CPC na prática

É ônus do executado demonstrar eventual desproporcionalidade na utilização do CNIB

Daniel Penteado de Castro tece considerações sobre recente julgado do STJ que determinou a expedição de ofício a CNIB e Serasa, ao fundamento de que tais medidas devem ser utilizadas e é ônus do devedor demonstrar o seu afastamento ao caso concreto.

19/9/2024

O processo de execução pressupõe uma crise de inadimplemento por parte do devedor, de sorte que existindo título executivo líquido, certo e exigível a busca da tutela jurisdicional se presta a satisfação (ou tentativa de) do recebimento do crédito em favor do credor.

Não por outra razão que aludido procedimento é dotado de menos atos processuais que se comparado ao procedimento comum e, guiado pelo Princípio da Execução, conta com instrumental a serviço da satisfação da tutela executiva (ou medidas de apoio destinadas a compelir o devedor ao pagamento), à exemplo de penhora online de bens móveis e imóveis, penhora de direitos creditórios em outras demandas, a inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes e órgãos de proteção ao crédito (art.  782, § 3º do CPC) e ofício à Central Nacional de Indisponibilidade de Bens – CNIB, dentre outras medidas.

Por outro lado, tem sido comum a resistência de alguns juízes em deferir as medidas acima, por vezes em situações em que o devedor, citado, apenas acompanha os autos, sem nada contribuir para a satisfação da tutela executiva. 

Recentemente, a Segunda Turma do STJ examinou a questão, com vistas a reformar o v. acórdão oriundo do Tribunal Regional da 4ª Região para determinar a inclusão do nome do Executado junto ao Serasa, bem como autorizar a expedição de ofício ao CNIB:

“RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. AGRAVO RETIDO. RECURSO INEXISTENTE. PRINCÍPIO DA TAXATIVIDADE RECURSAL.

UNIRRECORRIBILIDADE. PRECLUSÃO CONSUMATIVA.

INEXISTÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO.

1. No Código de Processo Civil de 2015, as decisões interlocutórias passaram a ser impugnadas, nas hipóteses listadas nos incisos do art. 1.015 do CPC, pelo agravo na modalidade instrumental e, nas remanescentes, por meio de preliminar de apelação.

1.1. Desse modo, interposto agravo retido contra decisão interlocutória, o recurso deve ser considerado inexistente, em observância ao princípio da Taxatividade Recursal.

1.2. A interposição de recurso inexistente não possui aptidão para gerar efeito jurídico, uma vez que, pela própria definição, ele não existe no ordenamento processual.

2. Logo, a interposição de recurso inexistente não obsta a interposição de agravo de instrumento contra a mesma decisão interlocutória, não havendo preclusão consumativa.

3. Recurso especial a que se nega provimento”. 

“ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. OMISSÃO. AUSÊNCIA. MULTA DO TRIBUNAL DE CONTAS. SERASAJUD. POSSIBILIDADE. CENTRAL NACIONAL DA INDISPONIBILIDADE DE BENS - CNIB. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1. A Corte de origem dirimiu, fundamentadamente, a matéria submetida à sua apreciação, manifestando-se acerca dos temas necessários ao integral deslinde da controvérsia, não havendo omissão, contradição, obscuridade ou erro material, afastando-se, por conseguinte, a alegada violação ao art. 1.022 do CPC/2015.

2. A jurisprudência do STJ, alinhada ao entendimento do STF na ADI 5.941/DF, admite a adoção de medidas executivas atípicas, desde que observados os princípios da proporcionalidade e razoabilidade no caso concreto.

3. Reforma-se o acórdão que indefere o uso da ferramenta denominada "SERASAJUD" que inclui o nome do executado nos cadastros de inadimplência, porquanto seu uso confere maior efetividade na demanda executória, não se mostrando medida desproporcional.

4. O Provimento n. 34/2014 instituiu a Central Nacional de Indisponibilidade de Bens - CNIB com fito de propiciar uma resolução mais célere das execuções e cumprimentos de sentença que envolvam obrigações de pagar, bem como frustrar eventual ocultação de patrimônio em outros municípios ou estados da federação diversos do foro competente.

5. Recurso especial provido. 

(STJ, Resp 1968880/RS, Segunda Turma, Rel. Min. Afrânio Vilela, v.u., j. 10.09.2024, grifou-se) 

O voto condutor bem ponderou: 

No mérito, cinge a controvérsia em analisar o acerto do acórdão que manteve o indeferimento do pedido de inclusão do nome dos agravados no SERASAJUD, bem como o lançamento de indisponibilidade junto à Central Nacional de Indisponibilidade de Bens - CNIB.

(...)

A análise da proporcionalidade da medida deve considerar as circunstâncias específicas de cada caso em particular, uma vez que é crucial assegurar que a medida coercitiva não prejudique de maneira desproporcional a subsistência do executado.

No caso, importa mencionar que o art. 782, § 3º, do Código de Processo Civil se refere especificamente aos casos de inclusão em cadastro de inadimplentes, não trazendo requisitos para a almejada inclusão, sendo dispensável eventual "resistência das referidas instituições".

Entendo, ainda, que o fato de ser possível a inclusão na via extrajudicial não impede que o credor requeira em juízo, conforme disposto na lei processual, uma vez que interpretação diversa implica: i) extensão a um óbice não previsto em lei, em prejuízo ao credor; e ii) ofensa ao princípio da inafastabilidade da jurisdição, previsto no art. 5º, XXXV, da CF.

Com relação à utilização da CNIB, observo que o Provimento n. 34/2014 instituiu com o fito de propiciar uma resolução mais célere das execuções e dos cumprimentos de sentença que envolvam obrigações de pagar, bem como frustrar eventual ocultação de patrimônio em outros municípios ou estados da federação diversos do foro competente.

Considerando, ainda, que o Juízo pode adotar todas as medidas que estiverem ao alcance do Estado, e que não sejam expressamente vedadas na lei, não verifico óbice à sua utilização para ordenar o lançamento de indisponibilidade em eventual bem imóvel do devedor, sendo ônus do executado apontar eventual desproporcionalidade na utilização da ferramenta.

Ora, a adoção dos referidos mecanismos visam à resolução das lides em menor tempo, observando o princípio da duração razoável do processo e da eficiência, e se mostra, a meu sentir, plenamente aplicável ao caso concreto.

Isso posto, dou provimento ao recurso especial para determinar a inclusão do nome dos agravados nos órgãos de proteção ao crédito, via sistema SERASAJUD e CNIB.” 

A despeito da expedição de ofício ao SERASAJUD e CNIB serem examinadas caso a caso, a contribuição do voto condutor enfrentou a questão sob outro prisma, em síntese, (i) o juízo pode adotar as medidas postuladas pelo credor que estiverem ao alcance do Estado (o que a fasta o seu indeferimento de plano ao alvedrio de que determinada medida não cabe quando assim postulada), (ii) tais mecanismos, em vista do Princípio da Execução, se prestam exatamente a imprimir maior eficiência ao processo executivo, (iii) é ônus do executado apontar eventual desproporcionalidade na utilização de tais mecanismos.

O julgado soa acertado, porquanto não se pode olvidar que a priori, o mero ajuizamento da execução já pressupõe uma crise de inadimplemento e lesão ao credor por força da inadimplência do devedor, de sorte que o ferramental previsto no sistema deve ser utilizado, afastando-se eventuais discussões quanto ao seu cabimento, o que retarda a execução e beneficia o devedor, que por vezes é citado, não se defende, não paga e fica tão somente assistindo o curso do processo sem nada contribuir para a satisfação da tutela executiva.

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André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto Pós-doutorados em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015), na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019), na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022) e na Universitá degli Studi di Messina (2024/2025). Visiting Scholar no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil e em Direito Constitucional (2023/2024). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). MBA em Agronegócio pela USP (2025). MBA em Energia pela PUC/PR (2025). Pós Graduação Executiva em Negociação (2013) e em Mediação (2015) na Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em diversos cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (ex.: EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb e da Amcham. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Membro honorário da ABEP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).