CPC na prática

Honorários advocatícios e extinção do processo sem resolução do mérito

Professor André Pagani de Souza escreve sobre honorários advocatícios e extinção do processo sem resolução do mérito.

1/8/2024

Como se sabe, a Constituição Federal (CF) estabelece, em seu artigo 133, que "o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei".

Para exercer esta função essencial, o advogado ou a advogada, devem ser remunerados pelo seu indispensável trabalho, como parece ser óbvio. Tanto isso é verdade que o Código de Processo Civil, em seu artigo 85, em seus parágrafos 1º, 2º, 3º, estabelecem os critérios para arbitramento de honorários advocatícios na hipótese um processo terminar. Confira-se:

Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor.

§ 1º São devidos honorários advocatícios na reconvenção, no cumprimento de sentença, provisório ou definitivo, na execução, resistida ou não, e nos recursos interpostos, cumulativamente.

§ 2º Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa, atendidos:

I - o grau de zelo do profissional;

II - o lugar de prestação do serviço;

III - a natureza e a importância da causa;

IV - o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.

Cumpre observar que o trabalho realizado pelo advogado ou advogada não se resume ao que está nos autos. Quando o cliente é citado para se manifestar em um processo, ele entra em contato com o advogado de sua confiança, faz consultas sobre a lei aplicável e seus desdobramentos, apresenta documentos, realiza reuniões, antes mesmo de ser elaborada a defesa, se for o caso. Não se pode duvidar que o trabalho do advogado começa muito antes de uma petição inicial ser protocolada (se o seu cliente for o autor da demanda) ou de uma contestação ser apresentada (se o seu cliente for o réu). Cabe ao advogado ou advogada esclarecer as dúvidas do cliente, sugerir outros meios adequados de solução de conflitos e apontar as consequências de cada passo dado pelo cliente, à luz do sistema jurídico.

Entretanto, uma decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) parece transparecer uma visão mais estreita da advocacia e muito limitada do que seria o trabalho de alguém que exerce uma função essencial à Justiça. Veja-se:

"RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL CIVIL. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM RESOLUÇÃO DE MÉRITO. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS. CABIMENTO. AUSÊNCIA DE ATUAÇÃO DO ADVOGADO. AFASTAMENTO DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS.

1. Ação de execução de título extrajudicial, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 20/6/2023 e concluso ao gabinete em 6/10/2023.

2. O propósito recursal consiste em dizer se, na extinção do processo sem resolução de mérito, são devidos honorários advocatícios sucumbenciais na hipótese em que não houve qualquer atuação dos advogados da parte vencedora.

3. A condenação ao pagamento de honorários advocatícios é uma consequência objetiva da extinção do processo, sendo orientada, em caráter principal, pelo princípio da sucumbência e, subsidiariamente, pelo da causalidade.

4. O CPC/2015, ao contrário do CPC/1973, resolvendo antiga celeuma doutrinária e jurisprudencial, é explícito ao estabelecer que os limites e critérios previstos nos §2º e §3º do art. 85 devem ser aplicados independentemente de qual seja o conteúdo da decisão, inclusive às hipóteses de improcedência ou de sentença sem resolução de mérito. (Art. 85, §6º, CPC/2015).

5. Muito embora a regra seja a fixação de honorários sucumbenciais na extinção do processo sem resolução de mérito, impõe-se pontuar que, se os honorários têm por objetivo remunerar a atuação dos advogados, inexistindo qualquer atuação do profissional, não há razão para o arbitramento da verba honorária.

6. Na extinção do processo sem resolução de mérito, não são devidos honorários advocatícios sucumbenciais na hipótese em que não houve qualquer atuação dos advogados da parte vencedora.

7. Na hipótese dos autos, não merece reforma o acórdão recorrido, pois em consonância com a tese ora sustentada no sentido de que a inexistência de atuação do advogado da parte vencedora impede a fixação de honorários sucumbenciais em seu favor.

8. Recurso especial não provido.

(REsp n. 2.091.586/SE, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 5/3/2024, DJe de 7/3/2024, grifos nossos)". 

No caso concreto, o Exequente propôs o processo de execução e o Executado foi citado. Porém, por desídia do Exequente, por não ter apresentado o comprovante de recolhimento das custas judiciais, apesar de regularmente intimado para tanto, o processo foi extinto sem resolução do mérito e não foram arbitrados honorários de sucumbência em favor do Executado e seus patronos.

Vale observar que houve citação do Executado e que, portanto, não se pode negar a existência de um processo judicial em andamento. Não se pode negar também que o Executado não ficou inerte e teve que contratar um advogado ou advogada. Antes de mesmo de apresentar qualquer defesa, se o caso, é preciso fazer diversos esclarecimentos para o cliente. É um dever de quem exerce a advocacia. Por exemplo, o cliente deve saber que, se pagar em 3 (três) dias, haverá um desconto de 50% (cinquenta por cento) nos honorários advocatícios (CPC, art. 827, § 1º). Ou, ainda, se fizer o depósito de 30% (trinta por cento), no prazo para apresentação de defesa, poderá parcelar o restante em 6 (seis) parcelas mensais consecutivas (CPC, art. 916). Também é preciso avisar o cliente que os seus bens sujeitos a registro podem sofrer as restrições previstas no art. 828, do CPC. Ademais, é preciso avisar que, se forem apresentados embargos, os honorários de sucumbência podem alcançar até 20% (vinte por cento) do valor da causa. Também é preciso alertar para as consequências de se praticar ato atentatório à dignidade da justiça (art. 774, do CPC). Tudo isso sem deixar de informar o cliente de que podem ser tentados métodos consensuais de solução de conflitos, conforme o mandamento do art. 3º, § 3º, do CPC.

Portanto, é evidente que a nobre função de advogado ou advogada não se resume a peticionar nos autos do processo. Ela começa a ser exercida muito antes de uma petição ser protocolada. Pensar que o advogado só trabalha quando protocola uma petição nos autos significa o mesmo que acreditar que um atleta de elite só trabalha quando corre a prova de cem metros rasos, durante menos de 10 segundos. Significa desconsiderar todo o trabalho duro que aconteceu antes e depois da corrida. Ou, ainda, significa acreditar que o professor que ministra uma aula de cinquenta minutos não trabalhou antes para preparar a aula e depois para corrigir as atividades feitas pelos alunos.

Em resumo, a decisão do STJ acima ementada demonstra uma visão muito limitada do exercício da advocacia. O "trabalho realizado pelo advogado", mencionado no art. 85, § 2º, inciso IV, do CPC, é muito maior do que o protocolo de uma petição no processo e começa bem antes disso. Não é possível presumir que o advogado não trabalhou apenas porque não peticionou nos autos antes da extinção do feito. Conforme é possível verificar no andamento processual no “site” do STJ, tal decisão ainda não transitou em julgado. Portanto, ainda há esperança de que prevaleça uma visão da advocacia mais ampla e aderente à realidade.

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André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto Pós-doutorados em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015), na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019), na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022) e na Universitá degli Studi di Messina (2024/2025). Visiting Scholar no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil e em Direito Constitucional (2023/2024). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). MBA em Agronegócio pela USP (2025). MBA em Energia pela PUC/PR (2025). Pós Graduação Executiva em Negociação (2013) e em Mediação (2015) na Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em diversos cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (ex.: EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb e da Amcham. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Membro honorário da ABEP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).