Conforme veiculado na semana anterior, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) firmou a tese relativa ao tema repetitivo n. 769. Como se sabe, a questão submetida a julgamento foi a definição, no âmbito da execução fiscal, a respeito:
“i) da necessidade de esgotamento das diligências como pré-requisito para a penhora do faturamento; ii) da equiparação da penhora de faturamento à constrição preferencial sobre dinheiro, constituindo ou não medida excepcional no âmbito dos processos regidos pela Lei 6.830/1980; e iii) da caracterização da penhora do faturamento como medida que implica violação do princípio da menor onerosidade”1.
A tese firmada, conforme bem noticiado por Elias Marques de Medeiros Neto nessa Coluna2, foi a seguinte:
“I - A necessidade de esgotamento das diligências como requisito para a penhora de faturamento foi afastada após a reforma do CPC/1973 pela Lei 11.382/2006;
II - No regime do CPC/2015, a penhora de faturamento, listada em décimo lugar na ordem preferencial de bens passíveis de constrição judicial, poderá ser deferida após a demonstração da inexistência dos bens classificados em posição superior, ou, alternativamente, se houver constatação, pelo juiz, de que tais bens são de difícil alienação; finalmente, a constrição judicial sobre o faturamento empresarial poderá ocorrer sem a observância da ordem de classificação estabelecida em lei, se a autoridade judicial, conforme as circunstâncias do caso concreto, assim o entender (art. 835, § 1º, do CPC/2015), justificando-a por decisão devidamente fundamentada;
III - A penhora de faturamento não pode ser equiparada à constrição sobre dinheiro;
IV - Na aplicação do princípio da menor onerosidade (art. 805, parágrafo único, do CPC/2015; art. 620, do CPC/1973): a) autoridade judicial deverá estabelecer percentual que não inviabilize o prosseguimento das atividades empresariais; e b) a decisão deve se reportar aos elementos probatórios concretos trazidos pelo devedor, não sendo lícito à autoridade judicial empregar o referido princípio em abstrato ou com base em simples alegações genéricas do executado”.
Apesar de o tema versar sobre recursos repetitivos, não se pretende aqui repetir o que foi muito bem colocado anteriormente nesta Coluna na semana passada. O objetivo é tratar apenas de uma das afirmações contidas na tese firmada, a de n. III, a saber: “A penhora de faturamento não pode ser equiparada à constrição sobre dinheiro”.
Esta colocação feita pelo relator Min. Herman Benjamin, por ocasião do julgamento do REsp n. 1.835.864/SP, na Primeira Seção, julgado em 18/4/2024, publicado no DJe de 9/5/2024, é muito relevante e vale a pena transcrever este trecho da ementa:
“10. A penhora de faturamento não pode ser equiparada à constrição sobre dinheiro, até porque em tal hipótese a própria Lei de Execução Fiscal seria incoerente, uma vez que, ao mesmo tempo em que classifica a expressão monetária como o bem preferencial sobre o qual deve recair a penhora (art. 11, I), expressamente registra que a penhora sobre direitos encontra-se em último lugar (art. 11, VIII) e que a constrição sobre o estabelecimento é medida excepcional (art. 11, § 1º) - em relação aos dispositivos dos CPCs de 1973 e atual, vale a mesma observação, como acima descrito.
11. Mesmo a mudança de patamar da penhora de faturamento (que deixou de ser medida excepcional, segundo a disciplina da Lei 11.382/2006 e do novo CPC) não altera a conclusão acima, pois o legislador expressamente previu, como situações distintas, a penhora de dinheiro e do faturamento. No sentido de rejeitar a equiparação entre tais bens: REsp 1.170.153/RJ, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJe 18.6.2010; AgRg no Ag 1.032.631/RJ, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Rel. p/ Acórdão Ministro Luiz Fux, Primeira Turma, DJe 2.3.2009; AgRg no Ag 1.368.381/RS, Rel. Ministro Castro Meira, Segunda Turma, DJe 23.4.2012”.
Em síntese, a penhora sobre faturamento não pode ser equiparada à constrição sobre dinheiro, pois o Código de Processo Civil (CPC) estabelece situações distintas para cada uma, bem como requisitos específicos, assim como o faz a Lei de Execução Fiscal (lei 6.830/1980).
O art. 835, caput, do CPC, estabelece que “a penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem (...)” para em seguida, colocar a penhora de dinheiro no inciso I (“dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira”) e a sobre faturamento no inciso X (“percentual do faturamento de empresa devedora”). Tal ordem não é rígida, em razão do disposto no § 1º do mesmo artigo: “é prioritária a penhora em dinheiro, podendo o juiz, nas demais hipóteses, alterar a ordem prevista no caput de acordo com as circunstâncias do caso concreto”.
A Lei de Execuções Fiscais, por sua vez, prescreve que a penhora ou arresto de bens observará a seguinte ordem: “I – dinheiro”; (...) “§ 1º Excepcionalmente, a penhora poderá recair sobre estabelecimento comercial, industrial ou agrícola, bem como em plantações ou edifícios em construção”
De qualquer ângulo que se examine a questão, o CPC e a Lei de Execuções Fiscais (LEF) trataram de formas distintas e penhora em dinheiro e a penhora sobre faturamento de empresa, tanto que a previsão da possibilidade de elas acontecerem, seja no processo civil ou na execução fiscal, está colocada em lugares diferentes de ambos os diplomas legais (CPC, art. 835, incisos I e X; LEF, art. 11, inciso I e § 1º). A única diferença é que a LEF previa como excepcional a medida de penhora de faturamento e agora, após o julgamento do repetitivo que resultou no Tema n. 769 do STJ, não há mais esta excepcionalidade na execução fiscal.
Diante do exposto, a conclusão só pode ser uma: a penhora sobre faturamento não pode ser equiparada a penhora sobre dinheiro na execução fiscal, sendo esta última prioritária, podendo o juiz, nas demais hipóteses, alterar a ordem prevista no caput do art. 835 do CPC, de acordo com as circunstâncias do caso concreto.
__________
1 Disponível aqui (acesso em 15.05.2024).
2 Disponível aqui (acesso em 15.05.2024).