CPC na prática

A substituição da penhora de dinheiro por seguro-garantia judicial na visão do Superior Tribunal de Justiça

Decisão recente do STJ amplia a possibilidade de substituir penhora em dinheiro por seguro-garantia, favorecendo a menor onerosidade ao devedor.

9/1/2025

Pela sua praticidade e efetividade, a penhora on-line de ativos financeiros é o pedido número um de todos os credores. De fato, com a efetivação de tal penhora é muito comum o devedor não localizado aparecer e o jogo inverte, pois a demora na tramitação do feito passa a não mais interessar tanto ao devedor.

Entretanto, a penhora de dinheiro em conta por um longo espaço de tempo pode prejudicar o desenvolvimento das atividades do devedor e é muito comum o pedido de substituição dessa penhora pela apresentação de fiança bancária ou seguro-garantia judicial, eis que o art. 835, § 2º, do CPC equiparou essas duas garantias ao dinheiro1.

O Entendimento do STJ sempre vinha sendo contrário a tal pleito, que só se justificaria em casos excepcionais: “A jurisprudência desta Corte Superior é no sentido de que, embora sejam garantias equivalentes, a fiança e o seguro-garantia não possuem o mesmo status da penhora em dinheiro, de modo que, somente em casos excepcionais, quando comprovada a necessidade de aplicação do princípio da menor onerosidade, admite-se a substituição.”2

A Terceira Turma do STJ3 era praticamente a única Turma Julgadora que vinha permitindo tal substituição de forma mais ampla, eis que na 4ª Turma essa possibilidade também vinha sendo bem restrita: “Admite-se a substituição da penhora em dinheiro por seguro-garantia apenas em hipóteses excepcionais, quando necessário para evitar dano grave ao devedor, sem causar prejuízo ao exequente.”4

Portanto, é de se comemorar o recente acórdão da 4ª Turma do STJ:

"Processual civil. Tutela cautelar antecedente. Recurso especial. Ação de cobrança com pleito indenizatório a título de danos morais. Locação de bens móveis: maquinário e equipamentos para realização de obra. Execução provisória. Penhora on-line de dinheiro. Substituição por seguro-garantia. Possibilidade. Presença dos requisitos para a concessão da liminar. Deferimento.

1. A concessão da tutela provisória, de caráter excepcional, é cabível quando necessária para impedir o perecimento do direito e a consequente inutilidade do provimento jurisdicional.

2. Nos termos dos arts. 300 e 996, parágrafo único, do CPC, em caso de recurso sem efeito suspensivo, a eficácia da decisão recorrida pode ser suspensa por decisão do relator, na hipótese em que houver perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo e ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso.

3. O art. 835, § 2º, do CPC/15, equipara a dinheiro a fiança bancária e o seguro-garantia judicial, para fins de substituição da penhora, desde que em valor não inferior ao do débito constante da inicial, acrescido de 30% (trinta por cento).

4. Em relação ao referido dispositivo, há diversos julgados do STJ reconhecendo que, em que pese a lei se referir à "substituição", que pressupõe a anterior penhora de outro bem, o seguro-garantia judicial produz os mesmos efeitos jurídicos que o dinheiro, seja para fins de garantir o juízo, seja para possibilitar a substituição de outro bem objeto de anterior penhora, não podendo o exequente rejeitar a indicação, salvo por insuficiência, defeito formal ou inidoneidade da salvaguarda oferecida. No caso de seguro-garantia judicial a idoneidade da apólice deve ser aferida mediante verificação da conformidade de suas cláusulas às normas editadas pela autoridade competente, no caso, a Superintendência de Seguros Privados - SUSEP.

5. Ressalta-se, também, que a simples fixação de prazo de validade determinado na apólice e a inserção de cláusula condicionando os efeitos da cobertura ao trânsito em julgado da decisão não implicam inidoneidade da garantia oferecida, pois a renovação da apólice, a princípio automática, somente não ocorrerá se não houver mais risco a ser coberto ou se apresentada nova garantia. Caso não renovada a cobertura ou se o for extemporaneamente, caraterizado estará o sinistro, de acordo com a regulamentação estabelecida pela SUSEP, abrindo-se, para o segurado, a possibilidade de execução da própria apólice em face da seguradora. Precedentes.

6. Na espécie, diante do fumus bonis iuris e do periculum in mora devidamente demonstrados, bem como, considerando-se que: i) o CPC, art. 835, § 2º, e a jurisprudência do STJ autorizam a substituição da penhora em dinheiro por seguro-garantia; ii) o valor dado em garantia é 30% maior que o débito executado; iii) houve a juntada de apólice de seguro garantia, com validade até 4/7/29 e de certidão de regularidade da seguradora perante a SUSEP; iv) se está no âmbito de uma execução provisória; v) a manutenção da penhora em dinheiro, em sede de execução provisória, certamente causará ao executado onerosidade maior que a necessária, afetando a atividade empresarial diante da vultuosidade do valor penhorado - R$ 104 milhões -, mostra-se plausível a liberação do referido valor em favor da requerente.

7. Pedido de tutela provisória provido.” (g.n.)

(TutCautAnt n. 672/SP, relator Ministro Raul Araújo, Quarta Turma, julgado em 24/9/24, DJe de 30/9/24.)

Desse modo, havendo recentes julgados favoráveis à substituição de modo mais amplo pelas duas Turmas pertencentes à Segunda Seção do Tribunal, seria interessante que o tema fosse afetado para Julgamento pela Corte Especial do STJ para possa ocorrer a pacificação do tema em todas as Turmas do STJ.


1 A possibilidade de substituição é elogiada por Daniel Assumpção Neves: “A fiança bancária e, por extensão, o seguro-garantia judicial são formas de garantia do juízo que beneficiam todos os envolvidos na execução. Para o executado, a substituição será extremamente proveitosa porque, liberado o bem que havia sido penhorado, seu dinheiro poderá ser investido, o que certamente gerará dividendos, inclusive aumentando sua capacidade de fazer frente à cobrança enfrentada na execução. Essa circunstância verifica-se, inclusive, nos casos em que a penhora tem como objeto dinheiro, porque é notória a maior rentabilidade da maioria dos investimentos quando comparados com a correção dos depósitos em juízo. Na hipótese de utilização do dinheiro para financiar empreendimentos ou projetos, fica ainda mais nítida a importância da substituição ora defendida. Por outro lado, o exequente não terá nenhum prejuízo, porque o grande atrativo da penhora de dinheiro – liquidez imediata – será plenamente mantido com as duas espécies de garantia previstas pelo art. 835, § 2º, do CPC.” (Código de Processo Civil Comentado, 9ª  edição, São Paulo: Editora JusPodivm, 2024, p. 1.468).

2 AgInt no AREsp n. 2.641.137/RJ, relator Ministro Sérgio Kukina, Primeira Turma, julgado em 25/11/24, DJe de 29/11/24. No mesmo sentido temos os seguintes julgados da 1ª Turma: AgInt no AREsp 2496219 / SP, AgInt no REsp 2096069 / RJ, AgInt no AREsp 1603875 / SP e AgInt no AREsp 1546716 / SP. Esse também é o entendimento da Segunda Turma do STJ nos seguintes julgados: AgInt nos EDcl no REsp 2069883 / SP e AgInt no AREsp 2268523 / CE.

3 Vide os seguintes julgados: AgInt nos EDcl no AREsp 2392225 / RJ, REsp 2128204 / PR, AgInt no AREsp 2335077 / SP. O RESP 2.034.482/SP também da 3ª Turma já foi analisado nessa coluna em junho de 2023: Disponível aqui.

4 AgInt no AREsp n. 1.924.134/SC, relator Ministro RAUL ARAÚJO, Quarta Turma, julgado em 12/9/22, DJe de 22/9/22.

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Colunistas

André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto Pós-doutorados em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015), na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019), na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022) e na Universitá degli Studi di Messina (2024/2026). Visiting Scholar no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil e em Direito Constitucional (2023/2024). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). MBA em Agronegócio pela USP (2025). MBA em Energia pela PUC/PR (2025). MBA em Economia pela USP (2026). Pós Graduação Executiva em Negociação (2013) e em Mediação (2015) na Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em diversos cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (ex.: EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae, USP-AASP e CEU-Law). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb, Camagro e da Amcham. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Membro honorário da ABEP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).