O relatório Justiça em Números de 2024 aponta que há 83,8 milhões de processos em tramitação, sendo que o percentual de 56,5% corresponde a execuções; e sendo que a maior parte dos processos de execução é composta pelas execuções fiscais, que representam 59% do estoque.
Vale realçar que a taxa média nacional de congestionamento, quanto às execuções, é de 80,6%, o que demonstra, inevitavelmente, que temos uma grave crise na execução brasileira, ocasionada, principalmente, pela ausência de bens dos devedores para solverem os débitos exigidos.
Existe, assim, uma enorme crise na execução no Brasil.
E, em síntese, estudiosos no país lidam com esse cenário da execução de cinco formas: (i) propostas de reformas legislativas; (ii) estudos sobre desjudicialização; (iii) desenhos de requisitos e limites para a aplicação das medidas executivas atípicas do artigo 139, IV, do Código de Processo Civil de 2015 (“CPC/15”); (iv) debates sobre como localizar-se mais rapidamente os bens dos devedores; e (v) relativização da excepcionalidade de algumas medidas executivas, ou mesmo permissão de constrição de alguns bens tidos como impenhoráveis.
Foi nesse último sentido, por exemplo, a posição da Corte Especial do STJ no julgamento dos Embargos de Divergência n. 1.874.222, relativizando-se a impenhorabilidade de salário prevista no artigo 833, IV, do CPC/15: “a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) estabeleceu que, em caráter excepcional, é possível relativizar a regra da impenhorabilidade das verbas de natureza salarial para pagamento de dívida não alimentar, independentemente do montante recebido pelo devedor, desde que preservado valor que assegure subsistência digna para ele e sua família”.
A questão voltará a ser enfrentada pelo STJ no julgamento dos Recursos Especiais ns. 1.894.973, 2.071.335 e 2.071.382, de relatoria do ministro Raul Araújo, sob o rito dos repetitivos. A questão está cadastrada como Tema 1.230 e vai definir o "alcance da exceção prevista no parágrafo 2º do artigo 833 do Código de Processo Civil (CPC), em relação à regra da impenhorabilidade da verba de natureza salarial tratada no inciso IV do mesmo dispositivo, para efeito de pagamento de dívidas não alimentares, inclusive quando a renda do devedor for inferior a cinquenta (50) salários-mínimos"1.
E existe a possibilidade de a Corte Especial do STJ manter o entendimento – inclusive fixando critérios – de relativizar a regra da impenhorabilidade das verbas de natureza salarial para pagamento de dívida não alimentar, independentemente do montante recebido pelo devedor, desde que preservado valor que assegure subsistência digna para ele e sua família; em linha, diga-se, com legislações processuais europeias, tal como se estipula no parágrafo 850-C da ZPO e no artigo 738 do CPC/13.
Caso assim ocorra, e até mesmo por coerência, naturalmente a previsão da impenhorabilidade do montante de 40 salários-mínimos – prevista no artigo 833, X, do CPC/15, precisa ser revisitada; a exemplo, aliás, do que ocorre no parágrafo 850-k da ZPO e no artigo 738, 5, do CPC/13, nos quais a impenhorabilidade de valores em conta bancária acompanha, em sintonia, os parâmetros da proteção à verba salarial.
No Brasil, registre-se, a falta de coerência do CPC/15 já ocorre nas balizas de proteção eleitas para as verbas salariais, em execuções de créditos não alimentares, apontando-se o patamar de 50 salários-mínimos no parágrafo 2º do artigo 833 do código. Por sua vez, o artigo 833, X, do CPC/15, protege a verba monetária de até 40 salários-mínimos, inexistindo uma lógica forte para explicar a razão de previsão díspares nesses dispositivos.
E tal incongruência pode se agravar caso o julgamento do Tema 1.285 não acompanhe a linha de apreciação do Tema 1.230, pelo qual o STJ tende a confirmar a posição já delineada pela Corte Especial no julgamento dos Embargos de Divergência n. 1.874.222, fortalecendo-se um precedente que siga a diretriz da relativização do disposto no parágrafo 2º do artigo 833 do CPC/15.
Vale lembrar que o objeto do citado Tema 1.285 é justamente a interpretação do artigo 833, X, do CPC/15, cabendo ao STJ: "definir se é ou não impenhorável a quantia de até 40 salários-mínimos poupada, seja ela mantida em papel-moeda, em conta corrente, aplicada em caderneta de poupança propriamente dita ou em fundo de investimentos". O assunto será julgado pela Corte Especial do STJ, sob o rito dos repetitivos, apreciando-se os Recursos Especiais n. 2.015.693 e n. 2.020.425, de relatoria da ministra Maria Thereza de Assis Moura.
É certo dizer que a insegurança jurídica deve ser evitada e que a execução deve ser regida pelos pilares da efetividade e da eficiência, muito bem estampados nos artigos 4º e 8º do CPC/15; de tal sorte que a Corte Especial do STJ deve cuidar para que seus precedentes a serem fixados nos Temas 1230 e 1.285 estejam em harmonia, garantindo-se que nos casos de relativização da regra de impenhorabilidade prevista no parágrafo 2º do artigo 833 do CPC/15, também ocorra a relativização da proteção estipulada no artigo 833, X, do CPC/15.
__________
1 Disponível aqui. Acesso em 19.11.2024.