CPC na prática

A fixação de honorários advocatícios na reclamação constitucional

Professor Rogerio Mollica aborda a possibilidade de fixação de honorários advocatícios na reclamação constitucional.

8/8/2024

O Código de Processo Civil de 2015 trouxe a ampliação das hipóteses de cabimento da Reclamação, mesmo se contarmos que a Lei nº 13.256/2016 limitou a possibilidade nos casos de decisões que aplicam mal precedentes em repetitivos ou em repercussão geral.

Uma Dúvida antiga na doutrina é quanto a natureza jurídica da Reclamação. Hoje, a doutrina majoritária entende que ela teria natureza de ação. Nesse sentido é o entendimento de Georges Abboud e Gustavo Favero Vaughn: 

“(...) a reclamação detém natureza de ação, uma vez que por meio dela é resguardado ao interessado o direito público, subjetivo e abstrato de postular ao Estado-juiz o exercício da atividade judicante no sentido de pôr fim à lide aflorada por força do descumprimento de algum comando judicial. É a reclamação, nesses termos, uma das vias previstas em lei para expressar o direito de ação do art. 5º, XXXV, da CF.

É de se ressaltar, ainda, que os três elementos da ação estão presentes na reclamação. Quanto às partes: o reclamante, que é quem busca preservar ou garantir alguma das hipóteses do art. 988 do CPC, e o reclamado, que é a quem se atribui a inobservância de uma dessas hipóteses.

Quanto ao pedido: a prolação de decisão que assegure a competência do tribunal ou garanta o cumprimento de provimentos judiciais específicos. Quanto à causa de pedir: a invasão de competência ou a desobediência a comando anterior do Poder Judiciário.”1

Sendo uma Ação, é cabível a fixação de honorários advocatícios, nos termos do artigo 85 do Código de Processo Civil. Nesse sentido é o entendimento de Daniel Amorim Assumpção Neves: 

“Como entendo que a reclamação tem natureza jurídica de ação, parece-me ser cabível a condenação do derrotado ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios. É natural que não se condenará o órgão jurisdicional ou o juiz que conduz o processo no qual foi proferida a decisão impugnada ou usurpador de competência de tribunal superior: como também não parece correta a condenação da autoridade administrativa que pratica o ato impugnado. No primeiro caso, condena-se o Estado, sendo o juízo estadual, e a União, sendo o juízo federal e, no segundo, a pessoa jurídica de direito público à qual pertença a autoridade administrativa.”2

Em recente julgado a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça reiterou o entendimento da Corte sobre o cabimento dos honorários advocatícios: 

PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA RECLAMAÇÃO. RELAÇÃO PROCESSUAL CIVIL CONCRETIZADA. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. CABIMENTO. PRECEDENTES. AGRAVO INTERNO PARCIALMENTE PROVIDO.

1. "Uma vez aperfeiçoada a relação processual na reclamação, são cabíveis honorários sucumbenciais para as reclamações ajuizadas na vigência do Código de Processo Civil de 2015" (AgInt nos EDcl na Rcl n. 45.370/PR, relator Ministro Paulo Sérgio Domingues, Primeira Seção, julgado em 19/3/2024, DJe de 21/3/2024).

2. Figurando como partes rés na ação que deu origem à reclamação, o agravante e o MUNICÍPIO DE CURITIBA, devem ambos, arcar com os honorários advocatícios fixados na decisão.

3. Agravo interno parcialmente provido.”

(AgInt nos EDcl na Rcl n. 44.797/PR, relator Ministro Afrânio Vilela, Primeira Seção, julgado em 18/6/2024, DJe de 21/6/2024.)

No Supremo Tribunal Federal parece também prevalecer o entendimento favorável à fixação de honorários: 

“(...) À luz do princípio da causalidade, é possível a fixação de honorários de sucumbência em reclamações constitucionais ajuizadas após o Código de Processo Civil de 2015. Precedentes. 4. Agravo regimental não provido.” (Rcl 47677 AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, julgado em 29.11.2021, DJe 10.02.2022)3

Entretanto, são incabíveis os honorários no caso do indeferimento liminar da petição inicial, sem a angularização da relação processual: 

“(...) No caso, não houve a angularização da relação processual, já que, à vista da decisão que liminarmente negou seguimento à reclamação, inexistiu ordem para a citação da parte beneficiária, nos termos do art. 989, III, do CPC/15. (...)”

STJ. 2ª Seção. EDcl no AgInt na Rcl 33.971/DF, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 23/05/2018. 

“(...) Não angularizada a relação processual mediante a citação do beneficiário do ato impugnado (art. 989, III, do CPC/15), em razão do indeferimento liminar da petição inicial da reclamação, é incabível a fixação de honorários advocatícios de sucumbência. (...)”

STJ. 2ª Seção. EDcl no AgInt na Rcl 36.771/RJ, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 15/09/2020.

Por fim, cumpre ressaltar que no caso do comparecimento espontâneo da parte, mesmo sem a citação, é possível a condenação em honorários: 

“(...) Na hipótese, diante do comparecimento espontâneo da beneficiária aos autos, apresentando contestação e impugnação ao agravo interposto contra decisão que indeferiu liminarmente a reclamação, houve o aperfeiçoamento da relação processual, sendo cabível a condenação em honorários advocatícios. (...)”

(STJ. 2ª Seção. Rcl 41.569-DF, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 09/02/2022). 

“(...) O novo Códex, inovando a disciplina legal do instituto, passou a prever a angularização da relação processual na reclamação, com a citação do beneficiário da decisão impugnada, para apresentar sua contestação, nos termos do art. 989, III, do CPC/15.

Nessa nova moldura, em que o ajuizamento da reclamação nitidamente inaugura nova relação jurídica processual, mostra-se viável a aplicação do princípio geral da sucumbência, a fim de que seja a parte vencida - reclamante ou beneficiária do ato impugnado - condenada ao pagamento das custas e honorários advocatícios, na linha em que tem entendido o Supremo Tribunal Federal (Rcl 24417 AgR/SP e Rcl 24.464 AgR/RS).

Hipótese em que, apesar de frustrada a tentativa de citação, o beneficiário do ato reclamado compareceu espontaneamente nos autos, com efetiva atuação na defesa dos seus interesses, a caracterizar o aperfeiçoamento da relação processual. Assim, diante do julgamento de improcedência da reclamação, é impositiva a condenação da parte reclamante, vencida, ao pagamento de honorários advocatícios. (...)”

(STJ. 2ª Seção. EDcl na Rcl 33.747/SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 12/12/2018).

Desse modo, estando angularizada a relação processual, é devida a fixação de honorários advocatícios na Reclamação, cabendo ao advogado da parte vencedora provocar o Tribunal em caso de omissão da decisão quanto as verbas sucumbenciais.

__________

1 ABBOUD, Georges; VAUGHN, Gustavo Fávero. Notas críticas sobre a reclamação e os provimentos judiciais vinculantes do CPC. Revista de Processo, São Paulo, v. 44, n. 287, p. 409-441, jan. 2019. Em seu texto os Autores ainda defendem que esse é o entendimento majoritário da Doutrina: É esse, salvo melhor juízo, o entendimento da doutrina majoritária: LEONEL, Ricardo de Barros. Reclamação constitucional. São Paulo: Ed. RT, 2011. p. 171-179; BUENO, Cássio Scarpinella. Manual de direito processual civil. São Paulo: Saraiva, 2015. p. 595; MEDINA, José Miguel Garcia. Direito processual civil moderno. 2. ed. São Paulo: Ed. RT, 2016. p. 1457-1458; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Ações constitucionais. São Paulo: Método, 2011. p. 305-308; OLIVEIRA, Pedro Miranda de. Aspectos destacados da reclamação no novo Código de Processo Civil. Revista de Processo, São Paulo, v. 247, set. 2015. p. 300; MACÊDO, Lucas Buril de. Reclamação constitucional e precedentes obrigatórios. Revista de Processo, São Paulo, v. 238, dez. 2014. p. 416; WAMBIER, Luiz Rodrigues; TALAMINI, Eduardo. Curso avançado de processo civil: cognição jurisdicional (processo comum de conhecimento e tutela provisória). 16. ed. São Paulo: Ed. RT, 2016. v. 2. p. 777; ARRUDA ALVIM, Eduardo; THAMAY, Rennan Faria Kruger; GRANADO, Daniel Willian. Processo constitucional. São Paulo: Ed. RT, 2014. p. 221; DANTAS, Marcelo Navarro Ribeiro. Op. cit., p. 459-461; MEIRELLES, Hely Lopes; WALD, Arnoldo; MENDES, Gilmar Ferreira. Mandado de segurança e ações constitucionais. 36. ed., São Paulo: Malheiros. p. 812, 2014; XAVIER, Carlos Eduardo Rangel. Reclamação constitucional e precedentes judiciais. Dissertação (Mestrado em Direito Processual) – Faculdade de Direito. Universidade de São Paulo. São Paulo, 2015. p. 77-78; ARAÚJO, José Henrique Mouta. A reclamação constitucional e os precedentes vinculantes: o controle da hierarquização interpretativa no âmbito local. Revista de Processo, São Paulo, v. 252, 2016. p. 246-247.

2 Código de Processo Civil Comentado, 7ª ed., São Paulo: JusPodivm, 2022, p. 1.775.

3 No mesmo sentido: Rcl 48567 ED-AgR, Rcl 36.499-ED-AgR/RN, Rcl 27.822-ED-ED/SP e Rcl 28.403-ED-ED-AgR/SP. Já em sentido contrário temos julgados entendendo pelo não cabimento da condenação em honorários em ações de natureza constitucional: Rcl 33269 AgR, cl 44511 AgR-ED e Rcl 30226 AgR.

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Colunistas

André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto Pós-doutorados em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015), na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019), na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022) e na Universitá degli Studi di Messina (2024/2025). Visiting Scholar no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil e em Direito Constitucional (2023/2024). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). MBA em Agronegócio pela USP (2025). MBA em Energia pela PUC/PR (2025). Pós Graduação Executiva em Negociação (2013) e em Mediação (2015) na Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em diversos cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (ex.: EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb e da Amcham. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Membro honorário da ABEP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).