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Ethereum: Impactos da aprovação dos ETH ETFs à vista pela SEC

Os recém-aprovados ETH ETFs à vista permitem que investidores obtenham exposição direta ao token nativo da blockchain Ethereum, Ether [$ETH], a segunda maior criptomoeda por capitalização de mercado, sem precisar comprar e armazenar o ativo digital por conta própria em carteiras digitais [wallets].

14/6/2024

O que é um “Spot Ethereum ETF” 

Um ETF (“Exchange Traded Fund”), também conhecido como fundo índice negociado em bolsa, é um veículo de investimento que monitora o desempenho de um determinado ativo ou grupo de ativos.

Os ETFs permitem que os investidores diversifiquem seus investimentos sem realmente possuírem os ativos rastreados por um fundo.

No caso específico dos ETFs de “Ethereum” (chamado de Spot ETH ETF, eles são um fundo negociado em bolsa que permite aos investidores obterem exposição ao Ether [$ETH]), token nativo da blockchian Ethereum, por meio dos mercados de ações tradicionais, sem a necessidade de comprar ou vender diretamente o ativo digital em uma corretora de criptomoedas.

Um ETF de “Ethereum” basicamente reflete o preço da criptomoeda, e podem ser liquidados em dinheiro ou fisicamente, o que significa que os investidores receberão moeda fiduciária ou ETH, respectivamente.

Spot ETH ETF vs. Futures ETH ETFs

Os fundos negociados em bolsa [ETFs] de futuros de Ether [Futures ETH ETFs]  mantêm contratos de derivativos, mas não negociam tokens de éter [$ETH] diretamente. 

Isso permite que os investidores mais confortáveis com as bolsas regulamentadas dos EUA participem desse mercado. 

Diferentemente dos ETFs da criptomoeda à vista [Spot ETH ETFs], que mante, o $ETH diretamente, os ETFs de futuros mantêm contratos vinculados ao valor do token $ETH e têm ações que são negociadas em bolsas regulamentadas.

A aprovação inesperada de 8 “Spot Ethereum ETFs” pela SEC

Até a semana que antecedeu à aprovação dos ETH ETFs à vista, a falta de engajamento entre a SEC e os emissores sinalizava que a aprovação não aconteceria. 

No entanto, esse cenário inicial mudou após os legisladores bipartidários da Câmara do Deputados dos EUA cobrarem a SEC, destacando a necessidade de consistência na aplicação de padrões regulatórios, e o fato da agência já ter aprovado os ETFs de bitcoin à vista em janeiro. 

Por conta disso, a comissão de valores mobiliários dos EUA – SEC –  The U.S. Securities and Exchange Commission – subitamente retomou conversa com os emissores de ETFs no dia 20/5, e solicitou que os formulários 19b-4 fossem devolvidos e enviados novamente. 

E o que vimos a partir daí foi que alguns agentes da própria SEC foram surpreendidos com a virada de 180 graus rumo à aprovação.

Assim, apenas quatro meses depois da aprovação dos ETFs de Bitcoin à vista pela primeira vez, a SEC emitiu uma ordem geral no dia 23/5, e aprovou os formulários 19b-4 para os ETH ETFs à vista da BlackRock, Fidelity, Grayscale, Bitwise, VanEck, Ark, Invesco Galaxy e Franklin Templeton. 

Diferenças entre os processos de aprovação dos ETFs de bitcoin à vista e dos ETFs de ETH à vista

A primeira diferença é que os ETFs de Ether à vista foram aprovados pela divisão de negociação e mercados da SEC, ao contrário dos ETFs de bitcoin à vista aprovados por votação de um comitê da SEC formado por 5 membros, incluindo o presidente da SEC Gary Gensler.

A segunda diferença é que os 8 ETFs de Ether à vista podem levar semanas ou até meses para começarem a ser negociados na prática – como explicaremos mais adiante –, enquanto todos os 10 ETFs de bitcoin à vista começaram a ser negociados no dia seguinte à sua aprovação, eis que também obtiveram a autorização do formulário S-1. 

Reflexos práticos da aprovação dos ETH ETFs à vista

Com a aprovação, os investidores poderão adquirir Ethers via ETFs, o que lhes dá algumas vantagens como:

  1. Não há necessidade de passar pelo processo de aprender a custodiar (armazenar) Ether com segurança. Muitos investidores ainda não entendem o mercado cripto, não tem tempo para aprender, ou, ainda, se sentem mais confortáveis em contratar terceiros para investir.
  2. Comprar um ETF por meio de um corretor online pode ser significativamente mais seguro, rápido e menos sujeito a interrupções do que comprar ativos digitais diretamente de uma exchange de criptoativos (apesar de existirem excelentes corretoras no país).
  3. As bolsas de valores, dependendo do país, são mais líquidas do que as exchanges de criptomoedas, o que facilita a negociação de ETFs.

Aqui, vale destacar, todavia, que um ETH ETF também possui desvantagens:

  1. Os ETFs só podem ser comprados e vendidos durante os horários de negociação do mercado, enquanto os criptomercados funcionam 24 horas por dia, sete dias por semana. Isso significa que, se o preço do Bitcoin se mover acentuadamente, você pode ter que esperar horas antes de ter a chance de descarregar para comprar mais.
  2. É gratuito manter seu próprio Ether em uma carteira digital [wallet], enquanto os ETFs cobram taxas de administração.
  3. Os ETFs exigem que você confie em custodiantes terceirizados, o que é contrário a um dos princípios basilares do mundo cripto: A autocustódia.

Já tratamos de legislação relativa a autocustódia nesta coluna, quando analisamos a House Bill 3.595 do Estado de Oklahoma, EUA – lei que estabelece proteções para indivíduos e empresas envolvidos na mineração e detenção de bitcoins e criptoativos.

De outro lado, essa aprovação parece indicar um caminho para a discussão sobre a natureza jurídica do token nativo da Blockchain Ethereum.

Reflexos da aprovação na classificação jurídica do Ether [ETH]

A classificação jurídica do Ether [$ETH], token nativo da blockchain Ethereum,  é uma questão importante que paira sobre a supervisão dos ativos digitais nos Estados Unidos desde 2014.

Basicamente, o que se discute aqui é se o ativo [Ether] deve ser considerada um título mobiliário, ou uma commodity.

De um lado, os críticos da blockchain Ethereum argumentam que seu token nativo [ETH] passa no teste de Howey e, portanto, deve ser classificado como um título mobiliário. E como título mobiliário, o ETH deve ser registrado e regulamentado pela SEC.

De outro lado, há os que enxergam o Ether como uma commodity. Nesse sentido, argumentam o seguinte:

  1. Quando a SEC permitiu que os “Ether futures ETFs” fossem negociados em suas corretoras de valores regulamentadas, ela reconheceu explicitamente o status do subjacente, ETH, como não sendo um título mobiliário e fora de sua jurisdição. 
  2. Essa decisão de aprovação do ETF em outubro de 2023 ocorreu bem depois que a Ethereum mudou seu mecanismo de consenso para para PoS - Proof-of-Stake em setembro de 2022; o que significa que, para a comissão de valores mobiliários americana, o token $ETH, em seu estado atual em outubro de 2023, não era um título mobiliário.
  3. Se a SEC tivesse alguma dúvida sobre o tratamento regulatório do token $ETH em outubro de 2023, não teria aprovado o ETF. Se a ETH fosse de fato um título mobiliário, os contratos futuros listados na CFTC (nos quais os ETFs se baseavam) seriam ilegais, pois qualquer derivado de $ETH seria considerado um contrato futuro de título mobiliário e estaria, pois, sujeito a regras diferentes, listado em bolsas diferentes e sujeito à jurisdição conjunta da SEC e da CFTC - The Commodity Futures Trading Commission, agência federal independente que regula os mercados de derivativos, incluindo contratos futuros, opções e swaps, nos Estados Unidos.
  4. Se o token $ETH fosse um título mobiliário, o Ether Futures ETF seria um instrumento ilegal. E a SEC não poderia ter aprovado um instrumento ilegal para ser negociado em uma bolsa de valores nacional.

Neste contexto, quando olhamos os recentes desenvolvimentos regulatórios, a recente aprovação dos ETFs de Ether à vista parece nos indicar que os reguladores estão considerando o ether [$ETH] como uma commodity – contrariando o entendimento do atual presidente da SEC, Gary Gensler.

Vamos aguardar as cenas dos próximos capítulos.

Perspectivas após aprovação dos ETH ETF à vista

A aprovação foi outra conquista para o setor de criptoativos nos EUA, que na semana anterior já tinha conseguido passar na Câmara dos Deputados a aprovação do Cripto FIT 21 – que tratamos em artigo anterior desta coluna. 

Contudo, pode levar semanas ou até meses para que os ETFs comecem a ser negociados na prática.

Isto porque, embora os formulários de aprovação de 8 ETH ETFs à vista tenham sido aprovados, seus emissores precisam que suas declarações de registro S-1 entrem em vigor antes que a negociação possa começar. 

A SEC já iniciou conversas com os emissores sobre seus formulários S-1. Mas isto ocorreu apenas recentemente, de modo que não se sabe ao certo quanto tempo esse processo levará – alguns analistas estão especulando que pode levar semanas.

Segundo analista de ETFs da Bloomberg, James Seyffart, comentou em sua conta no X: "Acho que, se eles se esforçarem ao máximo, isso poderá ser feito em algumas semanas, mas há muitos exemplos de processos que, historicamente, levam mais de três meses"

Os ETFs Bitcoin à vista detêm mais de US$ 57 bilhões de dólares em ativos sob gestão. Os ETFs ETH à vista, contudo, podem ter dificuldades para obter o mesmo nível de tração. Os analistas de ETFs estimam que eles podem receber de 10 a 15% de ativos que seus equivalentes ETFs de Bitcoin à vista receberam – o que os colocaria entre US$ 5 e US$ 8 bilhões de dólares nos primeiros dois anos. 

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Colunista

Tatiana Revoredo é representante do "European Law Observatory on New Technologies" no Brasil. Especialista em Direito Digital e Professora de Blockchain para Negócios no Insper. Especialista em aplicações de negócios Blockchain pelo MIT Sloan School of Management, em Inteligência Artificial pelo MIT CSAIL, em estratégia de negócios em Inteligência Artificial pelo MIT Sloan School of Management e em Cyber-Risk Mitigation pela Harvard University. Estrategista Blockchain pela Saïd Business School, University of Oxford. Convidada pelo Parlamento Europeu e pelo Congresso Nacional para palestrar sobre blockchain, criptoativos e legislações correlatas. Membro-fundadora da Oxford Blockchain Foundation. LinkedIn Top Voice em Tecnologia e Inovação. Coautora do livro "Criptomoedas no Cenário Internacional: qual o posicionamento de autoridades, Bancos Centrais e Governos". Autora dos livros "Blockchain: Tudo o que você precisa saber"; e "Bitcoin, CBDC, DeFi e Stablecoins".