Já tivemos oportunidade de analisar nessa coluna a necessidade de garantia do juízo para a oposição de Embargos à Execução Fiscal e quanto ao eventual ressarcimento desses custos no caso da Fazenda Pública ser sucumbente1.
De fato, diferentemente do que ocorre nas outras Execuções de Títulos Extrajudiciais, nas Execuções Fiscais é obrigatória a integral garantia do débito para que se possa opor Embargos à Execução. E não é raro que o Exequente não aceite o oferecimento de bens à penhora e o Executado tenha de garantir a execução com fiança bancária e, principalmente, com seguro garantia.
Não sendo atribuído efeito suspensivo aos Embargos à Execução Fiscal ou sendo os mesmos julgados improcedentes e não tendo a apelação efeito suspensivo automático, é muito comum que o ente público, desde logo, peça que a seguradora/banco deposite integralmente nos autos o valor garantido.
Esses pedidos prematuros e desarrazoados acabavam por dificultar muito o oferecimento de seguro garantia e de fiança bancária, pois poucos dias depois da prestação da garantia a seguradora ou o banco já podiam ser compelidos a depositar integralmente o valor garantido. De fato, essa possibilidade de depósito imediato acabava por limitar e encarecer as garantias.
E esses pleitos vinham sendo acolhidos pelos nossos Tribunais e pelo Superior Tribunal de Justiça2.
Em dezembro de 2023, após a derrubada do veto presidencial, foi incluído o § 7º ao artigo 9º da Lei de Execução Fiscal:
"§ 7º As garantias apresentadas na forma do inciso II do caput deste artigo somente serão liquidadas, no todo ou parcialmente, após o trânsito em julgado de decisão de mérito em desfavor do contribuinte, vedada a sua liquidação antecipada."
Dúvida ainda restava na comunidade jurídica quanto a aplicação da norma às garantias que haviam sido prestadas anteriormente à referida alteração legislativa. Entretanto, em recentíssimo julgado, a Primeira Turma do STJ alterou o entendimento3 então vigente na Corte e ainda decidiu que a impossibilidade da liquidação antecipada da garantia também abrangeria os casos já em tramitação:
"PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. SEGURO GARANTIA. PAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO. ILEGALIDADE.
1. A exegese do art. 32, § 2º, da LEF revela carecer de finalidade o ato judicial que intima a seguradora a realizar o pagamento da indenização do seguro garantia judicial antes da ocorrência do trânsito em julgado da sentença desfavorável ao devedor.
2. "As garantias apresentadas na forma do II do caput deste artigo somente serão liquidadas, no todo ou parcialmente, após o trânsito em julgado da decisão de mérito em desfavor do contribuinte, vedada a sua liquidação antecipada" (art. 9º, § 7º, da LEF, introduzido pela Lei n. 14.689/2023).
3. Cuidando-se de regra processual, o último dispositivo indicado tem imediata aplicação aos processos em tramitação.
4. Agravo interno provido para dar provimento ao recurso especial."
(AgInt no AREsp n. 2.310.912/MG, relator Ministro Sérgio Kukina, relator para acórdão Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 20/2/2024, DJe de 12/4/2024.)
Do voto vencedor se extraem os seguintes trechos e que são bastante elucidativos quanto ao novo entendimento do STJ:
"Dito isso, se o propósito da execução é satisfazer a dívida, carece de finalidade o ato judicial que intima a seguradora para realizar o depósito do valor assegurado antes do trânsito em julgado, pois somente depois de operada essa condição é que a razão de ser desse depósito - qual seja, a de possibilitar a correspondente entrega do dinheiro ao credor (por conversão em renda da Fazenda Pública) - poderá acontecer, consoante a aludida disposição da LEF.
Em outras palavras, se a finalidade da execução é satisfazer o crédito do exequente, o ato que permite a cobrança antecipada do seguro, embora onere o executado, não tem o condão de concretizar aquela (finalidade), pois, na prática, a entrega efetiva do numerário cobrado será postergada para o momento em que acontecer o trânsito em julgado dos embargos.
(...)
"Finalmente, não desconheço a existência de leis que permitem o repasse de valores referentes a tributos depositados judicialmente à Fazenda Pública, a exemplo do estabelecido no art. 1º, § 2º, da Lei n. 9.703/1998, esta direcionada aos interesses da Fazenda Nacional.
Pondero, entretanto, que a destinação precária dos valores dos depósitos judiciais à Fazenda Pública não pode servir de parâmetro para avaliar a necessidade de antecipação desse depósito à garantia do juízo da execução fiscal, questão que, como já disse, deve ser examinada à luz da ponderação dos princípios da menor onerosidade e da efetividade do processo executivo.
O citado direito de repasse de valores deriva de depósitos regularmente realizados, de modo que não interfere no juízo relativo ao momento adequado em que devam ser efetuados."
Portanto, é de enaltecer tal julgado, que supera o entendimento anterior da Corte e impede a intimação da seguradora/banco a efetuar o depósito integral da garantia antes do trânsito em julgado da sentença, em atenção à alteração legislativa recente da LEF e prestigiando a previsão do artigo 32, § 2º, da Lei de Execução Fiscal e o princípio da menor onerosidade.
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2 AgInt no AREsp 1.646.379/RJ (2ª Turma); AgInt no AREsp 1.756.612/RJ (1ª Turma)
3 O julgado faz menção a acórdão esparso e antigo da própria 1ª Turma no mesmo sentido (REsp 1033545 / RJ).