CPC na prática

A (não) incidência de honorários de sucumbência em desfavor do exequente na extinção da execução em razão da prescrição intercorrente

Honorários de sucumbência são pagos pela parte perdedora ao advogado vencedor, conforme determinação legal, incluindo casos de reconvenção e execução, seguindo o princípio da causalidade no CPC/15.

11/7/2024

Cássio Scarpinella Buenodefine honorários de sucumbência como “aqueles que derivam do resultado da atuação processual”, devendo a parte vencida pagar os honorários ao advogado da parte vencedora.

Conforme bem pontua Humberto Theodoro Jr.2, “ainda que não haja pedido expresso do vencedor é devido o ressarcimento dos honorários de seu advogado. E, mesmo funcionando o advogado em causa própria, terá direito, se vencedor, à indenização de seus honorários. É que o pagamento dessa verba não é resultado de uma questão submetida ao juiz. Ao contrário, é uma obrigação legal, que decorre automaticamente da sucumbência, de sorte que nem mesmo ao juiz é permitido omitir-se frente à sua incidência”

O parágrafo primeiro do art. 85 do CPC/15 positiva o entendimento de que, além da fixação dos honorários de sucumbência na sentença referente à lide principal, também são devidos os honorários na reconvenção, no cumprimento provisório ou definitivo da sentença e na execução, seja ela resistida ou não.

E o parágrafo décimo do art. 85 do CPC/15 consagra o princípio da causalidade, sendo que quem deu causa ao processo deve arcar com os honorários de sucumbência na hipótese de perda de objeto da ação. 

O STJ, historicamente, prestigia a adoção do princípio da causalidade, tal como previsto no parágrafo décimo do art. 85 do CPC/15: “3. Ainda que se esvazie o objeto da apelação por superveniente perda do objeto da cautelar, desaparece o interesse da parte apelante na medida pleiteada, mas remanescem os consectários da sucumbência, inclusive os honorários advocatícios, contra a parte que deu causa à demanda. 4. Os honorários advocatícios serão devidos nos casos de extinção do feito pela perda superveniente do objeto, como apregoa o princípio da causalidade, pois a ratio desse entendimento está em desencadear um processo sem justo motivo e mesmo que de boa-fé. 5. São devidos os honorários advocatícios quando extinto o processo sem resolução de mérito, devendo as custas e a verba honorária ser suportadas pela parte que deu causa à instauração do processo, em observância ao princípio da causalidade. Agravo regimental improvido” (STJ, AgRg no REsp 1.458.304 / PE, rel. ministro Humberto Martins, Segunda Turma, 18/11/14); e “1. O STJ entende que, nas hipóteses de extinção do processo sem resolução do mérito, decorrente de perda de objeto superveniente ao ajuizamento da ação, a parte que deu causa à instauração do processo deverá suportar o pagamento dos honorários advocatícios” (STJ, AgRg no AREsp 539414 / SP, rel. ministro Ricardo Villas Boas Cueva, Terceira Turma, 11/11/14).

Neste cenário, em sintonia com o princípio da causalidade, o STJ deu importante contribuição ao estabelecer que o exequente, nas hipóteses de extinção da ação de execução em virtude da prescrição intercorrente (como, por exemplo, em razão da não localização de bens do devedor), não deve ser condenado em honorários de sucumbência.

Essa foi a direção adotada pelo STJ no julgamento do EAREsp 1.854.589/PR, no qual a Corte Especial, em 24/11/23, fixou a interpretação de que, para fins do art. 921 do CPC/15, não há condenação do exequente ao pagamento de honorários de sucumbência, caso ocorra a extinção da execução em virtude da incidência da prescrição intercorrente; e isso porque a extinção do caso, nessas hipóteses, ocorre em regra por falta de localização de bens do devedor, o qual, em essência, foi quem deu a real causa para o ajuizamento da execução:

“Segundo farta jurisprudência desta Corte de Justiça, em caso de extinção da execução, em razão do reconhecimento da prescrição intercorrente, mormente quando este se der por ausência de localização do devedor ou de seus bens, é o princípio da causalidade que deve nortear o julgador para fins de verificação da responsabilidade pelo pagamento das verbas sucumbenciais.
3. Mesmo na hipótese de resistência do exequente - por meio de impugnação da exceção de pré-executividade ou dos embargos do executado, ou de interposição de recurso contra a decisão que decreta a referida prescrição -, é indevido atribuir-se ao credor, além da frustração na pretensão de resgate dos créditos executados, também os ônus sucumbenciais com fundamento no princípio da sucumbência, sob pena de indevidamente beneficiar-se duplamente a parte devedora, que não cumpriu oportunamente com a sua obrigação, nem cumprirá.
4. A causa determinante para a fixação dos ônus sucumbenciais, em caso de extinção da execução pela prescrição intercorrente, não é a existência, ou não, de compreensível resistência do exequente à aplicação da referida prescrição. É, sobretudo, o inadimplemento do devedor, responsável pela instauração do feito executório e, na sequência, pela extinção do feito, diante da não localização do executado ou de seus bens.
5. A resistência do exequente ao reconhecimento de prescrição intercorrente não infirma nem supera a causalidade decorrente da existência das premissas que autorizaram o ajuizamento da execução, apoiadas na presunção de certeza, liquidez e exigibilidade do título executivo e no inadimplemento do devedor.”

Merece destaque o seguinte trecho do voto do ministro relator Raul Araújo: “Em homenagem aos princípios da boa-fé processual e da cooperação, quando a prescrição intercorrente ensejar a extinção da pretensão executiva, em razão das tentativas infrutíferas de localização do devedor ou de bens penhoráveis, será incabível a fixação de honorários advocatícios em favor do executado, sob pena de se beneficiar duplamente o devedor pela sua recalcitrância. Deverá, mesmo na hipótese de resistência do credor, ser aplicado o princípio da causalidade no arbitramento dos ônus sucumbenciais”.

Muito importante é esse julgamento da Corte Especial do STJ, o qual, em conformidade com os termos do julgamento do pedido de uniformização de interpretação de lei federal 825, pode ser definido como expressão da jurisprudência dominante da Corte.

E, de fato, em situações similares de extinção da execução em virtude da incidência da prescrição intercorrente, o STJ já assinalava a impossibilidade de condenação do exequente ao pagamento de honorários de sucumbência, conforme se nota do julgamento do AgInt no REsp 2.101.827/RJ: “O princípio da causalidade, como parâmetro norteador da definição quanto ao cabimento ou não de honorários de sucumbência, conduz a análise desta Corte em diversas hipóteses semelhantes, afastando-se, regra geral, a condenação do credor em razão da extinção anômala do feito executivo quando a parte devedora tenha dado causa à demanda. Observem-se, nesse sentido, os seguintes precedentes: AgInt nos EDcl no AREsp 1.958.233/GO, relator ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 3/10/22, DJe de 6/10/22; AgInt no AgInt no AgInt nos EDcl no AREsp 1.613.332/SP, relator ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, julgado em 26/9/22, DJe de 29/9/22; AgInt no AgInt no AREsp 2.037.941/PR, relatora ministra Maria Isabel Gallotti, Quarta Turma, julgado em 26/9/22, DJe de 30/9/22”.

Igual orientação foi adotada nos seguintes casos:

“1. A jurisprudência do STJ é firme no sentido de que, em caso de extinção da execução, por reconhecimento da prescrição intercorrente, é o princípio da causalidade que deve nortear o julgador para fins de verificação da responsabilidade pelo pagamento de honorários advocatícios e custas judiciais.
2. O reconhecimento da prescrição intercorrente, por ausência de localização de bens penhoráveis, não retira do executado a responsabilidade pelo pagamento dos honorários sucumbenciais. Efetivamente, a causa do ajuizamento da execução, seja por título judicial ou extrajudicial, é o inadimplemento do devedor”. (AgInt no REsp 2114487/MG).

"O reconhecimento da prescrição intercorrente não infirma a existência das premissas que autorizavam o ajuizamento da execução, relacionadas com a presunção de certeza e liquidez do título executivo e com a inadimplência do devedor, de modo que é inviável atribuir ao credor os ônus sucumbenciais com fundamento no princípio da causalidade, sob pena de indevidamente beneficiar a parte que não cumpriu oportunamente com a sua obrigação" (AgInt no REsp 1.849.437/SC, rel. ministro Gurgel De Faria, Primeira Turma, DJe de 28/10/20).

"Assim como ocorre nas hipóteses de execução frustrada ou reconhecimento de prescrição intercorrente, afigura-se um contrassenso condenar o credor ao pagamento de honorários advocatícios de sucumbência em razão da extinção parcial e anômala do feito executório, em razão da aprovação do plano de recuperação judicial da parte devedora", de modo que "mostra-se oportuno que o princípio da causalidade incida em desfavor da parte executada, já que foi a causadora da demanda executiva ao deixar de cumprir espontaneamente e tempestivamente com a obrigação evidenciada no título executivo" (AgInt nos EDcl no AREsp 1.959.034/SP, relator ministro Marco Buzzi, Quarta Turma, DJe de 31/3/22).

A orientação do STJ, acima firmada no julgamento do EAREsp 1.854.589/PR, é classificada pela própria Corte Superior como “jurisprudência dominante”, nos moldes do pedido de uniformização de interpretação de lei federal 825, razão pela qual, em homenagem à segurança jurídica, deve ser observada pelas demais cortes do país.

_____________

1 BUENO, Cassio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. 6ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. p. 276. v. 1. 

2 THEODORO JR., Humberto. Curso de direito processual civil. 47ª. ed.  Rio de Janeiro: Forense, 2007. p. 106. v.1.

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André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto tem pós-doutorado em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015). Pós Doutorado em Democracia e Direitos Humanos, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019). Pós Doutorado em Direitos Sociais, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022). Pesquisador visitante no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil (2023). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). Pós Graduação Executiva nos Programas de Negociação (2013) e de Mediação (2015) da Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (destacando-se a EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae, UCDB, e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil: Teams. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).