CPC na prática

A comprovação do recolhimento dos tributos nas ações de repetição de indébito

O STJ facilita ações de repetição de indébito, permitindo a comprovação de apenas um recolhimento inicial, agilizando processos e evitando enriquecimento ilícito.

24/10/2024

Em petições iniciais de ações de repetição de indébito de tributos era muito comum a juntada de milhares de guias de pagamento para a comprovação dos recolhimentos a serem devolvidos.

Desde 2009 o STJ pacificou o entendimento de que bastaria a juntada de um único recolhimento para comprovar a condição de contribuinte do Autor e os outros recolhimentos poderiam ser juntados somente na fase de liquidação do julgado, conforme se extrai do tema 115 do STJ:

“Mostra-se suficiente para autorizar o pleito repetitório a juntada de apenas um comprovante de pagamento da taxa de iluminação pública, pois isso demonstra que era suportada pelo contribuinte uma exação que veio a ser declarada inconstitucional. A definição dos valores exatos objeto de devolução será feita por liquidação de sentença, na qual obrigatoriamente deverá ocorrer a demonstração do quantum recolhido indevidamente.”1                      

Já na delimitação do tema 118 do STJ restou estabelecido:

"a) tratando-se de mandado de segurança impetrado com vistas a declarar o direito à compensação tributária, em virtude do reconhecimento da ilegalidade ou inconstitucionalidade da anterior exigência da exação, independentemente da apuração dos respectivos valores, é suficiente, para esse efeito, a comprovação cabal de que o impetrante ocupa a posição de credor tributário, visto que os comprovantes de recolhimento indevido serão exigidos posteriormente, na esfera administrativa, quando o procedimento de compensação for submetido à verificação pelo fisco; e

b)tratando-se de mandado de segurança com vistas a obter juízo específico sobre as parcelas a serem compensadas, com efetiva alegação da liquidez e certeza dos créditos, ou, ainda, na hipótese em que os efeitos da sentença supõem a efetiva homologação da compensação a ser realizada, o crédito do contribuinte depende de quantificação, de modo que a inexistência de comprovação suficiente dos valores indevidamente recolhidos representa a ausência de prova pré-constituída indispensável à propositura da ação mandamental.”

Desse modo só devem ser juntados na inicial todos os comprovantes de pagamento quando se pretende a obtenção de um juízo específico sobre as parcelas a serem compensadas ou a homologação de uma compensação realizada. Isto é, quando se quer que o judiciário ateste a efetiva existência, certeza e liquidez do crédito a ser compensado.

Com isso ganhou-se agilidade no ajuizamento das ações, já que não mais seria necessário juntar todos os comprovantes e durante a tramitação do feito o Autor teria tempo para levantar e organizar a comprovação de todos os recolhimentos.

Entretanto, alguns julgados ainda continuam prevendo que somente os recolhimentos comprovados nos autos seriam passíveis de repetição.

Em recente julgado o STJ decidiu, com base na instrumentalidade do processo, que tal previsão transitada em julgado da comprovação prévia poderia ser afastada no caso do Ente Público reconhecer a existência do pagamento, que deixou de ser comprovado pelo contribuinte nos autos:

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. VIOLAÇÃO DOS ARTS 489 E 1.022 DO CPC. NÃO OCORRÊNCIA. IMPUGNAÇÃO AO CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. TÍTULO JUDICIAL QUE RECONHECE O DIREITO À RESTITUIÇÃO DAS PARCELAS CUJO RECOLHIMENTO INDEVIDO TENHA SIDO COMPROVADO NOS AUTOS. RESTITUIÇÃO DE PARCELAS NÃO COMPROVADAS, MAS RECONHECIDAS PELA ADMINISTRAÇÃO TRIBUTÁRIA COMO PAGAS. ATO ADMINISTRATIVO REVESTIDO DE FÉ PÚBLICA. PRESUNÇÃO DE LEGALIDADE, LEGITIMIDADE E VERACIDADE. VEDAÇÃO AO ENRIQUECIMENTO ILÍCITO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. JULGAMENTO DE PARCIAL PROCEDÊNCIA DA IMPUGNAÇÃO. CABIMENTO. PROVIMENTO NEGADO.

  1. Inexiste a alegada violação dos arts. 489 e 1.022 do CPC, pois a prestação jurisdicional foi dada na medida da pretensão deduzida, consoante se depreende da análise do acórdão recorrido. O Tribunal de origem apreciou fundamentadamente a controvérsia, não padecendo o julgado de nenhum erro material, omissão, contradição ou obscuridade. Destaca-se que julgamento diverso do pretendido, como neste caso, não implica ofensa aos dispositivos de lei invocados.
  2. Tem-se como fato incontroverso, expressamente reconhecido no acórdão recorrido, que a condenação do ente público na ação de conhecimento é restrita à restituição do indébito correspondente às parcelas do IPTU (Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana) comprovadamente adimplidas. Contudo, embora a parte contribuinte não tenha se desincumbido de sua obrigação de apresentar as guias comprobatórias do recolhimento do tributo, o ente público executado apresentou impugnação ao cumprimento de sentença, colacionando documento emitido por agente administrativo do qual consta informação acerca dos pagamentos realizados pela parte contribuinte.
  3. Os atos administrativos são revestidos de fé pública e gozam de presunção de legalidade, legitimidade e veracidade, de modo que somente em situações excepcionais, e desde que haja prova robusta e cabal, pode-se autorizar a desconsideração das informações prestadas por agente administrativo, o que não se verifica no caso concreto, mormente quando o ente público recorrente não invoca dúvidas quanto à veracidade do documento que noticia o efetivo pagamento das parcelas postuladas pela parte recorrida e cujo direito à restituição já foi reconhecido judicialmente por sentença transitada em julgado.
  4. Segundo preconizam os arts. 371, 374, 389 e 493 do CPC, o magistrado tem o poder-dever de julgar a lide com base nos elementos suficientes para nortear e instruir seu entendimento, especialmente quando os fatos estão demonstrados de forma incontroversa, e por meio de prova documental sobre a qual milita presunção legal de veracidade, qual seja, o documento emitido pelo agente público reconhecendo expressamente o pagamento da parcela do tributo indevido, instrumento que se equipara à confissão de dívida. Não há, portanto, necessidade de se exigir da parte contribuinte a juntada de comprovantes de pagamento para cumprimento da sentença que declarou o direito à repetição do indébito tributário.
  5. O ordenamento jurídico pátrio veda o enriquecimento sem causa, sendo ele caracterizado, inclusive, quando há recebimento de quantia paga indevidamente, razão pela qual não há censura a se fazer ao acórdão recorrido no ponto em que reconheceu o direito da parte contribuinte à restituição das parcelas cuja quitação indevida é inconteste.
  6. São cabíveis os honorários advocatícios em favor da parte credora pela rejeição total ou parcial da impugnação ofertada pela Fazenda Pública, excetuada da base de cálculo apenas eventual parcela devida do crédito. Precedente: AgInt no REsp 2.008.452/SP, relator ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Turma, julgado em 10/9/2024, DJe de 13/9/2024.
  7. Recurso especial a que se nega provimento.

(REsp 1.808.482/RS, relator ministro Paulo Sérgio Domingues, 1ª turma, julgado em 8/10/24, DJe de 14/10/24.)     

O julgamento do STJ está correto, já que no processo o contribuinte afirmou que recolheu as exações e o Fisco comprovou tais recolhimentos documentalmente nos autos. Logo, não faz sentido o Entre Público não querer devolver os valores sob a alegação de que o autor não juntou a comprovação dos recolhimentos.

Desse modo, o entendimento do STJ parece atender aos princípios da economia e celeridade processual, vedando o enriquecimento ilícito do erário em detrimento do contribuinte, que efetuou o pagamento de tributos indevidos.

________

1 Esse é o entendimento que prevalece no STJ até os dias de hoje: AgInt no AREsp 2.450.544/MG, Relator ministro Mauro Campbell Marques, 2ª turma, julgado em 22/4/24, DJe de 25/4/24.

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Colunistas

André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto Pós-doutorados em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015), na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019), na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022) e na Universitá degli Studi di Messina (2024/2025). Visiting Scholar no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil e em Direito Constitucional (2023/2024). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). MBA em Agronegócio pela USP (2025). MBA em Energia pela PUC/PR (2025). Pós Graduação Executiva em Negociação (2013) e em Mediação (2015) na Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em diversos cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (ex.: EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb e da Amcham. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Membro honorário da ABEP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).