CPC na prática

Reconhecimento da prescrição intercorrente em exceção de pré-executividade na execução fiscal e honorários advocatícios contra a Fazenda

A decisão do STJ no REsp 2.046.269/PR exclui honorários ao executado por prescrição intercorrente, ignorando os custos do advogado e impactando o acesso à justiça.

7/11/2024

Como se sabe, o art. 40, da lei de execuções fiscais (lei 6.830/80), estabelece que o juiz “suspenderá o curso da execução, enquanto não for localizado o devedor ou encontrados bens sobre os quais possa recair a penhora, e, nesses casos, não correrá o prazo de prescrição”.

Conforme o § 2° do referido dispositivo legal, decorrido o prazo máximo de 1 ano, sem que seja localizado o devedor ou encontrados bens penhoráveis, o juiz ordenará o arquivamento dos autos.

Entretanto, se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato, nos termos do § 4º do mesmo artigo.

Assim, pode ocorrer a prescrição intercorrente no curso da execução fiscal, se o processo for suspenso nos termos do art. 40 da lei de execuções fiscais, os autos forem enviados ao arquivo após um ano em cartório e, depois disso, fluir integralmente o prazo prescricional sem que sejam localizados o devedor ou seus bens passíveis de penhora.

Apesar de a prescrição ser matéria que pode ser reconhecida de ofício pelo juiz, não raro é necessário que o executado “alerte” o magistrado sobre a ocorrência de prescrição intercorrente por meio de exceção de pré-executividade para que o decurso do prazo prescricional seja devidamente reconhecido pelo magistrado e produza seus efeitos legais.

Questão interessante é saber se são devidos honorários advocatícios pela Fazenda Pública caso aconteça o reconhecimento da prescrição intercorrente no curso da execução fiscal e após a apresentação de exceção de pré-executividade pelo executado. Isso porque o art. 85, do CPC, que versa sobre a fixação de honorários advocatícios de sucumbência é silente a respeito.

Recentemente, o STJ julgou o recurso especial 2.046.269 e tratou de responder esta questão pela sistemática de julgamento de recursos repetitivos, conforme se pode depreender da ementa abaixo transcrita:

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DA CONTROVÉRSIA. TEMA 1.229 DO STJ. EXECUÇÃO FISCAL. EXCEÇÃO DE PRÉ- EXECUTIVIDADE. ACOLHIMENTO. EXTINÇÃO DO FEITO EXECUTIVO. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. ART. 40 DA LEI 6.830/80. NÃO LOCALIZAÇÃO DO EXECUTADO OU DE BENS PENHORÁVEIS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. NÃO CABIMENTO. PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE. APLICAÇÃO.

1. A questão jurídica controvertida a ser equacionada pelo STJ, em julgamento submetido à sistemática dos repetitivos, diz respeito à possibilidade de fixação de honorários advocatícios quando a exceção de pré-executividade é acolhida para extinguir a execução fiscal, em razão do reconhecimento da prescrição intercorrente, nos termos do art. 40 da lei 6.830/80.

2. Os princípios da sucumbência e da causalidade estão relacionados com a responsabilidade pelo pagamento dos honorários advocatícios, sendo que a fixação da verba honorária com base na sucumbência consiste na verificação objetiva da parte perdedora, que caberá arcar com o ônus referente ao valor a ser pago ao advogado da parte vencedora, e está previsto no art. 85, caput, do CPC/15, enquanto o princípio da causalidade tem como finalidade responsabilizar aquele que fez surgir para a parte ex adversa a necessidade de se pronunciar judicialmente, dando causa à lide que poderia ter sido evitada.

3. O reconhecimento da prescrição intercorrente, especialmente devido a não localização do executado ou de bens de sua propriedade aptos a serem objeto de penhora, não elimina as premissas que autorizavam o ajuizamento da execução fiscal, relacionadas com a presunção de certeza e liquidez do título executivo e com a inadimplência do devedor, de modo que é inviável atribuir ao credor os ônus sucumbenciais, ante a aplicação do princípio da causalidade, sob pena de indevidamente beneficiar a parte que não cumpriu oportunamente com a sua obrigação.

4. Ainda que a exequente se insurja contra a alegação do devedor de que a execução fiscal deve ser extinta com base no art. 40 da LEF, se esse fato superveniente - prescrição intercorrente - for a justificativa para o acolhimento da exceção de pré-executividade, não há falar em condenação ao pagamento de verba honorária ao executado.

5. Tese jurídica fixada: "À luz do princípio da causalidade, não cabe fixação de honorários advocatícios na exceção de pré-executividade acolhida para extinguir a execução fiscal em razão do reconhecimento da prescrição intercorrente, prevista no art. 40 da lei 6.830/80”.

6. Solução do caso concreto: a) não se configura ofensa aos art. 489, § 1º, III, IV e VI, e 1.022, II, do CPC/15,quando o tribunal de origem aprecia integralmente a controvérsia, apontando as razões de seu convencimento, mesmo que em sentido contrário ao postulado, circunstância que não se confunde com negativa ou ausência de prestação jurisdicional; b) o entendimento firmado pelo TRF da 4ª região é de que os honorários advocatícios, nos casos de acolhimento da exceção de pré-executividade para reconhecer a prescrição intercorrente, nos termos do art. 40 da LEF, não são cabíveis quando a Fazenda Pública não apresenta resistência ao pleito do executado, enquanto o precedente vinculante aqui formado explicita a tese de que, independentemente da objeção do ente fazendário, a verba honorária não será devida em sede de exceção de pré-executividade em que se decreta a prescrição no curso da execução fiscal.

7. Hipótese em que o acórdão recorrido merece reparos quanto à tese jurídica ali fixada, mas o desfecho dado ao caso concreto deve ser mantido.

8. Recurso especial conhecido e desprovido.

(REsp 2.046.269/PR, relator ministro Gurgel de Faria, 1ª seção, julgado em 9/10/2024, DJe de 15/10/24, grifos nossos)”.

Assim, o recurso acima ementado foi julgado pela sistemática de julgamento de recursos repetitivos, tendo sido fixado o tema 1.229 pela 1ª seção do STJ, nos seguintes termos:

“À luz do princípio da causalidade, não cabe fixação de honorários advocatícios quando a exceção de pré-executividade é acolhida para extinguir a execução fiscal em razão do reconhecimento da prescrição intercorrente, prevista no art. 40 da lei 6.830/80”.

Em outras palavras, o entendimento que acabou prevalecendo foi o de que, no âmbito da execução fiscal, a Fazenda (exequente) não deu causa à prescrição porque a não localização de bens do devedor ou de bens passíveis de penhora não foi causada por ela.

Desse modo, no entender do STJ, a Fazenda não deveria ser condenada ao pagamento de honorários advocatícios para o executado na hipótese de reconhecimento da prescrição intercorrente em exceção de pré-executividade porque ela não teria dado causa à não localização do devedor ou de seus bens.

Com o devido respeito, tal decisão não é irretocável, pois deixa de considerar que o executado teve que contratar advogado para apresentar exceção de pré-executividade e fazer ser reconhecida prescrição. Ou seja, o trabalho do advogado tem um custo que foi desconsiderado pela decisão do STJ. E mais, a decisão ignora a possibilidade de a Fazenda ter sido negligente na tentativa de localização do executado ou de seus bens.

Assim, simplesmente deixar de atribuir honorários advocatícios ao advogado que trabalhou no processo para defender os interesses de seu cliente não é a melhor solução. Isso apenas tornará mais oneroso o acesso à justiça, pois o advogado (que exerce função essencial à justiça nos termos do art. 133, da CF/88), sabendo que não receberá verbas de sucumbência devido ao entendimento fixado no tema 1.229, deverá cuidar de fixar em valor mais elevado os honorários pactuados no contrato de prestação de serviços advocatícios, para garantir o seu sustento.

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André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto Pós-doutorados em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015), na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019), na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022) e na Universitá degli Studi di Messina (2024/2025). Visiting Scholar no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil e em Direito Constitucional (2023/2024). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). MBA em Agronegócio pela USP (2025). MBA em Energia pela PUC/PR (2025). Pós Graduação Executiva em Negociação (2013) e em Mediação (2015) na Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em diversos cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (ex.: EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb e da Amcham. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Membro honorário da ABEP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).