CPC na prática

A dispensa de tentativa de citação por carta rogatória com vista a autorizar a citação por edital

A citação por edital é aplicável quando o citando é desconhecido ou inacessível, inclusive no exterior, sem necessidade de recusa de carta rogatória, conforme entendimento recente do STJ em caso de ação declaratória.

18/7/2024

A citação por edital, prevista nos arts. 256 a 259 do CPC, é aplicável, dentre outras hipóteses “I– quando desconhecido ou incerto o citando; II – quando ignorado, incerto ou inacessível o lugar em que se encontrar o citando” (art. 256, caput), de sorte que  o §§s 1º a 3º d 1º do art. 256 define o conceito de citando inacessível, e réu considerado em local ignorado ou incerto.1

A despeito dos critérios objetivos postos nos dispositivos supra citados, recentemente a 3a Turma do STJ autorizou a citação por edital sem a necessidade de recusa do cumprimento de carta rogatória:

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE. QUERELA NULLITATIS. AUSENCIA DE CITAÇÃO. CARTA ROGATÓRIA. CITAÇÃO POR EDITAL. RÉU RESIDENTE NO EXTERIOR. ENDEREÇO INCERTO. VALOR DA CAUSA. VALOR DA AÇÃO ORIGINÁRIA. PROVEITO ECONOMICO. RECURSO DESPROVIDO.

1. Ação de querela nullitatis insanabilis ajuizada em 17/3/20, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 3/11/23 e concluso

ao gabinete em 19/5/24.

2. O propósito recursal é decidir (a) se a informação de que o réu reside no exterior é motivo suficiente para promover citação por edital e (b) qual o parâmetro para se estabelecer o valor da causa em ação de “querela nullitatis”.

3. O simples fato de o réu residir no exterior não é suficiente para autorizar a citação por edital.

4. A negativa da carta rogatória não é pré-requisito para o deferimento de citação por edital quando o citando reside no exterior, pois a ocorrência de quaisquer das outras hipóteses elencadas no art. 256 do CPC já autoriza essa modalidade citatória.

5. Se for incerto o endereço do citando no país estrangeiro, a previsão do art. 256, II, do CPC admite a citação editalícia, sendo dispensada a carta rogatória.

6. Sendo o objetivo da “querela nullitatis” declarar a inexistência de sentença em razão da ausência de citação, essa decisão será desconsiderada por inteiro, motivo pelo qual o valor a ser atribuído à ação declaratória corresponderá ao do “decisum” que se pretende declarar inexistente.

7. O valor da causa deve equivaler, em princípio, ao conteúdo econômico a ser obtido na demanda, ainda que o provimento jurisdicional buscado tenha conteúdo meramente declaratório. Precedentes.

(...)”

(STJ, Resp 2.145.294-SC, 3a Turma, rel. min. Nancy Andrighi, v.u., j. 18.6.24, grifou-se)

O voto condutor bem ponderou:

(...) O propósito recursal é decidir (a) se a informação de que o réu reside no exterior é motivo suficiente para promover citação por edital e (b) qual o parâmetro para se estabelecer o valor da causa em ação de “querela nullitatis”.

(...)

1. DA CITAÇÃO POR EDITAL

1. O art. 27 do CPC determina que a cooperação jurídica internacional terá por objeto a citação, intimação e notificação judicial e extrajudicial, além de colheita de provas e obtenção de informações.

2. Entre os mecanismos de cooperação jurídica internacional está a carta rogatória, que pode ser meio de citação quando o citando residir no exterior, em endereço certo e conhecido.

3. Nada obstante, o art. 256, II, do CPC estabelece que a citação por edital será feita quando ignorado, incerto ou inacessível o lugar em que se encontrar o citando.

4. Sobre o tema, ensina Fredie Didier Jr. que o local de citação é incerto, quando, embora se saiba em qual território seja possível encontrar o citando, não se tem o endereço. (Curso de Direito Processual Civil. 21ª ed. Editoria Jus Podium).

5. Assim, sendo incerto o endereço do réu, no Brasil ou no exterior, admite-se a citação por edital, nos termos do art. 256, II, do CPC.

6. Portanto, embora o art. 256, § 1 º, do CPC, preveja que se considera inacessível, para efeito de citação por edital, o país que recusar o cumprimento de carta rogatória; isso não significa que a negativa da carta rogatória seja pré-requisito para o deferimento de citação por edital, pois a ocorrência de quaisquer das outras hipóteses elencadas no art. 256 do CPC já autoriza essa modalidade citatória.

7. Dessarte, o simples fato de o réu residir no exterior não é suficiente para autorizar a citação por edital. Contudo, se for incerto o seu endereço no país estrangeiro, a previsão do art. 256, II, do CPC admite a citação editalícia, sendo dispensada a carta rogatória.

(...)

3. DO RECURSO SOB JULGAMENTO

(...)

25. Dessarte, apesar de haver informação nos autos do processo 0001286-40.2013.8.24.0090 de que a então parte ré, sócia da recorrente (EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS FLORIANED LTDA), estivesse residindo no exterior, o fato de o endereço ser incerto já justifica a citação por edital, nos termos do art. 256, II, do CPC.

26. Portanto, embora residir em outro país não justifique, por si só, a citação por edital, pois seria possível a solicitação de cooperação jurídica via carta rogatória para a citação, a incerteza do endereço autoriza esta modalidade citatória.

(...) ”

O racional posto nas razões de decidir acima soa acertado. Isso porque malgrado o § 1º do art. 256 do CPC estabeleça ser considerado inacessível, para efeito de citação por edital, o país que recusar o cumprimento da carta rogatória, é certo que o § 3º define ser considerado o réu em local ignorado um incerto se infrutíferas as tentativas de sua localização, inclusive mediante requisição pelo juízo de informações sobre seu endereço nos cadastros de órgãos públicos ou de concessionárias de serviços públicos.

Logo, o inciso II do art. 256 assegura a citação por edital, dentre outras hipóteses, quando ignorado, incerto ou inacessível o lugar em que se encontra o citando, a reputar-se inacessível a dificuldade de obtenção do endereço do citando. No caso, residente o réu no exterior, não havia como exaurir eventual tentativa de citação por carta rogatória pois desconhecido o endereço do réu, a relacionar o conceito de incerto, na dicção do § 3º supra referenciado.

____________

1 § 1º Considera-se inacessível, para efeito de citação por edital, o país que recusar o cumprimento de carta rogatória.

§ 2º No caso de ser inacessível o lugar em que se encontrar o réu, a notícia de sua citação será divulgada também pelo rádio, se na comarca houver emissora de radiodifusão.

§ 3º O réu será considerado em local ignorado ou incerto se infrutíferas as tentativas de sua localização, inclusive mediante requisição pelo juízo de informações sobre seu endereço nos cadastros de órgãos públicos ou de concessionárias de serviços públicos.

Veja mais no portal
cadastre-se, comente, saiba mais

Colunistas

André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto Pós-doutorados em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015), na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019), na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022) e na Universitá degli Studi di Messina (2024/2025). Visiting Scholar no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil e em Direito Constitucional (2023/2024). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). MBA em Agronegócio pela USP (2025). MBA em Energia pela PUC/PR (2025). Pós Graduação Executiva em Negociação (2013) e em Mediação (2015) na Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em diversos cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (ex.: EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb e da Amcham. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Membro honorário da ABEP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).