Criptogalhas

Projeto de lei dos EUA sobre CBDC

"Ser o primeiro a lançar uma CBDC, nem sempre significa chegar na frente em termos de cibersegurança, inovação e benefícios à sociedade."

17/3/2023

"As CBDCs continuaram a ganhar mais atenção, mas com essa atenção, organizações e pessoas de peso têm se manifestado contra elas em virtude dos riscos. Ser o primeiro a lançar uma CBDC, nem sempre significa chegar na frente em termos de cibersegurança, inovação e benefícios à sociedade."

Mais de cem governos estão buscando emitir suas moedas digitais 

Assim como o Banco Central do Brasil, a cada dia vemos por todo o mundo, mais e mais lançamentos de provas de conceito das Central Bank Digital Currencies – CBDCs, ou moedas digitais dos Bancos Centrais.

China, França, Índia, Israel lançaram seus projetos piloto de CBDCs, e no Caribe, várias moedas digitais dos respectivos Bancos Centrais entraram em operação.

Recentemente, o Paquistão e o Reino Unido aceleraram os planos para seus próprios lançamentos de CBDCs.

O Banco Central das Bahamas passou por um projeto piloto e foi além, tornou-se a primeira autoridade monetária a lançar sua moeda digital nacional no dia 20/10/2020. 

Mas no começo deste ano, um fato curioso chamou a atenção: um projeto de lei que visa proibir o Federal Reserve – the FED, que equivale ao Banco Central dos Estados Unidos – de emitir uma CBDC de "varejo". 

Tendo em conta que mais de 100 (cem) governos estão buscando emitir suas CBDCs, representando mais de 95% (noventa e cinco por cento) do Produto Interno Bruto (PIB) global, de acordo com o Atlantic Council Geo-economics Center, no artigo de hoje do Criptogalhas, exploraremos uma visão geral das CBDCs e veremos por que, apesar das CBDCs continuarem a ganhar mais atenção, mais pessoas têm se manifestado contra elas.

CBDCs versus criptomoedas

Uma moeda digital do Banco Central em nada se parece com uma criptomoeda (Bitcoin – a primeira criptomoeda –  e as altcoins – criptomoedas que surgiram após o bitcoin).

As CBDCs são centralizadas, possuem uma autoridade central responsável pelas ocorrências e problemas, geralmente uma autoridade monetária ligada a determinado país, que regula o estado das transações na rede. 

Já as criptomoedas não estão vinculadas à nenhuma Economia ou país; são um novo ativo, digital e com alcance global, garantido por algoritmos criptográficos e protocolos descentralizados, executados em um blockchain de código aberto. 

Cibersegurança e CBDCs

Cibercriminosos estão frequentemente à espreita em busca de alguma vulnerabilidade não mitigada para lançar um ataque cibernético de sucesso. Por mais que muitos Bancos Centrais estejam buscando tecnologias como blockchain para lançar suas CBDCs, é preciso considerar que cibercriminosos representam ameaças à cibersegurança dos sistemas de informações de uma organização ou de um país

Antes de emitir uma CBDC, é preciso considerar também os ataques cibernéticos entre estados-nação que são projetados para atingir objetivos políticos, econômicos  e militaresHoje em dia, os conflitos entre países extrapolam o plano físico e se travam também em ambiente digital.

CBDCs de atacado versus CBDCs de varejo

Como o nome pode sugerir, os CBDCs de varejo são destinados ao varejo, ou ao consumidor. Estes seriam projetados para serem usados exatamente como os pagamentos digitais que já existem hoje, onde as pessoas poderiam usá-los para comprar mercadorias, pagar salários ou armazenar riqueza. Atualmente, existem três variações principais dos CBDCs de varejo: o CBDC direto, o CBDC intermediado ou indireto e a CBDC sintética.

Em contraste com os diferentes modelos de "CBDCs de varejo", as CBDCs de atacado estariam restritos às instituições financeiras para uso durante a liquidação interbancária – é este tipo de CBDC que o Banco Central do Brasil está desenvolvendo. 

Em outras palavras, uma CBDC de atacado serviria como uma forma de os bancos enviarem dinheiro entre si. 

Aqui, importante ressaltar que uma CBDC de atacado não é unanimidade. Para Philip Lowe, , por exemplo, presidente do Banco Central da Austrália: "Até hoje, porém, não temos visto um forte argumento de política pública para avançar [em direção a uma CBDC], especialmente dado o eficiente, rápido e conveniente sistema de pagamentos eletrônicos da Austrália".

FED americano e CBDC

Embora o Federal Reserve não tenha tomado nenhuma decisão sobre a busca ou implementação de uma moeda digital do banco central, ou CBDC, vem explorando os benefícios e riscos potenciais dos CBDCs de diversos ângulos, inclusive através de pesquisa e experimentação tecnológica. 

O foco principal do FED é "se e como" um CBDC poderia melhorar um sistema de pagamentos doméstico já seguro e eficiente nos Estados Unidos.

O CBDC é geralmente definido como uma responsabilidade digital de um banco central que está amplamente disponível ao público em geral. 

Hoje nos Estados Unidos, as notas do Federal Reserve (ou seja, moeda física) são o único tipo de dinheiro do banco central disponível para o público em geral. 

Como as formas de dinheiro existentes, uma CBDC permitiria que o público em geral fizesse pagamentos digitais. Como um passivo do Federal Reserve, porém, uma CBDC seria o ativo digital mais seguro disponível para o público em geral, sem risco associado de crédito ou liquidez.

O Conselho do Federal Reserve emitiu um documento de discussão que examina os prós e os contras de um potencial CBDC dos EUA. 

Como parte deste processo, o FED tem buscado o feedback do público sobre uma série de tópicos relacionados ao CBDC. 

O Federal Reserve está empenhado em ouvir uma ampla gama de vozes sobre esses tópicos, antes de decidir lançar uma CBDC, o que parece sensato em um país democrático como os EUA – apesar de muitos bradarem que eles estão atrasados no lançamento de uma moeda digital. Será mesmo?

Projeto de lei diz não à CBDC "de varejo" nos EUA

O deputado americano Tom Emmer (R-MN) introduziu uma um novo projeto de lei que visa proibir o Federal Reserve de emitir uma moeda digital de banco central de varejo (CBDC). 

Emmer foi o primeiro membro do Congresso a fazer pressão nos CBDCs através de uma proposta de legislação no ano passado, quando ele introduziu um PL semelhante. 

O primeiro projeto apresentado visa proibir que o FED emita um CBDC "de varejo", isto é, emita "uma moeda digital do banco central diretamente para um indivíduo". Também proibe explicitamente o FED de oferecer "produtos ou serviços diretamente a uma pessoa", e de manter "uma conta em nome de um indivíduo".

Agora, essa versão atualizada oferece proteções adicionais como proibir tanto a Assembléia de Governadores quanto o Comitê Federal de Mercado Aberto de usar "qualquer moeda digital do banco central para implementar a política monetária". 

Por fim, o novo projeto de lei proíbe o Federal Reserve de conduzir programas piloto do CBDC sem informar o Congresso.

Vamos, a seguir, compreender melhor o significado de cada uma dessas disposições.

CBDCs de varejo

Durante os últimos 12 meses, o FED tomou uma posição curiosa sobre se emitirá um CBDC. O entendimento, frequentemente mencionado por funcionários do Federal Reserve tem sido: "O Federal Reserve não pretende proceder com a emissão de um CBDC sem o apoio claro do poder executivo e do Congresso, idealmente na forma de uma lei de autorização específica". (grifamos) 

Contudo, para uma instituição que se tornou célebre por sua cuidadosa seleção de palavras, é preocupante que a postura oficial seja que a aprovação do Congresso seria "ideal" e que a intenção é não proceder sem ela.

Nesse quadro, legislações como a proposta pelo Deputado Emmer é necessária para retirar oficialmente uma CBDC de varejo da mesa.

CBDC e Política Monetária

Antes de prosseguirmos, um esclarecimento. Nosso objetivo aqui, não é discutir os meandros da política monetária de um país, mas apenas pontuar os objetivos da proposta legislativa objeto de nosso artigo.

Nesse passo, os proponentes dos CBDCs frequentemente apontam uma "política monetária melhorada" ou uma "maior eficiência da política monetária" como benefícios da adoção de uma CBDC. 

Na prática, contudo, esta linguagem significa que os Bancos Centrais fiscalizariam as transações individuais em uma tentativa de "afinar" a economia. 

E no caso dos EUA, uma maneira de realizar esta sintonia fina pode, por exemplo, cobrar taxas de juros negativas para penalizar essencialmente as pessoas por não gastarem dinheiro durante uma recessão.

Em outras palavras, o FED cobraria das pessoas para induzi-las a gastar. 

Nesse passo, esse projeto de lei americano visa proibir especificamente este tipo de comportamento, vedando o uso de CBDCs para a política monetária.

Programas Piloto

A seção final do projeto de lei exige que relatórios trimestrais sejam feitos ao Congresso, tanto para pesquisas da CBDC quanto para programas piloto da CBDC. 

Embora não tenha sido concedida a autoridade para lançar uma CBDC, os bancos regionais do FED têm estado muito ocupados desenvolvendo e pilotando potenciais CBDCs. 

Neste contexto, surgiram preocupações no final de 2022 sobre como esses programas piloto estão sendo operados – dado que, num país democrático, a transparência no pilotos de uma CBDC deve ser amplamente respeitada e observada. 

Em um comunicado à imprensa da época, o próprio Emmer afirmou que quanto mais aprendemos sobre o trabalho do Boston FED em [CBDCs], mais nos preocupamos com a falta de transparência, especialmente no que diz respeito à sua parceria com o setor privado.

Sabiamente, o projeto de lei do Deputado Emmer exige que o Conselho do Federal Reserve trabalhe com os bancos regionais para coletar informações sobre suas pesquisas e programas piloto e para que tais informações fossem  relatadas ao Congresso

Embora ainda haja riscos de permitir que o Federal Reserve explore os CBDCs em desenvolvimento, a exigência do Representante Emmer introduziria um necessário e inquestionável nível de transparência.

Notas finais

As CBDCs continuaram a ganhar mais atenção, mas com essa atenção, organizações e pessoas de peso têm se manifestado contra elas em virtude dos riscos de que as CBDCs usurpem o setor privado e ponham em perigo as liberdades fundamentais dos cidadãos.

Que bom seria se os Bancos Centrais, antes correrem para emitirem suas CDBCs, tivessem como balizas uma legislação como a proposta nos EUA, que exige a participação dos Parlamentos no processo, em um importante passo na proteção dos cidadãos em todo o mundo.

Conhecimento é poder!! Nos vemos em breve! 

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Colunista

Tatiana Revoredo é representante do "European Law Observatory on New Technologies" no Brasil. Especialista em Direito Digital e Professora de Blockchain para Negócios no Insper. Especialista em aplicações de negócios Blockchain pelo MIT Sloan School of Management, em Inteligência Artificial pelo MIT CSAIL, em estratégia de negócios em Inteligência Artificial pelo MIT Sloan School of Management e em Cyber-Risk Mitigation pela Harvard University. Estrategista Blockchain pela Saïd Business School, University of Oxford. Convidada pelo Parlamento Europeu e pelo Congresso Nacional para palestrar sobre blockchain, criptoativos e legislações correlatas. Membro-fundadora da Oxford Blockchain Foundation. LinkedIn Top Voice em Tecnologia e Inovação. Coautora do livro "Criptomoedas no Cenário Internacional: qual o posicionamento de autoridades, Bancos Centrais e Governos". Autora dos livros "Blockchain: Tudo o que você precisa saber"; e "Bitcoin, CBDC, DeFi e Stablecoins".