CPC na prática

Recurso inexistente não gera preclusão consumativa

O art. 1.026 do CPC prevê que embargos de declaração interrompem o prazo recursal. O STJ decidiu que um recurso inexistente (agravo retido) não causa preclusão consumativa, permitindo a interposição do recurso correto (agravo de instrumento).

22/8/2024

O art. 1.026 do CPC é claro em determinar que a oposição de embargos de declaração interrompe o prazo para a interposição do recurso. Questão interessante restou abordada pelo STJ ao relacionar a preclusão consumativa ocasionada pela interposição de recurso equivocado e nova oportunidade de interposição recursal por força do efeito interruptivo gerado quando da oposição de embargos de declaração opostos contra a mesma decisão pela parte contrária.

No caso, contra a decisão interlocutória que acolheu a preliminar de ilegitimidade passiva sobreveio equivocada interposição de agravo retido (recurso antes previsto no CPC/73 e sem previsão legal no CPC/15). A parte contrária também recorreu, opondo embargos de declaração destinados a fixação de honorários sucumbências por conta de sua exclusão da lide. Ao ser decidido os embargos de declaração sobreveio o recurso correto (agravo de instrumento) voltado a impugnar a decisão que acolheu a preliminar de ilegitimidade de parte.

Diante deste quadro, “(...) a controvérsia cinge-se a definir se a interposição de um recurso inexistente (agravo retido) gera preclusão consumativa, impedindo a subsequente interposição do recurso previsto na legislação (agravo de instrumento).1

Ao examinar a questão a 4a do STJ entendeu que o primeiro recurso interposto de forma equivocada em verdade é inexistente, por não haver previsão legal do CPC. Logo, não haveria óbice para a interposição do recurso correto:

“RECURSO ESPECIAL. PROCESSO CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. DECISÃO INTERLOCUTÓRIA. AGRAVO RETIDO. RECURSO INEXISTENTE. PRINCÍPIO DA TAXATIVIDADE RECURSAL.

UNIRRECORRIBILIDADE. PRECLUSÃO CONSUMATIVA.

INEXISTÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO.

1. No Código de Processo Civil de 2015, as decisões interlocutórias passaram a ser impugnadas, nas hipóteses listadas nos incisos do art. 1.015 do CPC, pelo agravo na modalidade instrumental e, nas remanescentes, por meio de preliminar de apelação.

1.1. Desse modo, interposto agravo retido contra decisão interlocutória, o recurso deve ser considerado inexistente, em observância ao princípio da taxatividade recursal.

1.2. A interposição de recurso inexistente não possui aptidão para gerar efeito jurídico, uma vez que, pela própria definição, ele não existe no ordenamento processual.

2. Logo, a interposição de recurso inexistente não obsta a interposição de agravo de instrumento contra a mesma decisão interlocutória, não havendo preclusão consumativa.

3. Recurso especial a que se nega provimento”.

(STJ, Resp 2141420-MT, Quarta Turma, rel. min. Antonio Carlos Ferreira, v.u., j. 06.08.2024, grifou-se)

O voto condutor bem ponderou:

Em decisão saneadora proferida em 4/6/18, o Juízo da Primeira Vara Criminal e Cível acolheu "a preliminar de ilegitimidade passiva da empresa Drebor Indústria de Artefatos de Borracha LTDA, para extinguir o feito sem resolução do mérito quanto a essa, nos termos do art. 485, VI, do Código de Processo Civil" (e-STJ, fl. 100). Contra essa decisão, RONÉRIO CAZARIN interpôs agravo retido (e-STJ, fls. 131/133) e DREBOR - INDÚSTRIA DE ARTEFATOS DE BORRACHA LTDA opôs embargos de  declaração. O recurso da parte autora não foi conhecido, por se "tratar da extinta figura do recurso de agravo retido, não mais existente sob a égide do novel Código de Processo Civil, já que não constante no rol do art. 994 [...]. A teor do disposto no art. 1009, § 1º, do Código de Processo Civil, a irresignação do autor quanto ao reconhecimento da preliminar deve ser suscitada em preliminar de eventual recurso de apelação" (e-STJ, fl. 134 - grifei).

Por sua vez, os embargos de declaração da ré foram acolhidos para condenar a parte autora ao pagamento das despesas processuais de DREBOR - INDÚSTRIA DE ARTEFATOS DE BORRACHA LTDA, "bem como ao pagamento de honorários advocatícios em favor do seu patrono, fixados esses em 10% sobre o valor da causa, na forma do art. 85, § 2º, do CPC" (e-STJ, fl. 103). Após o julgamento dos embargos de declaração, RONÉRIO CAZARIN interpôs agravo de instrumento contra decisão interlocutória que acolheu a preliminar de ilegitimidade passiva e excluiu da lide a ré DREBOR - INDÚSTRIA DE ARTEFATOS DE BORRACHA LTDA (e-STJ, fls. 5/20). Em suas contrarrazões, DREBOR - INDÚSTRIA DE ARTEFATOS DE BORRACHA LTDA alegou preclusão consumativa, tendo em vista ter o autor interposto "Agravo Retido da r. decisão que acolheu a preliminar de ilegitimidade passiva da agravada e julgou extinto o feito em relação à mesma" (e-STJ, fl. 127). O Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso, ao julgar o agravo interno, afastou a preliminar da preclusão consumativa pelos seguintes fundamentos (e-STJ, fl. 160):

‘Primeiramente, porque como bem frisou a agravada, se o recurso de agravo retido equivocadamente interposto pelo ora agravante já não mais ter previsão no CPC/15, a sua interposição deve ser considerada inexistente. Logo, não acarreta a ocorrência de preclusão consumativa pois não se trata de manejo de recurso inadequado, mas sim inexistente. Neste viés, é ainda necessário considerar que, contra a decisão saneadora ora impugnada, a empresa DREBOR INDÚSTRIA DE ARTEFATOS DE BORRACHAS E ADMINISTRAÇÃO LTDA opôs embargos de declaração, sob o fundamento de omissão do julgado, a fim de que fossem arbitrado honorários ao(s) seu(s) patronos. Aliás, tal recurso foi conhecido e acolhido. Logo, por força do que estipula o caput do art. 1.026 do CPC/15, o conhecimento de tais aclaratórios interrompeu o prazo para a interposição de outros recursos contra a mesma decisão embargada, seja da parte ré, seja da parte autora.’

No mérito, o Tribunal de origem deu provimento ao agravo de instrumento " para reformar a decisão recorrida e reintegrar a empresa DREBOR INDÚSTRIA DE ARTEFATOS DE BORRACHAS E ADMINISTRAÇÃO LTDA no polo passivo da demanda" (e-STJ, fl. 163).

Assim, a controvérsia cinge-se a definir se a interposição de um recurso inexistente (agravo retido) gera preclusão consumativa, impedindo a subsequente interposição do recurso previsto na legislação (agravo de instrumento).

(...)

Nessa perspectiva, a preclusão consumativa, ou consumação propriamente dita, refere-se à perda de uma faculdade ou poder processual por causa de seu prévio exercício.

Não se desconhece o entendimento dessa Corte Superior de que, "no sistema recursal brasileiro, vigora o cânone da unicidade ou unirrecorribilidade recursal, segundo o qual, manejados dois recursos pela mesma parte contra uma única decisão, a preclusão consumativa impede o exame do que tenha sido protocolizado por último" (AgInt nos EAg 1213737/RJ, rel. ministro Luis Felipe Salomão, Corte Especial, julgado em 17/8/16, DJe 26/8/16).

Contudo, no caso dos autos, o primeiro recurso interposto, agravo retido, não estava contemplado na legislação vigente como meio de impugnação. Segundo o princípio da taxatividade recursal, só se consideram recursos aqueles expressamente previstos na lei. De modo que, sem previsão legal, a impugnação recursal não possui existência jurídica e, portanto, é desprovida da capacidade de gerar efeitos jurídicos.

(...)

Com a entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015, houve algumas mudanças significativas em relação aos recursos cabíveis, entre elas a supressão do agravo retido. No novo código, as decisões interlocutórias passaram a ser impugnadas, nas hipóteses listadas nos incisos do art. 1.015 do CPC/2015, pelo agravo na modalidade instrumental e, nas remanescentes, por meio de preliminar de apelação.

Nesse contexto, não foram interpostos dois recursos – agravo retido e agravo de instrumento –, mas somente um: o agravo de instrumento, tendo em vista que o retido, por não estar previsto na lei, não é recurso. A interposição de recurso inexistente não possui aptidão para gerar efeito jurídico, uma vez que, pela própria definição, ele não existe no ordenamento processual. Um ato processual inexistente, por não possuir validade ou eficácia jurídica, não pode produzir nenhuma consequência no processo.

A preclusão consumativa pressupõe o exercício de uma faculdade ou poder processual. Como um recurso inexistente não representa validamente a prática de nenhuma faculdade processual, não se pode falar em preclusão consumativa decorrente de sua interposição. A preclusão consumativa requer a prática de um ato processual, o que não ocorre no caso de o recurso ser inexistente.

(...)

Logo, contra a decisão interlocutória que declarou a ilegitimidade passiva de um dos corréus, o autor interpôs tempestivamente um único recurso previsto na legislação processual: o agravo de instrumento. Então, não houve violação do princípio da unirrecorribilidade.

Diante do exposto, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial.

É como voto.

Em síntese, o voto condutor afastou a preclusão consumativa decorrente da interposição do recurso equivocado. Em verdade, segundo o entendimento do STJ, a preclusão consumativa sequer ocorreu, tendo em vista que o ato processual de interpor o recurso equivocado não pode ser interpretado como consumado o ato de recorrer, porquanto considerado inexistente aludido recurso (data sua falta de previsão no CPC/2015).

Tal voto convida a uma melhor leitura para se entender a dimensão de se considerar um ato processual tido por inexistente, dado que, sob o entendimento acima comentado, um ato processual inexistente não está acobertado pela preclusão consumativa.

_________

1 Trecho do voto condutor do Resp 2141420-MT a ser examinado a seguir.

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Colunistas

André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto Pós-doutorados em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015), na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019), na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022) e na Universitá degli Studi di Messina (2024/2025). Visiting Scholar no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil e em Direito Constitucional (2023/2024). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). MBA em Agronegócio pela USP (2025). MBA em Energia pela PUC/PR (2025). Pós Graduação Executiva em Negociação (2013) e em Mediação (2015) na Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em diversos cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (ex.: EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb e da Amcham. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Membro honorário da ABEP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).