CPC na prática

O STJ e a impossibilidade de intimação da seguradora a depositar o valor do seguro garantia antes do trânsito em julgado da sentença

Professor Rogerio Mollica destaca recente julgado do STJ, que decidiu pela impossibilidade de intimação da seguradora a depositar o valor do seguro garantia antes do trânsito em julgado da sentença.

2/5/2024

Já tivemos oportunidade de analisar nessa coluna a necessidade de garantia do juízo para a oposição de Embargos à Execução Fiscal e quanto ao eventual ressarcimento desses custos no caso da Fazenda Pública ser sucumbente1.

De fato, diferentemente do que ocorre nas outras Execuções de Títulos Extrajudiciais, nas Execuções Fiscais é obrigatória a integral garantia do débito para que se possa opor Embargos à Execução. E não é raro que o Exequente não aceite o oferecimento de bens à penhora e o Executado tenha de garantir a execução com fiança bancária e, principalmente, com seguro garantia.

Não sendo atribuído efeito suspensivo aos Embargos à Execução Fiscal ou sendo os mesmos julgados improcedentes e não tendo a apelação efeito suspensivo automático, é muito comum que o ente público, desde logo, peça que a seguradora/banco deposite integralmente nos autos o valor garantido.

Esses pedidos prematuros e desarrazoados acabavam por dificultar muito o oferecimento de seguro garantia e de fiança bancária, pois poucos dias depois da prestação da garantia a seguradora ou o banco já podiam ser compelidos a depositar integralmente o valor garantido. De fato, essa possibilidade de depósito imediato acabava por limitar e encarecer as garantias.

E esses pleitos vinham sendo acolhidos pelos nossos Tribunais e pelo Superior Tribunal de Justiça2. 

Em dezembro de 2023, após a derrubada do veto presidencial, foi incluído o § 7º ao artigo 9º da Lei de Execução Fiscal: 

"§ 7º As garantias apresentadas na forma do inciso II do caput deste artigo somente serão liquidadas, no todo ou parcialmente, após o trânsito em julgado de decisão de mérito em desfavor do contribuinte, vedada a sua liquidação antecipada."

Dúvida ainda restava na comunidade jurídica quanto a aplicação da norma às garantias que haviam sido prestadas anteriormente à referida alteração legislativa. Entretanto, em recentíssimo julgado, a Primeira Turma do STJ alterou o entendimento3 então vigente na Corte e ainda decidiu que a impossibilidade da liquidação antecipada da garantia também abrangeria os casos já em tramitação: 

"PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. SEGURO GARANTIA. PAGAMENTO DA INDENIZAÇÃO ANTES DO TRÂNSITO EM JULGADO. ILEGALIDADE.

1. A exegese do art. 32, § 2º, da LEF revela carecer de finalidade o ato judicial que intima a seguradora a realizar o pagamento da indenização do seguro garantia judicial antes da ocorrência do trânsito em julgado da sentença desfavorável ao devedor.

2. "As garantias apresentadas na forma do II do caput deste artigo somente serão liquidadas, no todo ou parcialmente, após o trânsito em julgado da decisão de mérito em desfavor do contribuinte, vedada a sua liquidação antecipada" (art. 9º, § 7º, da LEF, introduzido pela Lei n. 14.689/2023).

3. Cuidando-se de regra processual, o último dispositivo indicado tem imediata aplicação aos processos em tramitação.

4. Agravo interno provido para dar provimento ao recurso especial."

(AgInt no AREsp n. 2.310.912/MG, relator Ministro Sérgio Kukina, relator para acórdão Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 20/2/2024, DJe de 12/4/2024.)

Do voto vencedor se extraem os seguintes trechos e que são bastante elucidativos quanto ao novo entendimento do STJ: 

"Dito isso, se o propósito da execução é satisfazer a dívida, carece de finalidade o ato judicial que intima a seguradora para realizar o depósito do valor assegurado antes do trânsito em julgado, pois somente depois de operada essa condição é que a razão de ser desse depósito - qual seja, a de possibilitar a correspondente entrega do dinheiro ao credor (por conversão em renda da Fazenda Pública) - poderá acontecer, consoante a aludida disposição da LEF.

Em outras palavras, se a finalidade da execução é satisfazer o crédito do exequente, o ato que permite a cobrança antecipada do seguro, embora onere o executado, não tem o condão de concretizar aquela (finalidade), pois, na prática, a entrega efetiva do numerário cobrado será postergada para o momento em que acontecer o trânsito em julgado dos embargos.

(...)

"Finalmente, não desconheço a existência de leis que permitem o repasse de valores referentes a tributos depositados judicialmente à Fazenda Pública, a exemplo do estabelecido no art. 1º, § 2º, da Lei n. 9.703/1998, esta direcionada aos interesses da Fazenda Nacional.

Pondero, entretanto, que a destinação precária dos valores dos depósitos judiciais à Fazenda Pública não pode servir de parâmetro para avaliar a necessidade de antecipação desse depósito à garantia do juízo da execução fiscal, questão que, como já disse, deve ser examinada à luz da ponderação dos princípios da menor onerosidade e da efetividade do processo executivo.

O citado direito de repasse de valores deriva de depósitos regularmente realizados, de modo que não interfere no juízo relativo ao momento adequado em que devam ser efetuados."

Portanto, é de enaltecer tal julgado, que supera o entendimento anterior da Corte e impede a intimação da seguradora/banco a efetuar o depósito integral da garantia antes do trânsito em julgado da sentença, em atenção à alteração legislativa recente da LEF e prestigiando a previsão do artigo 32, § 2º, da Lei de Execução Fiscal e o princípio da menor onerosidade.

__________

1 Disponívem aqui.

2 AgInt no AREsp 1.646.379/RJ (2ª Turma); AgInt no AREsp 1.756.612/RJ (1ª Turma)

3 O julgado faz menção a acórdão esparso e antigo da própria 1ª Turma no mesmo sentido (REsp 1033545 / RJ).

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André Pagani de Souza é doutor, mestre e especialista em Direito Processual Civil pela PUC/SP. Bacharel em Direito pela USP. Professor de Direito Processual Civil e coordenador do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade Presbiteriana Mackenzie em São Paulo. Pós-doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa. Autor de diversos trabalhos na área jurídica. Membro do IBDP, IASP e CEAPRO. Advogado.

Daniel Penteado de Castro é mestre e doutor em Direito Processual pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito dos Contratos pelo Centro de Extensão Universitária. Membro fundador e conselheiro do CEAPRO – Centro de Estudos Avançados em Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual – IBDP. Professor na pós-graduação Lato Sensu na Universidade Mackenzie, Escola Paulista de Direito e Escola Superior da Advocacia. Professor de Direito Processual Civil na graduação do Instituto de Direito Público. Advogado e Autor de livros jurídicos.

Elias Marques de M. Neto Pós-doutorados em Direito Processual Civil na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (2015), na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra/Ius Gentium Conimbrigae (2019), na Faculdade de Direito da Universidade de Salamanca (2022) e na Universitá degli Studi di Messina (2024/2025). Visiting Scholar no Instituto Max Planck, em Direito Processual Civil e em Direito Constitucional (2023/2024). Doutor (2014) e Mestre (2009) em Direito Processual Civil pela PUC/SP. MBA em Gestão Empresarial pela FGV (2012). Especialista em Direito da Economia e da Empresa pela FGV (2006). Especializações em Direito Processual Civil (2004) e em Direito dos Contratos (2005) pelo IICS/CEU. Especialização em Direito do Agronegócio pela FMP (2024). MBA em Agronegócio pela USP (2025). MBA em Energia pela PUC/PR (2025). Pós Graduação Executiva em Negociação (2013) e em Mediação (2015) na Harvard Law School. Pós Graduação Executiva em Business Compliance na University of Central Florida - UCF (2017). Pós Graduação Executiva em Mediação e Arbitragem Comercial Internacional pela American University / Washington College of Law (2018). Pós Graduação Executiva em U.S. Legal Practice and ADR pela Pepperdine University/Straus Institute for Dispute Resolution (2020). Curso de Extensão em Arbitragem (2016) e em Direito Societário (2017) pelo IICS/CEU. Bacharel em Direito pela USP (2001). Professor Doutor de Direito Processual Civil no Curso de Mestrado e Doutorado na Universidade de Marilia - Unimar (desde 2014), nos cursos de Especialização do CEU-Law (desde 2016) e na graduação da Facamp (desde 2021). Professor Colaborador na matéria de Direito Processual Civil em diversos cursos de Pós Graduação Lato Sensu e Atualização (ex.: EPD, Mackenzie, PUC/SP-Cogeae e USP-AASP). Advogado. Sócio de Resolução de Disputas do TozziniFreire Advogados (desde 2021). Atuou como Diretor Executivo Jurídico e Diretor Jurídico de empresas do Grupo Cosan (2009 a 2021). Foi associado sênior do Barbosa Mussnich e Aragão Advogados (2002/2009). Apontado pela revista análise executivos jurídicos como o executivo jurídico mais admirado do Brasil nas edições de 2018 e de 2020. Na mesma revista, apontado como um dos dez executivos jurídicos mais admirados do Brasil (2016/2019), e como um dos 20 mais admirados (2015/2017). Recebeu do CFOAB, em 2016, o Troféu Mérito da Advocacia Raymundo Faoro. Apontado como um dos 5 melhores gestores de contencioso da América Latina, em 2017, pela Latin American Corporate Counsel Association - Lacca. Listado em 2017 no The Legal 500's GC Powerlist Brazil. Recebeu, em 2019, da Associação Brasil Líderes, a Comenda de Excelência e Qualidade Brasil 2019, categoria Profissional do Ano/Destaque Nacional. Recebeu a medalha Mérito Acadêmico da ESA-OABSP (2021). Listado, desde 2021, como um dos advogados mais admirados do Brasil na Análise 500. Advogado recomendado para Resolução de Disputas, desde 2021, nos guias internacionais Legal 500, Latin Lawyer 250, Best Lawyers e Leaders League. Autor de livros e artigos no ramo do Direito Processual Civil. Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP, Pinheiros (desde 2013). Presidente da Comissão de Energia do IASP (desde 2013). Vice Presidente da Comissão de Direito Processual Civil da OAB/SP (desde 2019). Membro fundador e Conselheiro (desde 2023) do Ceapro, tendo sido diretor nas gestões de 2013/2023. Conselheiro curador da célula de departamentos jurídicos do CRA/SP (desde 2016). Membro de comitês do Instituto Articule (desde 2018). Membro da lista de árbitros da Camarb e da Amcham. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP), do CBar e da FALP. Membro honorário da ABEP. Foi presidente da Comissão de Defesa da Segurança Jurídica do Conselho Federal da OAB (2015/2016), Conselheiro do CORT/FIESP (2017), Coordenador do Núcleo de Direito Processual Civil da ESA-OAB/SP (2019/2021) e Secretário da comissão de Direito Processual Civil do CFOAB (2019/2021).

Rogerio Mollica é doutor e mestre em Direito Processual Civil pela USP. Especialista em Administração de Empresas CEAG-Fundação Getúlio Vargas/SP. Especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Bacharel em Direito pela USP. Professor doutor nos cursos de mestrado e doutorado na Universidade de Marilia - Unimar. Advogado. Membro fundador, ex-conselheiro e ex-presidente do Ceapro - Centro de Estudos Avançados de Processo. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP). Membro do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT).