CPC na prática

O STJ e a possibilidade de comprovação da indisponibilidade do sistema eletrônico em momento posterior ao ato de interposição do recurso

A jurisprudência dos Tribunais Superiores critica o formalismo excessivo, destacando a recente decisão da 2ª Seção do STJ que permite a comprovação posterior daindisponibilidade do sistema eletrônico, melhorando a acessibilidade e a segurança jurídica no processo.

5/7/2024

A jurisprudência defensiva de nossos Tribunais Superiores já foi objeto de muitas críticas nessa coluna CPC na Prática1. Não se pode conceber um ordenamento que privilegie o apego excessivo à forma em total detrimento ao conteúdo. O processo não pode ser um fim em si mesmo, já que é o instrumento para que o jurisdicionado atinja nossas Cortes e possa haver pacificação social.

Em artigo publicado anteriormente à entrada em vigor do Código de Processo Civil de 2015 tive oportunidade de criticar o formalismo excessivo, que afetava a segurança jurídica das partes e a própria celeridade processual.2

Entretanto, o presente artigo é para elogiar o recente entendimento da 2ª Seção do STJ, que, de forma unânime, previu a possibilidade de comprovação da indisponibilidade do sistema eletrônico em momento posterior ao ato de interposição do recurso.

Todos os usuários dos muitos sistemas de processos eletrônicos utilizados por nossos Tribunais sabem das dificuldades que muitas vezes são enfrentadas para a consulta do teor dos autos ou mesmo para o protocolo de prazos. Essas instabilidades muitas vezes não são certificadas de imediato e há sempre o risco de termos a decretação de uma intempestividade em virtude de problemas técnicos alheios às partes.

Desse modo, é de se comemorar o referido julgado que está assim ementado:

“EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIVERGÊNCIA CONFIGURADA ENTRE JULGADO DA TERCEIRA E DA QUARTA TURMA DO STJ. COMPETÊNCIA DA SEGUNDA SEÇÃO. COMPROVAÇÃO. INSTABILIDADE SISTEMA DE ELETRÔNICO. ATO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO. COMPROVAÇÃO POSTERIOR. TEMPESTIVIDADE. PRORROGAÇÃO AUTOMÁTICA DO PRAZO.

  1. Embargos de divergência em agravo em recurso especial opostos em 21/3/24 e conclusos ao gabinete em 16/4/24.
  2. O propósito recursal é dirimir suposta divergência em relação à possibilidade de comprovar a indisponibilidade do sistema eletrônico em momento posterior ao da interposição do recurso.
  3. A lei do processo eletrônico determina, em seu art. 10, que se o sistema do Poder Judiciário se tornar indisponível por motivo técnico, o prazo fica automaticamente prorrogado para o primeiro dia útil seguinte à resolução do problema.
  4. É entendimento deste STJ que a mera alegação de indisponibilidade do sistema eletrônico do Tribunal, sem a devida comprovação, mediante documentação oficial, não tem o condão de afastar o não conhecimento do recurso, em razão da impossibilidade de aferição da sua tempestividade.
  5. Um dos documentos idôneos a comprovar a indisponibilidade do sistema é o relatório de interrupções, que deve ser disponibilizado ao público no sítio do Tribunal, conforme disciplina o art. 10, da resolução 185 do CNJ.
  6. É desarrazoado exigir que, no dia útil seguinte ao último dia de prazo para interposição do recurso, a parte já tenha consigo documentação oficial que comprove a instabilidade de sistema, sendo que não compete a ela produzir nem disponibilizar este registro.
  7. Este Tribunal da Cidadania não pode admitir que a parte seja impedida de exercer sua ampla defesa em razão de falha técnica imputável somente ao Poder Judiciário, notadamente porque ao menos há fundamentação legal para tanto.
  8. A regra do art. 1.003, §6º, do CPC, trata somente dos feriados locais, não devendo ser aplicada extensivamente às situações que versem sobre instabilidade do sistema eletrônico, pois é fato novo e inesperado o qual a parte não necessariamente terá como comprovar até o dia útil seguinte.
  9. A fim de evitar-se uma restrição infundada ao direito da ampla defesa, necessário interpretar o art. 224, §1º do CPC de forma mais favorável à parte recorrente, que é mera vítima de eventual falha técnica no sistema eletrônico de Tribunal.
  10. Admite-se a comprovação da instabilidade do sistema eletrônico, com a juntada de documento oficial, em momento posterior ao ato de interposição do recurso.
  11. Embargos de divergência conhecidos e providos para declarar a possibilidade de comprovação da indisponibilidade do sistema eletrônico em momento posterior ao ato de interposição do recurso.” (g.n.)

(EAREsp n. 2.211.940/DF, relatora ministra Nancy Andrighi, 2a Seção, julgado em 12/6/24, DJe de 18/6/24.)

Deve-se alertar que mesmo com esse julgamento unânime, o ideal é que a parte seja precavida e não deixe para obter as cópias ou mesmo protocolizar suas petições nas últimas horas ou dias do prazo fatal, eis que os sistemas eletrônicos ainda apresentam muitas falhas e deve-se evitar dissabores e discussões processuais, que só atrasam a tramitação do feito.  

Portanto, é de enaltecer tais decisões que afastam rigores formais para o julgamento do mérito dos recursos. Tais decisões ainda são em pequeno número, mas se espera que cresçam para que o STJ efetivamente exerça o seu papel de responsável por uniformizar a interpretação da lei federal.

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1 Disponível aqui

Disponível aqui. 

Disponível aqui.

2 "A garantia a um processo sem armadilhas e o Novo Código de Processo Civil", in Revista Brasileira de Direito Processual, n. 90, 2015. Nesse mesmo sentido é o entendimento de Marco Félix Jobim e  Fabrício de Farias Carvalho (Revista de Processo: RePro, São Paulo, v. 44, n. 298, dez. 2019): “Todavia, além da contribuição legislativa e doutrinária, que já vem cumprindo seu papel de forma eficiente, é necessária uma abertura dos tribunais ao novo modo de pensar o processo, em especial, sob o prisma da primazia do julgamento de mérito, rechaçando-se posturas jurisprudenciais defensivas e otimizando-se, mediante interpretação adequada ao modelo constitucional de processo, a aplicabilidade das regras aqui tratadas, para que as mesmas não tenham seu alcance tolhido por posições descomprometidas com um processo digno.”

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Colunistas

André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto tem pós-doutorado em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015). Pós Doutorado em Democracia e Direitos Humanos, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019). Pós Doutorado em Direitos Sociais, com foco em Direito Processual Civil, na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022). Pesquisador visitante no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil (2023). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). Pós Graduação Executiva nos Programas de Negociação (2013) e de Mediação (2015) da Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (destacando-se a EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae, UCDB, e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil: Teams. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).