pandemia, contudo, houve um afastamento do dinheiro.

Em 2022, o governo japonês concedeu NFTs - tokens não fungíveis7 a sete prefeitos8 pelas iniciativas que empreenderam em suas áreas - o que o colocou entre os primeiros governos nacionais a emitir NFTs como recompensas suplementares utilizando a tecnologia blockchain.9

O atual tratamento tributário dos criptoativos no Japão

Hoje, os lucros com criptomoedas no Japão são atualmente tributados como renda diversa entre 15% e 55%. A taxa mais alta de 55% pode ser aplicada a ganhos acima de 200.000 ienes japoneses (US$ 1.377), mas varia dependendo da faixa de imposto de renda do indivíduo.10

Em comparação, os lucros obtidos com a negociação de ações incorrem apenas em uma taxa de imposto de 20% nos níveis mais altos.

Os detentores corporativos de criptomoedas devem pagar uma taxa fixa de imposto de 30% sobre suas participações no final do ano fiscal, mesmo que não tenham obtido lucro por meio de uma venda.

Os ministérios do governo enviam solicitações de reforma tributária ao partido no poder, que as repassa a um comitê de pesquisa do sistema tributário e à legislatura nacional do país para consideração.

Defensores da indústria cripto querem reforma tributária

Os defensores da indústria cripto no Japão têm pressionado por uma revisão do regime tributário nacional para ativos digitais há vários anos.

A Japan Blockchain Association, um grupo de lobby pró-cripto, solicitou formalmente11 que o governo reduzisse a taxa de imposto sobre criptoativos em 2023.

Em julho 19, o grupo também apresentou uma solicitação12 uma reforma tributária dos criptoativos para o ano fiscal de 2025, em uma tentativa de promover maior crescimento no setor no país.

Entre suas propostas estava uma taxa fixa de imposto de 20% para cripto e uma dedução de transferência de perdas de três anos.

Apesar desses esforços, as solicitações não tinham conseguido gerar nenhuma mudança de política quanto a criptos, apesar de na Conferência WebX13, o ministro da Economia, Comércio e Indústria do Japão, Takeru Saito, ter destacado a importância na redução de impostos às startups em razão do enorme potencial das indústrias Web314 e blockchian.15

Agora, contudo, parece que os ventos começaram a mudar.

O regulador financeiro pede redução de impostos para criptos em 2025

No pedido16 para reforma tributária encaminhado no último dia 30/8, a FSA - Agência de Serviços Financeiros do Japão colocou os criptoativos em destaque, pressionando para que eles sejam tratados como ativos financeiros tradicionais nos quais o público pode investir.17  

Segundo a FSA, “as criptomoedas devem ser tratada como um ativo financeiro que deve ser um alvo de investimento para o público”.18

Resta saber se ambas as casas do governo japonês – a Câmara dos Representantes e a Câmara dos Conselheiros – vai aprovar a sugestão de reforma tributária.

__________

1 Disponível aqui.

2 Disponível aqui.

3 Exchanges ou corretoras criptosão empresas que permitem seus clientes adquirirem ou venderem criptoativos por outros ativos, como as moedas fiduciárias convencionais como dólar, euro, ien, etc.

4 Revoredo, Tatiana. In: Criptomoedas no Cenário Internacional, 2018, Amazon. Vide também aqui.

5 No início de 2017, China e Coréia do Sul reprimiram o comércio de criptomoedas e fecharam exchanges, bem como proibiram ICOs [Initial Coin Ofering], que nada mais são que ofertas de captação de recursos relacionadas a criptomoedas.

6 Disponível aqui.

7 Disponível aqui.

8 Disponível aqui.

9 Disponível aqui.

10 Disponível aqui.

11 Disponível aqui.

12 Disponível aqui.

13 Disponível aqui.

14 Disponível aqui.

15 Disponível aqui.

16 Disponível aqui.

17 Disponível aqui.

18 Idem nota anterior.

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Colunista

Tatiana Revoredo é representante do "European Law Observatory on New Technologies" no Brasil. Especialista em Direito Digital e Professora de Blockchain para Negócios no Insper. Especialista em aplicações de negócios Blockchain pelo MIT Sloan School of Management, em Inteligência Artificial pelo MIT CSAIL, em estratégia de negócios em Inteligência Artificial pelo MIT Sloan School of Management e em Cyber-Risk Mitigation pela Harvard University. Estrategista Blockchain pela Saïd Business School, University of Oxford. Convidada pelo Parlamento Europeu e pelo Congresso Nacional para palestrar sobre blockchain, criptoativos e legislações correlatas. Membro-fundadora da Oxford Blockchain Foundation. LinkedIn Top Voice em Tecnologia e Inovação. Coautora do livro "Criptomoedas no Cenário Internacional: qual o posicionamento de autoridades, Bancos Centrais e Governos". Autora dos livros "Blockchain: Tudo o que você precisa saber"; e "Bitcoin, CBDC, DeFi e Stablecoins".