Recentemente, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça ("STJ") decidiu afetar os Recursos Especiais de números 2.096.505, 2.140.662 e 2.142.333, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, para julgamento sob o rito dos repetitivos.
Trata-se do tema 1296, cujo objeto é: “Definir se a prévia intimação pessoal do devedor constitui condição necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer”.
O tema, de alguma forma, já foi enfrentado pelo STJ, conforme se nota da redação da Súmula 410: "A prévia intimação pessoal do devedor constitui condição necessária para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer".
E, em 2018, a Corte Especial do STJ já apreciou o assunto, no julgamento do EREsp n. 1.360.577, tendo-se prestigiado a orientação da Súmula 410 do STJ: “PROCESSO CIVIL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. OBRIGAÇÃO DE FAZER. DESCUMPRIMENTO. MULTA DIÁRIA. NECESSIDADE DA INTIMAÇÃO PESSOAL DO EXECUTADO. SÚMULA 410 DO STJ. 1. É necessária a prévia intimação pessoal do devedor para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer antes e após a edição das Leis n. 11.232/2005 e 11.382/2006, nos termos da Súmula 410 do STJ, cujo teor permanece hígido também após a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil. 2. Embargos de divergência não providos”.
Agora, através do julgamento do citado tema 1296, a Corte Especial do STJ revisitará a questão relativa à necessidade de prévia intimação do devedor para fins da incidência da multa de que trata o artigo 537 do CPC (“astreintes”); adotando-se, nesse cenário, a fixação de tese através do rito do julgamento de recursos repetitivos.
Vale dizer que os recentíssimos posicionamentos do STJ revelam que a redação da Súmula 410 do STJ vem sendo muito prestigiada, conforme se nota dos julgados abaixo:
"Consoante a jurisprudência desta Corte, "é necessária a prévia intimação pessoal do devedor para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer antes e após a edição das Leis nºs 11.232/2005 e 11.382/2006, nos termos da Súmula nº 410/STJ, cujo teor permanece hígido também após a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015" (AgInt nos EDcl no REsp n. 1.790.821/SP, relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 2/5/2022, DJe de 5/5/2022)" (STJ, AgInt no AREsp 2384676 / SP, Relator Ministro Marco Aurélio Bellizze, 3ª. Turma, julgado em 18.03.2024).
"Segundo a orientação jurisprudencial desta Corte, é necessária a prévia intimação pessoal do devedor para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer antes e após a edição das Leis n. 11.232/2005 e 11.382/2006, nos termos da Súmula 410 do STJ, cujo teor permanece hígido também após a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil (EREsp n. 1.360.577/MG, relator p/ acórdão Ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, DJe de 7/3/2019)". (STJ, AgInt nos EDcl no REsp 1834125 / AM, Relator Ministro Humberto Martins, 3ª. Turma, julgado em 26.02.2024).
"É necessária a prévia intimação pessoal do devedor para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer antes e após a edição das Leis n. 11.232/2005 e 11.382/2006, nos termos da Súmula 410 do STJ, cujo teor permanece hígido também após a entrada em vigor do novo Código de Processo Civil" (EREsp 1.360.577/MG, Relator para o acórdão Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, CORTE ESPECIAL, julgado em 19/12/2018, DJe de 07/03/2019)". (STJ, REsp 1497574 / SC, Relator Ministro Raul Araújo, 4ª. Turma, julgado em 24/10/2023).
"AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. ASTREINTES. INTIMAÇÃO PESSOAL DO DEVEDOR PARA CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. NECESSIDADE. SÚMULA 410/STJ. PRECEDENTES. ACÓRDÃO EM DESARMONIA À JURISPRUDÊNCIA DESTE TRIBUNAL SUPERIOR. MULTA DO ART. 1.021, § 4º, DO CPC/2015. NÃO INCIDÊNCIA, NA ESPÉCIE. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. 1. A iterativa jurisprudência desta Corte Superior firmou-se no sentido de ser necessária a prévia intimação pessoal do devedor para a cobrança de multa pelo descumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, nos termos da Súmula n. 410/STJ. 1.1. O envio de e-mail ao departamento jurídico da instituição financeira e aos seus patronos não substitui a intimação pessoal. 2. As questões afetas à regularidade e exigibilidade da multa cominatória constituem matéria de ordem pública e, por isso, nas instâncias originárias, não se sujeitam à preclusão e são passíveis de conhecimento de ofício. 3. O mero não conhecimento ou a improcedência de recurso interno não enseja a automática condenação à multa do art. 1.021, § 4º, do NCPC, devendo ser analisado caso a caso. 4. Agravo interno improvido". (STJ, AgInt no REsp 2079082 / SP, Marco Aurélio Bellizze, 3ª. Turma, julgado em 11/09/2023).
"AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. PREVIDÊNCIA PRIVADA. PENSÃO POR MORTE. SUPLEMENTAÇÃO. OBRIGAÇÃO DE FAZER. DESCUMPRIMENTO. MULTA. AFASTAMENTO. DESCABIMENTO. INTIMAÇÃO PESSOAL DO DEVEDOR. OCORRÊNCIA. REEXAME DE PROVA. SÚMULA Nº 7/STJ. HONORÁRIOS. PREQUESTIONAMENTO. AUSÊNCIA. SÚMULA Nº 211/STJ.
1. A ausência de prequestionamento da matéria suscitada no recurso especial, a despeito da oposição de declaratórios, impede o conhecimento do apelo nobre (Súmula nº 211/STJ).
2. É necessária a intimação pessoal do devedor de obrigação de fazer para fins de incidência das astreintes". (STJ, AgInt no AREsp 2187501 / SP, Relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª. Turma, julgado em 14/08/2023).
O assunto, além de sumulado, já conta com precedente formado nos termos do artigo 927, V, do CPC, conforme se verifica do v. acórdão da Corte Especial do STJ, relativo ao julgamento do EREsp n. 1.360.577. De todo modo, com o julgamento do tema 1296, a Corte Especial do STJ, através do rito de apreciação dos apelos especiais repetitivos, tende a confirmar o precedente já formado no referido julgamento do EREsp n. 1.360.577, delineando-se a incidência – para a questão - do artigo 927, III, do CPC.
Frisa-se que o artigo 927, III e V, do CPC, prevê, além da observância aos acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos, a vinculação de orientação do plenário ou do órgão especial aos quais os juízes estiverem vinculados.
Fredie Didier Jr. ensina que: "Há, aí, a previsão de duas ordens de vinculação. Uma vinculação interna dos membros e órgãos fracionários de um tribunal aos precedentes oriundos do plenário ou órgão especial daquela mesma Corte. Uma vinculação externa dos demais órgãos de instância inferior (juízos e tribunais) aos precedentes do plenário ou órgão especial do tribunal a que estiverem submetidos. Afinal, o precedente não deve vincular só o tribunal que o produziu, como também os órgãos a ele subordinados. Diante disso, precedentes do: [...] b) plenário e órgão especial do STJ, em matéria de direito federal e infraconstitucional, vinculam o próprio STJ, bem como TRFs, TJs e juízes (federais e estaduais) a ele vinculados."1
Teresa Arruda Alvim, nesse cenário, bem destaca a importância de os precedentes serem seguidos.2 E, Daniel Mitidiero, com máxima didática, enfatiza que: "As cortes de justiça e os juízes a ela ligados não podem deixar de aplicar um precedente apenas por que não concordam com a solução formulada, isto é, com seu conteúdo".3
O STJ, no julgamento do pedido de uniformização de interpretação de lei federal n. 825, elegeu os julgados da Corte Especial como exemplos de sua "jurisprudência dominante" e que deve ser seguida pelos membros da Corte: "Esse conceito abrange decisões do STJ em incidentes de resolução de demandas repetitivas (IRDRs), incidentes de assunção de competência (IACs), recursos repetitivos e embargos de divergência, além de julgados da Corte Especial."
A dinâmica de respeito aos precedentes, adotada pelo CPC, fica nítida nos termos da Recomendação n. 134/22 do CNJ, reforçando-se os cuidados que devem ser adotados para fins de preservar-se a segurança jurídica almejada pelo sistema desenhado nos artigos 926 e 927 do CPC.
Com a apreciação do tema 1296, a Corte Especial do STJ tende a novamente reforçar entendimento já sumulado e que já foi objeto de julgamento, para fins do artigo 927, V, do CPC, conforme se notou na apreciação do EREsp n. 1.360.577; tudo de modo a se almejar – em favor da segurança jurídica – que o diálogo entre a súmula 410 da Corte Superior e a multa prevista no artigo 537 do CPC, no que toca à necessidade de prévia intimação do devedor, tenha sua conclusão em linha com a diretriz histórica confirmada – e já reconfirmada – pelo STJ em diversos outros julgamentos.
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1 DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, decisão, precedente, coisa julgada, processo estrutural e tutela provisória. Salvador: Ed. Juspodivm, 2021, p. 593.
2 "O objetivo destes institutos, ou, se se preferir, destes regimes diferenciados de julgamento de ações de recursos, é justamente o de gerar segurança e previsibilidade. Não teria sentido algum se não tivessem de ser respeitados. Sua razão de ser seria brutalmente desrespeitada e sua finalidade inteiramente comprometida". (ARRUDA ALVIM, Teresa (et al). Primeiros Comentários ao Código de Processo Civil [livro eletrônico]. Ed. 2020. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2020, disponível aqui).
3 MITIDIERO, Daniel. Processo Civil. São Paulo: RT, 2021, p. 320.